Capítulo 2: Primeiras experiências.
— Hoje é o grande dia, Eternus — foi a voz que pôs fim à introspecção em que estava mergulhado. Olhando para trás, deparou-se com o Dr. Alexander, seu criador, quase camuflado com a luz ambiente que invadia aquela sala, que, de tão iluminada que era, tornava difícil que nela se enxergasse qualquer coisa. Por esta razão, o doutor se utilizava de um óculos escuro sempre que ascendia àquele último andar para poder trocar colóquios com sua criação.
— Poderei finalmente descer, Criador, e tocar o chão?
— Sim, e ainda hoje será apresentado à corporação policial — disse isso enquanto se aproximava a passos vagarosos de seu robô. — Creio que seja um dia muito especial para você, querido Eternus.
Sim, era sim para ele um dia especial. “Pela primeira vez poderei ver como é lá em baixo, ver o que existe abaixo das nuvens”, pensava consigo, pelo que soltou um tímido sorriso o qual procurava esconder consigo mesmo. “Como são as pessoas de lá? Será que terão medo de mim? O que pensarão sobre mim?”. Apesar de ser uma mera máquina, sentia consigo um medo, pois a depender do que achassem dele ou não, seria uma construção inútil.
— Eternus, no que está pensando? Venha logo.
— Ah, mil perdões, Criador. — Dito isso, caminhou em direção ao doutor, preenchendo a sala com o som mecânico das suas articulações.
Estando já próximo, Dr. Alexander, que era menor que seu robô, esticava-se, esforçando-se para tocar o rosto de Eternus, ao que, percebendo sua intenção, inclinou-se-lhe um pouco. Vendo-o mais de perto, o Criador acariciou-lhe o rosto, e, com um grande sorriso, disse:
— Como quer que pensem de você, você ainda é um orgulho para mim, pois foi a minha maior criação.
Estas palavras foram com um alívio para o robótico coração de Eternus, que, apesar disso, não esboçou uma reação, mas encarava reverentemente o velho rosto de seu Criador, o qual pegou em suas mãos e guiou-o até o elevador.
O elevador possuía uma vidraça às suas costas, o que permitia ver os outros prédios ao redor. Fechadas às portas atrás, o robô aproximou-se da janela para ver mais de perto a sua própria descida. Guardaria essa memória para sempre no seu coração, para jamais se esquecer.
Em decida, passadas as nuvens, as quais por momento lhes fizeram sombra, o solo foi pela primeira vez revelado ao robô, ao que levantou as sobrancelhas como em surpresa. Não era uma surpresa para o velho, mas uma nova experiência para Eternus, que se inclinava o máximo possível para ver, ainda lá de cima, a avenida cheia de carros de cores pálidas, as calçadas cinzas, o resplandecer dos prédios sobre o chão, e reflexão de sua luz sobre o ambiente, a qual esbranquecia tudo ao redor. Via como formiguinhas os poucos pedestres lá de cima, e pensava consigo: “Então é assim o mundo abaixo?”.
Chegado no térreo, o Dr. Alexander, ainda segurando a mão de sua criação, trouxe-lhe, ao ritmo de seu senil passo, para a entrada principal do prédio. O salão não estava cheio, apenas alguns rostos familiares caminhavam dali para lá, alguns acenando a Eternus, que era como uma celebridade na própria corporação. De fato, aquele era um dia devagar para todos.
Aberta a porta principal, o robô deu seu primeiro passo para fora. Ele, que antes olhava tudo lá do alto, só então percebeu quão realmente grandes eram os prédios que contemplava acima das nuvens. Diante da altura dos edifícios, sentiu-se pela primeira vez pequeno, quase oprimido, como se os prédios fossem cair sobre ele: uma ansiedade tomou-lhe o peito, fazendo-o quase cair por terra.
Descendo os olhos, seguia com sua visão a Avenida, observando os carros passando, todos com as janelas fumê fechadas. Um, que passou com grande velocidade, trouxe consigo uma forte ventania que veio a tocar o rosto de Eternus, para o qual elevou a mão, sentindo pela primeira vez o toque do vento: “é como a carícia que o Criador me fez em meu rosto lá em cima”.
— Como se sente, Eternus?
O robô quis abrir a boca para falar, mas nenhum som saia. Seu banco de palavras não conseguia encontrar um vocábulo para definir a profundidade daquela sensação. Por isso, apenas respondeu dizendo:
— Uma experiência indescritível, Criador. Que nome dás a isso?
— Isso eu chamo de viver, filho. Viver é experienciar sempre coisas novas. Quem fica preso à mesma coisa sempre, está como que morto.
Com isso, Eternus, fechando os olhos, concentrando-se em si mesmo, atualizou seu banco de palavras, aprofundando o significado da palavra “vida”.
Foi logo, porém, retirado de seu próprio mergulho interior, quando, puxada sua mão pelo seu criador, foi levado a caminhar junto a este a descer aquela larga avenida.
— A corporação policial está logo abaixo. E embora pudéssemos ir de carro, sei que você se maravilharia muito mais caso fôssemos a pé. Aproveite esse momento, filho.
E ele não estava errado. Calado e respeitosamente seguiu o doutor. Tendo-o como guia, não temia tropeçar enquanto olhava para cima, observando as janelas, os reflexos, os escritórios dos outros prédios, acostumando-se com a sua altura. Aos poucos também descia seus olhos, para olhar para frente, pois não queria perder nenhuma dessas novas coisas.
Ao seu lado, via os pequenos varejos que se sucediam um ao outro, padarias, cafeterias, seguindo todos o mesmo padrão estético exterior, ainda que variassem por dentro.
Enquanto caminhava por aquela larga calçada, alguns paravam seus afazeres para observarem aquela curiosa cena, de um robô sendo carregado por um corcunda senhor. Uns apenas o olhavam de longe, outros, sacavam seus celulares para gravarem o acontecimento. Temiam aproximar-se dele, tanto por verdadeiro medo, quanto por reverência, pois pensavam consigo: “Quem é este que passa entre nós, com rosto de anjo, mas corpo de máquina?”. Eternus, por sua vez, se intimidava de olhá-los olho a olho, desviando-lhes a visão, por mais que também os quisesse ver. “Seria um desrespeito encará-los, pois são maiores do que eu”.
— Do que você tem medo, Eternus? — O velho perguntou-lhe, percebendo sua timidez.
— Não estou acostumado com esse novo convívio, Criador.
— Nem eles com você, Eternus, mas é um temor mesclado com admiração, pois você é uma obra de arte, uma escultura viva. Ainda assim, se esforce para causar uma boa impressão, tudo bem? A primeira impressão define a pessoa para sempre.
— Nova diretriz adicionada com sucesso — respondeu roboticamente. — Não me esquecerei disso.
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