Capítulo 9: Esgoto.
Após uma longa viagem, no ocaso daquele dia, finalmente chegaram ao local de tratamento de esgoto. O anoitecer coagira àqueles dois a que fechassem a janela da viatura, e a escuridão que os cercava, a ligarem a lâmpada interna do carro, por cuja luz seus rostos se faziam percebidos ao guarda daquela instalação, que se pôs à frente do carro, acenando para que parassem. Impaciente, a Oficial Margareth abaixou o vidro, e, pondo a cabeça para fora, perguntou o motivo de os ter parado, ao que o guarda respondeu dizendo:
— Peço desculpas, oficiais, mas apenas com um mandato os senhores poderiam entrar aqui.
— Como assim um mandato? Não é a casa de ninguém. Viemos aqui para fazer uma investigação.
— É uma rede privada, não uma estatal ou algo do tipo. De acordo com as leis da cidade, não posso permitir a entrada dos senhores sem o mandato. Vão precisar sair.
— Que mentira! Somos policiais, não precisamos…
— Precisamos sim, mentora — interrompeu-a o robô —, infelizmente é lei da cidade, do projeto civil n. 23/450 de 2069, sancionado pelo prefeito Johson Meynard, que proíbe a entrada de policiais em instalações privadas sem razão suficiente ou mandato. Precisamos fazer cumprir a lei.
Margareth volta seu olhar enfurecida ao discípulo, inconformada de que seu próprio recruta a tenha corrigido daquela maneira.
— É melhor ouvir o seu parceiro, oficial. Espera, não é esse aquele policial robô que o prefeito vive falando?
Sem esperar o término da frase do guarda, Margareth engata a ré e desce o carro para o acostamento.
— Você está no lado de quem, robô? Dos corruptos?
— Mentora, meu sistema não me permite ultrapassar a lei. Se assim ocorresse, a Corregedoria logo faria uma denúncia formal da senhora com base na gravação intermitente de meu sistema. Espero que possas entender.
Ouvindo isso, Margareth disferiu agressivamente tapas no volante do carro, por entre reclamações e murmúrios, seja acerca do seu próprio novato, como das leis sancionadas pelo prefeito, para logo em seguida deitar sobre o mesmo volante o seu rosto, pensando no que fazer. “Nossa, essa mulher está enlouquecendo aos poucos com isso. Espero que isso não saia de controle”.
Passados alguns momentos, levantou a cabeça e em dúvida perguntou:
— Tá, a gente não pode entrar na instalação. Mas e no boeiro, tem algo que impeça na p#rr# da lei?
Eternus pesquisou entre as regras civis, e acenou negativamente, em resposta à dúvida.
— Apesar de o tratamento de esgoto pertencer à iniciativa privada, as tubulações mesmas de esgotos, os boeiros, os encanamentos, ainda são de propriedade pública. Portanto, meu sistema não nos proibiria de… Espera. Não pensas, por acaso, de nos metermos encanamento abaixo, sim?
— Olha, agora que você falou, tá aí uma boa ideia.
Margareth desafivela seu cinto, abre a porta da viatura, e vai para o porta-malas do veículo, tomando a escopeta que forçara a que Eternus segurasse mais cedo. Indo para a janela do lado de seu discípulo, cutucou-a com a ponta da sua arma, pedindo para que o robô saísse e a seguisse.
“Céus! E eu pensando que não poderia sujar-me mais ainda este dia. O Doutor Alexander terá um trabalho para limpar-me de toda contaminação. Falando nisso… Espero que esteja bem. Espero poder vê-lo logo ainda hoje”.
Descendo a rua, procuraram por um boeiro, o que não foi difícil, dado que apenas a poucos metros de lá onde se encontravam puderam perceber um. Pondo-se o redor da tampa, perceberam que não poderiam a abrir, pela força e técnica com que fora construída.
— Droga! Geralmente isso aqui sai fácil nos bairros lá da periferia. Mas eu que não vou voltar para lá e andar toda essa distância até aqui. Tem alguma ideia, recruta?
— Caso me permitas, instrutora…
Dito isso, Eternus acenou para que sua mentora se afastasse de lá, e, ajoelhando-se por perto da tampa, desferiu-lhe um poderoso golpe que a distorceu para dentro do buraco que cobria, caindo no fundo do encanamento a que dava passagem. Um fedor insuportável logo tomou conta do ambiente, afugentando violentamente aquele robô de ofato assaz sensível. Margareth, porém, que já estava acostumada com cheiros mais fortes, apenas fez morder a própria boca.
— Pelo menos para destruir patrimônio público você serve.
— A ideia… É que não seria ilegal… Se logo eu consertasse.
— P#rr#, o cheiro tá tão ruim assim para quase nem conseguir respirar? Você não tem tipo um mecanismo de supressão nasal ou algo do tipo?
— Tenho sim, senhora. Agradeço por lembrar.
— Você tem mesmo? Tava só brincando. Mas se você tem, usa.
“Que inveja, queria ter um do tipo agora”.
Margareth aproximou-se do buraco aberto e ligou a lanterna sobre ele. A luz mal conseguia atingir o chão do esgoto, tão espessas que eram as sujeitas que carregavam, ou profunda a base daquela tubulação. De fato, demorou por algum tempo ainda até ouvirem o som daquela tampa atingindo o chão. Pondo-se ao lado, Eternus utilizou de sua visão para calcular a distância do solo até a base o encanamento.
— Pelo que eu vejo, a altura daqui abaixo é por volta de… Catorze metros. Muito perigoso para um ser humano, instrutora. Não achas melhor que encontremos outro caminho?
— Ora, você vai se espatifar no chão se cair lá?
— Não, pois sou resistentíssimo a todo tipo de dano, sobretudo de queda. Tu, porém, não és.
— Ué, cai lá dentro e vê se tem algo para amortecer minha queda, ou uma coisa, sei lá. Qualquer coisa você me segura, né? — Assim disse, rindo ao fim.
“Está muito escuro para que daqui de cima eu veja onde seria bom para cair. Mas acima de tudo preciso obedecer minha mentora. Como quer que seja… Eis que me venho”.
Eternus primeiro se assentou à borda daquele buraco, e então se jogou de lá de cima. Um frio tomou conta de sua barriga, quase como por um medo instintivo de se machucar. Mas não se machucou: caíra em segurança sobre um pequeno córrego de nojeiras que lhe amortecera a queda. “Que terror. Não sei como esse dia pode ainda piorar”, pensou consigo, percebendo as impurezas pelas quais estava rodeado.
— Está tudo bem aí embaixo, se machucou?
— Não me machuquei, instrutora. Mas posso dizer-te que descobri algo pior do que a prisão da delegacia.
— Deixa de frescura e vê logo se tem algo para aparar minha queda.
Eternus acendeu todas as lâmpadas de seu corpo, para combater o máximo possível as trevas que o sufocavam lá de baixo. Irradiava luz branca de seus olhos e do centro de seu peito, e por de cima dos ombros, o policial azul e vermelho, que intercambiavam entre si as suas cores. Olhando ao redor, nada pode encontrar, senão pilhas de certas drogas, roupas, fezes, ratos e tudo o mais quanto pudera afligir ao delicado robô.
Frustrado, Eternus apenas disse:
— Acho que terás de pular sobre meus braços. Cá debaixo amortecerei tua queda, toma cuidado.
— Vamos logo com isso.
Imediatamente o robô se pôs em posição e, abrindo os braços, esperava a oficial tomar coragem para cair. Muito mais do que ela, era Eternus quem temia que algum mal acontecesse. Não queria que mais outro Oficial se ferisse em ocasião daquela instalação de esgoto. Mas sem temor Margareth se jogou de cima, e Eternus a segurou em seus braços num movimento elástico para suspender a energia do impacto.
— Machucaste-te?
— Não, obrigada. Agora me põe no chão, robô — e assim o robô fez.
Pisando no chão, pôde sentir, através de seu coturno, o lugar maldito em que se encontrara. Apenas pensava consigo: “Agora entendo por que os detetives não quiseram vir para cá. Mas são uns frouxos, mesmo assim!”
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