Sentado à destra da viatura, dirigida pela Oficial Margareth pelas ruas do Centro, ainda perto da delegacia, Eternus repetia em sua própria mente a memória daquela misteriosa figura que viu quando recebera todo o banco de dados criminais de New Henrich. Não importa o quanto tentasse, não conseguia distinguir o rosto daquela criatura, o qual era escondido nas sombras de um chapéu escuro, cujas sombra se continuava com todo o manto preto que vestia naquela cena. Vendo-o com aquela visão distante, preocupada, Margareth perguntou-lhe, para tentar quebrar o clima:

    — Você é meio caladão, né?

    — É… É que eu ainda estou a processar tudo. É tudo muito novo para mim. A cidade, os prédios, as ruas. É muita informação de uma só vez, especialmente sobre casos tão…

    — Tão desumanos, certo?

    — Sim…

    — Olha só… Quando eu comecei por aqui, eu meio que senti algo do tipo também. Eu era bem inocente, apesar de essa cidade ser péssima. Mas com o passar dos casos que eu e o meu instrutor pegávamos para investigar… Poxa. Isso muda você, sabe?

    Ouvindo aquela pergunta, Eternus refletiu consigo mesmo sobre o quanto ainda haveria de mudar, e também, sobre o quanto mudou desde o começo daquele dia: “Ainda nem é meio-dia, e já me sinto completamente diferente!”. Mas era uma sensação desagradável. Gritos das mães, dos pais, dos filhos, diante dos corpos pálidos e frios que apertavam consigo, sobre os quais derrubavam suas lágrimas e cujas perdas lamentavam, passavam por seus olhos como uma assombração. Um mal-estar o abraçava por inteiro, e até vomitaria, se corpo não fosse completamente mecânico. Com seu braço esquerdo, segurava em sua própria barriga, como se quisesse agarrar seu próprio estômago, por mais que carecesse de um.

    — É. Acho que sei, um pouco — respondeu-lhe, engolindo seco.

    — Só tenta focar em outra coisa, tudo bem? Digo, focar no ofício. Hoje é seu primeiro dia, não pode ficar desatento. A menor desatenção, e bam! Você leva um tiro e nem sabe de onde veio.

    — Meu corpo é revestido com liga de titânio fundido. A munição comum não é capaz de perfurar-me.

    — Tá, só estou tentando dizer para você limpar sua cabeça, relaxar e focar na missão. Consegue fazer isso?

    — Diretriz adicionada com sucesso…

    Após isso, Eternus inclinou-se para mais próximo da janela, a fim de enxergar aquele mundo exterior que se lhe revelava. Isso, dalgum modo, o tranquilizava, pois o fazia lembrar de sua morada bem acima das nuvens, visto que o padrão das casas, dos prédios, das ruas, era semelhante ao quarto onde era guardado e recuperava suas energias. Indagava-se: “O que será que o Criador está a pensar agora? Espero que ele não esteja preocupado… Espero que esteja bem”.

    Mas o repouso e alívio daqueles dois foi imediatamente interrompido quando do rádio emanava a voz da central, o qual chamou a atenção dos dois oficiais, os quais se entreolharam enquanto ouviam atentamente ao rádio:

    — Atenção, todas as unidades disponíveis: roubo em andamento. Código 211 em progresso. Local: posto de Gasolina Sancharez na rua 15, distrito de New Life. Suspeito armado e com máscara. Solicitamos unidade: código 3.

    — Olha, é aqui por perto. Está pronto para ir lá, Eternus? — Indagou-lhe a mentora, com um sorriso empolgado no rosto.

    — Ah… Sim.

    — Ótimo, então!

    Dito isso, Margareth tomou animosamente seu rádio, aproximou-o de sua boca e respondeu:

    — Central, aqui é a unidade 7-Adam-12, a caminho. Respondendo ao código 3.

    Repondo de volta o rádio, a oficial ligou as sirenes e luzes, acelerou o carro e tomou o primeiro retorno que se lhe apresentou na avenida. Os pneus cantavam furiosamente a cada curva enquanto a pilota destramente girava o volante, os carros abrindo-lhe passagem à frente, para chegar o mais rápido a seu destino. Do outro lado, Eternus segurava-se no apoio da porta, com olhos arregalados pela velocidade que a viatura de súbito tomara. Com os dentes serrados, pensava consigo: “Esse carro só falta voar quando ela desce essas ladeiras!”.

    — Tá se divertindo, Eternus?

    — Acho que não deveríamos ir assim tão rápido, Margareth!

    — Estamos atendendo uma chamada urgente, robô! Não dá para esperar! Além disso, se a gente deixar os outros chegarem primeiro, vamos perder toda a diversão.

    — Diversão?! O que há de divertido nisso?! — Surpreendido, pensava consigo: “Essa mulher é maluca! Vai acabar por matar a nós dois!

    — Você vai ver só!

    E como pisasse com mais força no acelerador, atingiu o ponto mais baixo do Elysium, na barreira que o separava da periferia. Aos poucos, os altíssimos prédios iam diminuindo em seu tamanho, as casas, adquirindo cores diversas, mas também perdendo sua arquitetura. Sequer podia observá-las mais atentamente, devido à velocidade em que viajavam: nada obstante, Eternus sentia que a riqueza em que nascera aos poucos era perdida, sendo substituída por uma inovadora pobreza em sua vida, na qual pela primeira vez haveria de pisar.

    No posto de gasolina em que ocorria o assalto, o atendente da loja de conveniência encontrava-se inconsciente, no chão, sobre uma poça de sangue oriundo de uma ferida aberta pela coronhada que recebera. Ao seu lado, um assaltante mascarado, carregando uma escopeta, trazia velozmente para sua bolsa o pouco de dinheiro que guardado na caixa registradora, ação essa que cessou de fazer quando ouvira os sons da sirene de longe.

    — Merda! — Gritou para consigo mesmo.

    Furioso, fechou a caixa registradora, foi para perto da porta principal, feita de vidro, e, acobertado pela parede, olhou de canto para ver chegada a viatura dos dois policiais, a qual freou subitamente no outro lado da rua, de frente para o posto, fazendo sua presença conhecida a todos pelo cantar dos pneus, e impressa naquele lugar pela marca preta que sobre a rua deixava. O bandido via que a viatura era um Crown Vic de quatro portas, totalmente preta, com vidro fumê, sem que pudesse ver de dentro os oficiais. Estes, porém, logo se revelariam, quando Margareth saiu, acobertando-se por trás da porta da viatura. Apontando sua pistola e sacando o megafone, clamou:

    — Sugiro você sair com as mãos para a cabeça! Você não vai gostar mesmo do que vai acontecer se não se render logo.

    Serrando os dentes, o ladrão voltou-se para o atendente caído, e, não sem grande esforço, segurou aquele peso morto com dos braços, enquanto com o outro lhe apontava sua escopeta, e, abrindo a porta, gritou à policial:

    — Se tentarem fazer alguma coisa eu estouro a p#rr# cabeça desse moleque! Eu não tô brincando! Eu não tenho medo de matar a merda desse guri filho da p###!

    — Droga… — Reclamou consigo mesmo Margareth, longe do megafone.

    Após isso, a mentora entrou novamente na viatura, e, olhando para Eternus, disse:

    — É uma situação de refém, Eternus. Sabe o que devemos fazer?

    — Conforme o regulamento, o correto seria chamarmos reforços e negociar com o agressor, a fim de salvaguardar a vítima e poder prendê-lo. — Após dizer isso, o recruta tentou apanhar o radiofone, mas a mão de sua instrutora lho impediu.

    — Não… Eternus, vai demorar muito até chegar os reforços. Não vê que a vítima está com um possível traumatismo craniano? O rosto do menino está molhado de sangue. Você vai ter que agir, acertando na cabeça do agressor.

    Ao ouvir isso, Eternus se atemorou e sua feição fez escapar um profundo medo.

    — “Acertando”?

    — Sim, dando um tiro na cabeça dele. Você não tem uma super mira ou algo assim?

    — Tenho…

    — Então pega a minha pistola e sai por trás, ele não vai saber que você vai estar mirando nele. Depois, é só puxar o gatilho.

    Dito isso, Margareth tirou de seu coldre uma pistola nove milímetros e a entregou nas mãos do robô, o qual com muito hesitar pegou. Fixou seu olhar sobre ela em suas mãos, e engoliu seco ao sentir o peso da arma municiada. Levantou os olhos e, através do para-brisa, via aquele pobre rapaz aos poucos perdendo a sua vida nas mãos do assaltante. Olhou novamente para Margareth, que o encarava com um olhar impaciente, como de quem esperasse uma ação rápida. Sua respiração tornou-se pesada e ofegante, quando, em acréscimo a tudo isso, vinha-lhe novamente em sua mente todas as gravações de segurança de execuções, homicídios, gritos de familiares ao verem seu ente querido baleado. Foi quando, encontrando-se novamente naquele alojamento de anteriormente, aquela figura misteriosa se aproximou por trás, e, tocando em seu ombro, disse-lhe bem próximo do ouvido:

    — O que houve, Daniel? Esqueceste-te de como puxar o gatilho? — Dito isso, riu-se, e, ao se por diante dele, aproximou-se-lhe o seu rosto, do qual retirou a sua máscara, relevando um rosto desfigurado, derretido, sem lábios, nariz, ou pelo algum facial, fosse cabelo ou sobrancelha: era uma fisionomia semelhante a daquelas vítimas de incêndio cujo rosto foi gravemente afetado. Dentro de si, em frente àquele monstruoso rosto, Eternus sentiu um ódio incontrolável. Com os dentes serrados de fúria, agarrou o pescoço daquela figura sombria a quem via, enquanto instantemente lhe gritava:

    — O meu nome não é Daniel! O meu nome é Eternus! Eternus! Eternus!

    E enquanto repetia seu próprio nome por sobre as risadas incessantes daquele horrendo rosto, ouviu de fora de si uma voz feminina que clamava por ele.

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