Capítulo 8: Corrupção.
— Vocês dois podem… Repetir, de novo, o que aconteceu?
Assim indagou inconformado o sargento Williams, que, sentado por detrás de sua escrivania, via à sua frente a oficial Margareth e o robô Eternus embaraçados pela narrativa da história do que lhes ocorrera mais cedo.
— Ele foi falar o nome do cara que matou o oficial Daniel e morreu do nada — instou Margareth.
— Tá… Agora, explica de novo, só que com mais sentido.
Ao ouvir isso, Eternus deixa escapar um suspiro, e, afastando para perto da parede, enquanto retira cuidadosamente os quadros e medalhas penduradas que testemunhavam os méritos em missão do sargento Williams, diz:
— Se vós me permitirdes, ó superiores, acredito que o filme por mim intermitentemente gravado pudera explicar muito melhor do que nossas palavras.
Proferidas estas palavras, o robô fixa seu olhar por sobre o vazio deixado naquela parede, e por uma luz que de seus olhos emanava, fez nela projetar a gravação do ocorrido, a começar de quando desceram ao andar abaixo. Como estivesse um pouco de longe, o Sargento cerra seus olhos atentamente e aproxima a sua cadeira para entender com exatidão. Finalizada a projeção, Eternus se afasta da parede e dirige seu olhar ao seu superior, como se perguntasse: “entendeste agora?”. No entanto, tudo o que conseguira perceber foi a feição caída de Williams, o engulo de saliva, e uma acenação negativa, não de como não tivesse entendido, mas de quem rejeitasse o que acabara de ver.
— Não… Não é possível que eles tenham sabotado a investigação.
— Eles quem, sargento? — Perguntou impaciente Margareth.
Estando para responder a pergunta, Williams se interrompe a si mesmo e levanta-se de sua poltrona, olha pelas persianas da janela à frente, certificando-se de que ninguém estava escutá-los, e em seguida as fecha, trancando também a porta ao lado. Voltando seu olhar para a oficial, responde em baixa voz:
— Os detetives designados, oficial Margareth. Eles não são confiáveis.
Estas palavras como flechas venenosas atingiram o íntimo da policial, cujo impacto lhe fora sentido pelo bater forte de seu coração: fizeram-lhe escapar toda palavra pela indignação, e selaram a sua boca com toda confusão. Por entre balbucios e grande esforço, o que conseguira coletar para se expressar foi:
— Então quer dizer que… O oficial Daniel… O meu mentor… A investigação… O assassino…
— Sim, oficial Margareth. Ocorreu o que eu mais temia… A investigação foi sabotada. Há corruptos entre nós.
O olhar da policial se encontrava perdido, sem rumo, sem saber para onde ir. Na percepção disso, Eternus tomou à frente e perguntou ao seu superior:
— Senhor, se for de tua vontade, posso investigar os traidores e fazer descer sobre eles o rigor da Lei.
— Não, robô… Corruptos sempre teremos. É uma luta sem fim, principalmente nessa cidade, nesse mundo. — Dito isso, o olhar do sargento voltou ao da sua súdita, que não conseguia conter as lágrimas, que de um lado escorriam pela raiva, e de outro, pela tristeza, pela negligência que a morte de seu mestre sofrera. Aproximou-se-lhe seu superior, e, abraçando-a, apenas continuou dizendo ao recruta: — Vamos só resolver essa situação, e dar para ela o fim que ela merece.
— Mas o objetivo de hoje não seria capturar o bandido que hoje cedo eu deixara escapar?
— Isso resolvemos outro dia. Agora é sobre o Oficial Daniel, Eternus. É bem mais importante que qualquer ladrão de galinha.
Desabraçando Margareth, que enxugava suas lágrimas, sentou-se sobre a escrivania e disse:
— A missão de hoje vai ser… Extraoficial, digamos assim. Só posso confiar em vocês dois. Por favor, não contem isso para ninguém. Quero que voltem ao local onde o cadáver de Daniel foi encontrado, e procurem saber sobre esse mascarado encapuzado que o mendigo falou. Por favor.
— Pode deixar, sargento. Eu juro que vou fazer esse homem pagar e se arrepender de ter nascido.
— Só peço que tenha prudência em tudo, oficial. E Eternus… Não permita que alguma coisa de mal aconteça à sua mentora.
— Sim, senhor.
— Estão dispensados. Qualquer coisa, me avisem.
A sair do escritório de seu superior, aquele par de policiais se pôs parado à frente da porta que fecharam logo atrás. Apenas contemplavam calado aquela multidão de policiais na sala principal, que entravam e saíam, assinavam e entregavam seus documentos. Já não podiam mais confiar neles, não como se fossem todos traidores, mas sabiam que se uma maçã está podre, é plausível crer que todo o pomar já tenha estragado. “Quem mais dentre esses policias colaborou com a sabotagem? Por quê?”, pensava Margareth, cujo diálogo interno fora interrompido quando lhe passou à frente um trajado e distinguido homem, maior que o próprio robô ao seu lado, que com olhar malicioso encarava a oficial, e disse:
— Que cara de choro é essa, oficial? Tomou outra bronca do chefe, foi?
Margareth lhe devolveu um olhar feroz: era o detetive Alan Field, aquele que fora encarregado de investigar sobre a morte do oficial Daniel. Mas a policial nada pode fazer, nem dizer, senão engolir seco suas palavras. Na verdade, bem quisera lhe acusar diante de todos, mas foi impedida pelo sargento atrás, que, olhando pelas persianas, batucara a janela, chamando-lhe a atenção.
— É hora de irmos, mentora.
— Sim, máquina de guerra. Vamos logo para a “patrulha”.
Dirigiram-se os dois em clima vingativo até a viatura, na qual se assentaram. Ligado o motor, Margareth dirigiu o carro com cuidado pelas ruas, o que foi notado por Eternus, mas não lho quis citar, pois o clima no qual eram envoltos não lho permitia. De fato, não era mais uma “chamada divertida”, nem havia contra quem correr para não ter com quem dividir “a graça”, como a mentora mencionara mais cedo. Era reparar a honra daquele a quem a Oficial mais admirava.
Esta apertava com firmeza o volante em cada curva, com os olhos fixos na estrada, e o coração estabelecido no objetivo daquela patrulha. Aos poucos, as grandes estradas se convertiam em pequenas ruas, e estas ruas, em vias barrentas, afastando-se do grande e paradisíaco centro donde partiam. Perpassando por dentro dos bairros mais pobres, Eternus percebeu um fenômeno interessante:
— Por que as casas se parecem prisões, mentora?
— Ué. Se o bandido tá solto, resta que o cidadão se prenda na própria casa pra não morrer, né?
— E a polícia nada pode fazer a respeito?
— Nada adianta a polícia prender e o juiz soltar. O filho da p#t# do prefeito dessa cidade não vê que o problema é esse. Cara! A p#rr# daquele mendigo passou quase um ano na prisão da delegacia e ninguém podia fazer nada! Ele nem julgado foi direito! Se o processo judicial dessa merda de cidade fosse competente, a gente não teria que fazer uma missão secreta como agora! Esse prefeito só está estragando a polícia com aqueles projetinhos imbecis dele. Até meu sobrinho pensaria em algo melhor pra cá.
— Mentora… Eu sou um dos projetos de segurança pública do prefeito. O projeto do “policial eterno”. O que falas me entristece.
Margareth se sente embaraçada ao perceber o que acabara de dizer, e, tentando emendar-se, diz:
— Digo… Você é um bom projeto sim, apesar dos erros. Quero dizer… Você é o policial robô, né? Não tem nada mais legal que isso, eu acho. Meu irmão gostava de robôs quando era criança.
— É preciso que haja respeito mútuo entre nós, instrutora.
— Tá, já entendi, máquina de guerra.
— E falando em respeito mútuo, não quero que me chames por este apelido.
— A nova geração de policiais é muito vitimista, hein? O Oficial Daniel não permitia coisa assim quando eu era a recruta dele, e…
— Oficial Margareth — interrompeu-a o robô —, eu não sou tu. E tu não és o Oficial Daniel. Nosso relacionamento não precisa ser uma imitação do teu para com ele. Pode ser uma coisa nova. Não acharias bom?
Isso fez calar a instrutora, que, novamente, encheu-se de vergonha. Mas essa vergonha em poucos instantes haveria de converter-se em tristeza, quando, entre lágrimas, desabafou com grande melancolia:
— Eu sinto saudades dele.
— É a segunda vez que choras hoje, mentora. Não era minha intenção fazer-te chorar. Se quiseres, podes tratar-me ao menos hoje como o teu mentor te tratava, se isso te alegrar.
— Não, Eternus… Você está certo. As melhores coisas não são para se repetir. Me desculpa.
— Está tudo bem. Mas peço que tenhas foco na missão, como teu próprio mestre te ensinara.
Margareth acenou em concordância, enquanto enxugava as lágrimas.
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