Capítulo 7: Interrogatório.
— “Mentor”? Então quer dizer que…
— Sim, Eternus… Daniel foi o meu instrutor quando eu era novata.
— O que aconteceu com ele?
Pesou-se o olhar da Oficial Margareth ao ouvir a pergunta, para cuja resposta tinha de revirar na arca de seu coração muitas memórias, das quais umas traziam alegria, e outras, tristezas. E após um momento de silêncio, a oficial respondeu:
— Olha, ninguém sabe muito bem o que aconteceu. Ele de repente um dia saiu de casa, e no outro dia foi encontrado…
— Encontrado como?
Margareth olhou para a foto de seu antigo instrutor colado naquele moral, e, dele aproximando-se, apoiou-lhe carinhosamente sua mão, para então dizer, novamente após um momento de silêncio:
— Caído, no fim de um encanamento de esgoto, cheio de perfurações de balas. Ninguém sabe quem matou ele.
— E não houve nenhum suspeito? Nenhuma evidência?
— Ah… Olha, tinha um suspeito sim, e, inclusive, ele tá preso aqui mesmo, lá embaixo, esperando julgamento pra ver se pega uma condicional ou vai direto para a cadeia. Mas, não sei como, o julgamento é sempre adiado. Os advogados dele são muito bons, infelizmente.
— Mas por que o prenderam? Que pista vos levou a ele?
— Bem, o oficial Daniel foi encontrado sem as botas, descalço, apesar de estar vestido com todo o uniforme. E um pouco longe de onde ele foi encontrado, a equipe conseguiu averiguar uma trilha de pegadas com a bota de Daniel, que levavam a um ambiente vigiado por câmera, e uma das câmeras conseguiu captar as imagens de Roger Mendez, um mendigo da região. E por ele estar usando parte do uniforme de um policial encontrado morto, foi ligado diretamente ao crime, e aí nós o prendemos.
— Mas como é possível que um mendigo tenha advogados tão bons?
— Tá aí um outro mistério.
— Há algo muito de errado nisso.
— Sim, robô. Mas a investigação não é nossa. Nossa missão agora é ir atrás do ladrão que você deixou escapar hoje cedo.
Margareth se afastou com reverência do quadro de seu mentor para logo então virar-se rumo à garagem. No entanto, foi impedida de progredir, sendo segurada em seu braço por Eternus, que, mantendo sua visão ainda fixa no altar, lhe disse:
— Mentora, sei que eu errei hoje cedo por ter deixado aquele bandido escapar. No entanto, eu sinto dentro de mim que o mais correto a se fazer é darmos prosseguimento a esta investigação relativa ao Oficial Daniel.
— Ô máquina de guerra, eu já não disse que esse negócio não é nosso?
— Respeitosamente, senhora, não me parecia um mendigo aquela misteriosa figura que, em minhas visões, matou-me, chamando-me de “Daniel”.
“Verdade! Ele tinha citado sobre ter tido uma visão quando estávamos no carro”, pensou Margareth, que a Eternus dirigiu sua dúvida dizendo:
— O que você quer dizer?
— Eu quero dizer que deveríamos interrogar o suspeito, a fim de que nos diga a respeito sobre um certo alguém de rosto deformado, que talvez ele conheça.
— Ah, esse cara é um pé no saco. Vai dar um problemão se você fizer algo errado, que irrite ele. Ele vai dizer que “está atentando contra os direitos” dele.
— Posso garantir, instrutora, que a perfeição das leis me abraça, de modo que não possa agir contra os direitos de qualquer cidadão, esteja livre ou solto. Se este suspeito levantar qualquer denúncia contra nós, tenho a fé pública diante do Estado. Novamente, peço que me conduzas a este que dizes ser suspeito, e interroguemo-lo acerca desse homem sem rosto que eu vi. Não precisas participar, caso não queiras. Mas sem tua permissão, não serei possibilitado disso.
Suspirando, Margareth cedeu, dizendo:
— Tá bom, robô… Mas se isso não der em nada, vai ser advertido com o sargento, entendido? Não quero que isso se repita. Mas… Você pode me contar mais sobre essas visões que você teve enquanto vamos até lá?
— Sim, senhora.
Margareth foi à dianteira, seguida por Eternus, quando, pegando a escada à esquerda da sala, desceu para o andar abaixo, no qual se encontrava uma fileira de celas, uma ao lado da outra. A primeira coisa que qualquer um poderia perceber quando entrava naquele ambiente era o cheiro podre que emanava do chão, que não conhecia um pano limpo há meses. Também se podia ver que as paredes estavam com a pintura descascada, revelando por debaixo de si o reboco e os tijolos mal alocados. As grades da cela também estavam muito enferrujadas, corroídas pelo tempo e falta de manutenção. Surpresa admirável para o robô, que pensava consigo: “Sinto-me sujo só de estar neste ambiente. Procurarei apressar-me, para que não haja risco de me sujar também”.
Caminharam com autoridade até o fim do corredor. A oficial marchava, cada passo sendo na intenção de fazer sua presença conhecida, e, de fato, os presidiários a conheciam bem. Alguns a observavam por detrás das barras que os prendiam, já outros descarregavam sobre ela os mais impuros assédios: ela, porém, com nenhum deles se importava.
Seguida por Eternus, este analisava as feições de cada um dos presidiários: uns foram presos por assalto à mão armada, por sequestro, por assassinato. A iniquidade transbordava de seus olhares, mais cadavéricos do que de fato vivos, pois davam a conhecer um corpo desalmado. De fato, nenhum deles era inocente de qualquer sangue derramado.
Dirigiram-se até a última cela, na parte mais escura do corredor, iluminada apenas pela piscação duma lâmpada com mal contato, cujos raios de luz, atravessando as barras de metal, atingiam os pés sujos do prisioneiro, o qual se encontrava dormindo à presença dos dois policiais, mas cujo rosto não se fazia visível a Eternus. Para acordá-lo, Margareth apanhou seu cassetete e bateu com força por entre barras de metal, resultando em que o mendigo pulasse de susto, e logo se fizesse em pé.
— Mas que merda! Não tá vendo que eu tava no meu sono de beleza! Um rosto bonito como o meu precisa de muitos cuidados.
Seu rosto, contudo, não era bonito: era de um velho barbudo e beberrão, com nariz adunco, orelhas caídas e olhos de vista forçada. Não era, para Eternus, nem um pouco parecido com aquele rosto deficiente e queimado que lhe fora revelado em suas visões. A face deste velho bebum causava um profundo nojo no delicado robô, mas não o ódio que sentia como naqueloutro caso.
— Falem logo o que vocês dois querem… Espera, quem que é esse aí?
— Este é o oficial Eternus, o tal do “policial robô”. Ele quer fazer umas perguntas para você.
— Uh! Nossa, que chique! Vou ser entrevistado por um robô. A última vez que isso aconteceu comigo foi na década de…
— Roger, peço que respondas ao que eu te questionarei — assim disse Eternus enquanto tomava a frente — o que fazias no dia em que o corpo do Oficial Daniel foi encontrado?
— Ah, pronto! Isso de novo! Já não respondi isso umas mil vezes já?
— Responde a pergunta, seu velho bêbado f#d#d# de merda — ordenou a mentora, irritada.
— Eu não vou responder nada não para uma lataria dessas, não. Boa noite! Eu sei os meus direitos.
— Tudo bem. Não precisas responder-me nada. Preciso apenas averiguar uma coisinha, olhando para ti…
Eternus, então, abriu lentamente as divisórias que cortavam o seu rosto, revelando por debaixo de sua face angelical um crânio de metal e vidro. Aquele mendigo caiu por terra, assustado diante daquela visão aterradora: de prateados, converteram-se em vermelhos os olhos do policial robô. Na ausência de lábios, os metálicos dentes de Eternus se mostravam como uma matilha de lobos reunidas para devorar a presa caçada. A espinha do mendigo gelou quando também uma voz feminina e robótica emanava do aparelho de som acoplado ao peito do robô, o qual bradava: “modo de interrogação ativado”. Mas o que mais assombrou a Roger foi a visão da testa do robô, que revelada por dentro daquela crânio um cérebro vivo, que transparecia por entre a fronte do robô um lento pulsar.
— Ai!, ai!, ai! O que é isso? Ai! Tira essa coisa de perto de mim! Ai!, Ai.
— Não tenhas medo. Eis que apenas revelo quem eu sou, para que me digas sem nada esconder a verdade que procuro. E peço que não mintas, pois eu saberei, Roger. Consigo ver o teu coração palpitar rapidamente, e cada músculo facial teu se contrair em medo. Meu sistema me dirá se mentires para mim. Assim sendo, quero que me digas: foste tu quem mataste o Oficial Daniel?
— Não! Não fui eu! Eu juro!
— E as botas que carregavas contigo, eram do Oficial Daniel?
— Ai!, sim! Eram sim! Eu já disse pros detetives, cara!
— Saberás, então, dizer-me alguém que careça de rosto, tendo a face destruída, como num incêndio ou algo parecido? Conheces alguém parecido com isso?
— Não, cara!
— Mentira detectada — bradou o dispositivo.
Impaciente, Eternus atracou a uma das barras de ferro que o separavam de Roger, e entortou-a, para que, passando por através, pudesse se aproximar deste, o qual estava jogado no chão, tremendo de medo. Eternus ajoelhou-se bem próximo do rosto do medroso mendigo, mas sem ainda nele encostar.
— Por que mentiste para mim? Quem é esse homem, que tu conheces?
— Ai cara, eu não posso contar!
— Se não o quê?
— Senão ele vai me matar! Ele vai saber!
Eternus olhou para o chão, suspirando, refletindo consigo mesmo se valia a pena arriscar a vida daquele pobre mendigo apenas para obter respostas. Por feio e nojento que fosse.
Margareth, vendo que seu discípulo estava sem saber o que fazer, foi adiante e, mantendo-se ainda atrás do Eternus, disse, por cima dele, ao miserável caído.
— Ei, prometo que se você contar para gente, nós dois vamos proteger você. Olha só, não tá vendo que o robô aqui é casca grossa? Se derem um tiro de escopeta na cabeça dele, ele não sente nada. Ele vai proteger você, eu prometo. E se a gente tiver certeza de quem foi que matou o Oficial Daniel, podemos fazer um acordo com a promotoria para liberar você, e, se possível, com o programa de proteção à testemunha. Acho que você sabe como funciona. Vida nova, casa nova, carro novo, um lugar novo para viver. É o seu tíquete de loteria para uma vida melhor.
Roger olhou para o rosto sereno da policial, e pensou por um momento: “Ei, verdade! Aí eu vou poder me livrar desses caras! Vou poder me livrar do vício na bebida. Talvez até mesmo dar uma vida decente pros meus filhos!”.
— Promete mesmo?
— Sim.
O mendigo, levantando-se, pôs-se a sentar à cama de pedra ao seu lado, e, tomando fôlego, disse:
— Olha, lá para dentro do cano, tem um reservatório, certo? Eu não sei como, mas lá dentro tem tipo uma máfia, uma facção, uma quadrilha, sei lá, e o chefe dessa máfia é um cara que se veste de preto e usa máscara o tempo todo. Os capangas dele às vezes cobram tipo uns impostos dos mendigos da região, tipo eu. Só que um dia ele me ofereceu uma quantia de dinheiro para pegar as botas de um policial aí e levar para bem longe. Era o Daniel. Eu tava quebrado, cara, eu tava na merda, devendo os cara… Aí eu só aceitei, sem pensar. Agora eu tô aqui na situação.
— E os advogados? É ele que paga, então? — Perguntou Eternus.
— Sim, não sei por quê.
— Qual o nome dele? Tu sabes?
— Olha, eu não sei o nome completo, mas quando eu tava lá por perto, eu ouvi um dos capangas chamar ele de…
— De o quê?
— Roger? Tá tudo bem?
— Ele está pálido. O que aconteceu? Roger, consegues dizer? Estás bem?
— Eu… Eu…
O mendigo se esforçava por iniciar a frase. Seu rosto estava travado, como se todos os músculos se contraíssem ao mesmo tempo. Subitamente, o mendigo caiu no chão, bradando um grito agudo de dor antes de oferecer seu último suspiro.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.