— Eternus! Meu Deus! É o Michael! É o Michael! Pare com isso!

    — O quê? Como assim?! Onde estou?

    Eternus percebeu que já não mais se encontrava no alojamento abandonado, nem na viatura, nem naquele posto de gasolina, mas na sala do técnico que lhe havia instalado o banco de dados da delegacia, como também percebeu que era a esse mesmo técnico cujo pescoço agarrava, sufocando-o. Rapidamente retirou a sua mão, permitindo que Michael voltasse a respirar, a custo de muitas tosses.

    — Eternus! O que deu em você?!

    — Eu… O que aconteceu? O ladrão… E quem era aquele homem? Quem é Daniel?

    — Daniel?!

    Ao ouvir isso, Margareth se calou por um momento, como se aquele nome lhe fosse similar. Mas, deixando isso de lado, tentou acalmar o robô, explicando-lhe o que ocorreu.

    — Olha… Você só travou na hora em que eu falei para agir. O ladrão deixou a vítima no chão e acabou fugindo antes de o reforço chegar.

    — Mas e o garoto? Como ele está?

    — Ah, não se preocupe, ele está bem. Foi atendido pelo serviço de saúde e se encontra fora de perigo.

    — Ótimo.

    Eternus, apesar de se alegrar aliviado por aquele jovem não ter sido morto, sabia que foi um erro de sua parte não ter agido: “Desculpa-me, Criador, falhei contigo em criar uma boa primeira impressão…”.

    — Eu… Também estou… Bem! Obrigado por perguntarem! — Reclamou Michael por entre tosses e suspiros, enquanto, levantando-se do chão em que fora jogado, limpava seu uniforme e ajustava seu óculos.

    — Eu peço mil perdões, técnico, eu não vi que eras tu. Peço desculpas.

    — Não… Está tudo bem. Pelo visto a quantidade excessiva de informações prejudicou o seu funcionamento. O que mais pesava eram os vídeos e os áudios que a delegacia guardava. Agora você só vai ficar sabendo de nomes, rostos e de outras informações mais… Digamos assim, “por escrito”.

    Ouvindo isso, Eternus rapidamente acessou seu armazenamento interno à procura daqueles ignominiosos vídeos, em cuja descoberta ausência respirou aliviado: quão grande mancha escura sentia lhe ter sido expurgada à alma!

    — É… Caso queiram saber, o motivo de Eternus ter ficado paradão lá, é que ele estava processando todos os casos ao mesmo tempo. Então quando ele ficou de frente com o ladrão de hoje cedo, o sistema quis comparar o seu rosto e crimes parecidos com todos os vídeos e áudios do banco de dados relativos a porte de armas, assassinatos e coisas assim… Aí ele só travou… Deu “tilt”. Mas apesar de você quase ter me sufocado, Eternus, como se sente?

    — Eu… Eu acho que melhor. Mais leve.

    Pondo a mão em seu ombro, Margareth lhe disse:

    — Então acho que agora já vai estar pronto para trabalhar, né?

    — Sim, mentora.

    — Então vamos. Aliás, obrigado Michael.

    — Sim, agradeço também eu pelo teu auxílio.

    — Tá bom. Só da próxima vez não tenta me enforcar.

    — Diretriz adicionada com sucesso. E, novamente, peço mil desculpas.

    Em seguida, virou-se e foi após sua mentora, que já estava à porta, apenas à sua espera. E enquanto caminhava pelo corredor em direção à saída, alguns oficiais que passavam por ele abanavam a cabeça, outros, seguravam a própria risada. No fundo, Eternus sabia que era dele mesmo de quem riam, e assim concluindo, encolheu-se em seus próprios ombros pela vergonha que sentia, procurando esconder o caído alento que seu rosto esboçava: “Virei uma piada para a corporação toda… Oh!, que acabe logo este dia!”.

    Estando já perto da viatura, Margareth abriu-lhe o porta-malas e apanhou um equipamento, sobre o qual disse:

    — Aliás, robô, quero que você segure isso aqui…

    Margareth entregou nas mãos de Eternus uma escopeta A12, completamente preta, a qual Eternus observava franzindo as sobrancelhas.

    — Você sabe como usar uma arma, sim?

    — Sei sim, mentora. O Dr. Alexander dotou-me desde minha criação do conhecimento relativo ao uso de todos os equipamentos policiais, desde rádio até…

    — Então você tem medo de puxar o gatilho, Eternus? — Interrompeu-o impaciente a oficial, projetando-lhe seu olhar enquanto se apoiava na viatura ao lado.

    — Não… Eu apenas espero não ter de usá-las. Pois não desejo a morte de nenhum ser humano. Foi para servir ao homem, e não para destruí-lo, que fui criado.

    — O quê? “Servir ao homem”? E por acaso você é um mordomo, robô?

    — Não, senhora.

    — Presta atenção: você é instrumento da polícia. É isso que você é, ouviu? Se for para você matar por nós, você mata, entendeu? Você é uma máquina de guerra para esmagar o crime aqui na cidade, não importa quantos traficantes, bandidos, ladrões, sei lá o que, você precise matar, ouviu, robô? Fui clara?

    De vergonha, converteu-se sua feição em amargurada tristeza. Quão afiada foi essa espada, a dolorosa revelação de sua mentora, acerca de sua verdadeira natureza: uma tristeza cortou-lhe profundamente o coração, e cada palavra que da boca de sua instrutora saía o atingia como uma adaga.

    — Mas…

    — Repete comigo, robô: “eu sou uma máquina de guerra”!

    — Mas eu não…

    — Repete!

    — Eu sou uma máquina…

    — Uma máquina de guerra.

    — Eu sou uma máquina de guerra.

    — Tá aí. Esse vai ser seu apelido. De agora em diante só vou te chamar assim. Você devia se orgulhar, os novatos não recebem nomes bonitinhos assim, geralmente. Vamos, ô “máquina de guerra”, vamos arrumar a besteira que você fez hoje cedo.

    Olhando para a escopeta a ele dado, segurava-a com força, vindo-lhe à imaginação quantas vidas ceifaria com aquela ferramenta. “Desde que fui criado meses atrás, apenas sonhava por esse dia. Sonhava que haveria de ajudar o inocente e o indefeso. Mas hoje, que vontade é essa que sinto de fugir, oh! Não era por isso que eu ansiava!”.

    — Vamos logo, máquina de guerra!

    — Sim, senhora…

    Eternus depositou a sua arma no porta-malas, fechando-o rapidamente, para logo assentar-se no banco do passageiro, apreensivo sobre como aquele dia terminaria. Em seguida a seu lado sentou-se sua mentora, pondo as mãos no volante: com um forte suspiro, sentia-se arrependida de ter usado daquelas palavras para com seu recruta. Os dois apenas olhavam para o horizonte, como se uma nuvem de tristeza os cercasse. Mas, voltando à mente de Margareth algo curioso que o novato clamara, perguntou-lhe:

    — Eternus… Quando você acordou, você perguntou sobre um tal de Daniel. O que você gostaria de saber sobre? E por quê?

    Após um momento calado, pensando na melhor forma de responder àquela pergunta delicada, o robô respondeu:

    — Quando eu travei naquela hora, algumas visões perturbadoras tomaram conta de mim. Via à minha frente uma figura misteriosa, cujo rosto estava deformado, chamando-me de “Daniel”. Essa pessoa… Causava-me muito medo. Embora eu seja praticamente indestrutível, diante dela, eu me sentia mole, fraco… Como se fosse feito de carne. Eu até quis procurar em meu banco de dados sobre alguém chamado Daniel, mas a única coisa de pertinente que encontrei foi um arquivo corrompido, o qual não conseguia acessar. Tu sabes quem é este Daniel?

    — Robô… Sei sim. Peço que me acompanhe, de novo.

    Ao saírem do carro, dirigiram-se à sala principal da delegacia, por onde ainda não tinha andado, preenchida de muitos oficiais de polícia com os rostos aterrados em seus computadores teclando rapidamente, e muitos outros escrevendo sua papelada. Era uma sala movimentada, entravam e saíam, correndo ou caminhando, muitos policiais. No entanto, era possível ver de longe um altar, no fundo daquele salão, por entre aqueles companheiros todos de trabalho, com algumas fotos, cartazes, cartas… E, aproximando, Eternus surpreendeu-se com o texto que lera: “Descanse em paz, oficial Daniel”, estampado abaixo de uma imagem em preto e branco do rosto do oficial. Era um rosto de um homem branco na faixa de quarenta anos, com barba por fazer, entradas pela testa, esbanjando um doce sorriso. Logo abaixo, viu uma carta: “Você foi o melhor mentor que uma recruta como eu poderia ter. Descanse em paz, oficial Daniel. — Ass. oficial Margareth”.

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