O sol brilhava intensamente com todo o seu esplendor cruel. Seu brilho irradiava por todo o distrito de Nova Osíris; os prédios, como colossos feitos de cimento, eram banhados pelo calor celestial da grande estrela.

    Uma velha e bela mansão repousava em um lugar afastado da cidade, no meio de uma floresta verdejante e cheia de vida — como se seus antigos donos não quisessem ninguém por perto.

    Atrás da velha mansão, havia um jardim profanamente belo.

    Este jardim já fora ainda mais magnífico, um retrato vivo da perfeição. Mas agora, era como o coração pecaminoso de um demônio.

    As flores, que outrora exalavam alegria e vivacidade, jaziam mortas — ensanguentadas, pisoteadas.

    As imensas e imponentes árvores, cujos galhos lembravam os braços poderosos do mais bravo guerreiro, e cujas folhas verdes brilhavam como o cabelo da mais bela dama, agora pareciam o corpo de um velho raquítico. Seus galhos estavam retorcidos e sem vida, e as folhas haviam desaparecido, como se levadas por um vento diabólico.

    No centro do jardim maculado, jazia um lago de um verde escuro e gosmento — como se o belo tom azul-marinho de outrora tivesse sido intoxicado por uma doença maldita.

    Aquele jardim, outrora maravilhosamente belo, agora jazia profanamente obstruído por um ritual macabro.

    Um ritual sangrento corrompia o solo como o toque do mais profano dos demônios.

    No centro do jardim, desenhado com sangue seco e escuro, havia um pentagrama de cinco pontas. Ao redor de cada extremidade da estrela, um círculo havia sido traçado com precisão cruel, e dentro de cada círculo, uma vela ardia com uma chama que não tremulava com o vento — como se o próprio ar temesse tocá-la.

    Próximo a cada vela, algo estava escrito. Palavras que não pertenciam a nenhum idioma conhecido. Eram símbolos e traços indescritíveis, impronunciáveis — uma escrita profana que feria a mente apenas por tentar compreendê-la. Era difícil lê-la, impossível pronunciá-la, e perturbador até mesmo ao tentar reproduzi-la com gestos.

    No centro do pentagrama jazia o cadáver de uma bela mulher de cabelos loiros encaracolados. Seu pulso estava cortado, sua garganta dilacerada, e sua nuca, esmagada com brutalidade. Ainda que fizesse pouco menos de vinte e quatro horas desde que fora vítima do ritual, vermes já devoravam seu corpo como feras famintas por restos humanos, como se até a natureza tivesse pressa em consumir o que restava de sua beleza profanada.

    Então, como um contraste quase poético àquele cenário de horror absoluto, um rangido ecoou pelo ambiente. As portas da mansão, que levavam ao jardim, se abriram lentamente, soltando um som arrastado e seco — como o suspiro de um túmulo esquecido.

    E de lá, atravessando os portões do inferno, surgiu uma jovem de beleza maravilhosamente hipnótica.

    Sua pele era branca como a polpa da oliva. Ela possuía longos cabelos cacheados, de um ruivo intenso como lava fervente. Vestia um casaco preto repleto de bolsos, sobre uma blusa social apertada, e uma calça escura que acentuava ainda mais suas curvas enfeitiçadoras.

    Mas o mais marcante eram seus olhos — azuis, tão profundos quanto o planeta Netuno. Carregavam uma sensação de beleza, tranquilidade e perfeição quase sobrenaturais.

    E, ainda assim, era o olho direito que mais chamava atenção.

    Gravado dentro de sua íris, havia um símbolo negro e enigmático.

    A figura lembrava uma criatura de quatro braços estendidos. Em cada mão, um círculo — como olhos observando silenciosamente. No centro, outro círculo formava a cabeça, e acima dela erguiam-se três chifres finos, curvados, como uma coroa profana.

    Ela caminhava graciosamente pelo jardim magistralmente profanado. Cada passo que dava parecia restaurar, ainda que por breves segundos, a glória outrora perdida daquele lugar.

    Seus olhos azul-Netuno vasculhavam o ambiente, analisando tudo, até pararem sobre o ritual sangrento.

    — Merda… — murmurou ela.

    Aproximou-se do centro do ritual. Curvou-se levemente, juntando as palmas das mãos junto ao peito, em sinal de respeito à falecida.

    Depois, dirigiu-se às inscrições feitas em sangue. Franziu a testa e inspirou profundamente. Retirou um bloco de notas de um dos bolsos do casaco e, com certo esforço, começou a copiar cuidadosamente os símbolos profanos.

    Ao virar a página, anotou novamente com calma. Nela já estava escrito:

    “Ó, Helgi Asmodeus, faðir náttmyrkurs, hinn fyrsti máni-geðveiki, bylgjur óteljandi, silfrað auga, sævarfaðir, ek bið þik, ek blóta þér, tak minn blóð — lát hann verða þinn, tak þessa hreinu sál — hún er þín.”

    As mesmas palavras escritas no ritual. Virou mais uma página. Lá estavam elas de novo.

    — Um padrão…

    Respirou fundo, suspirou, e então pegou o telefone de outro bolso do casaco. Discou um número.

    Prrii… Prrii… Prrii…

    Após alguns segundos, a ligação foi atendida. Do outro lado, uma voz grave, arrastada, falha e rouca — e ainda assim suave, como veludo encharcado de veneno.

    — Como está, jovem Marie?

    — Encontrei um padrão, senhor — disse ela com respeito, sua voz calma, firme. — As inscrições são as mesmas. O símbolo é o mesmo… até o lugar é parecido.

    — O lugar? Como assim? — A voz indagou com um tom de quem já sabia a resposta.

    Ela olhou novamente ao redor do jardim antes de responder.

    — Em minhas investigações nos outros dois locais, disseram que os ambientes eram belos. Extremamente puros… como um virgem.

    Ela fez uma pausa.

    — Creio que, se eu fizer as mesmas perguntas sobre este lugar, ouvirei as mesmas respostas.

    — Mas não é só isso. — Acrescentou rapidamente, antes que seu superior pudesse interromper.

    Ela se afastou do sacrifício com leveza, e mais uma vez se curvou respeitosamente diante da falecida.

    — Os dois sacrifícios anteriores… todos eles eram virgens.

    — Virgens? — A voz repetiu, sem surpresa, como quem já havia chegado à mesma conclusão.

    — Layla Dubois e Lucas Nazari. Todos tinham isso em comum. Eram virgens. E creio que esta mulher também seja…

    — E como você descobriu isso? — perguntou seu superior, em tom de brincadeira maliciosa.

    O rosto dela ficou vermelho — da mesma cor flamejante de seus cachos ruivos.

    — V-vai estar tudo no relatório!

    A risada que veio do outro lado foi quase demoníaca — ecoou por dois minutos inteiros, descontrolada, escura e divertida.

    “Eu não aguento esse cara…” pensou ela, impaciente, mordendo levemente o lábio.

    — Então temos algumas variáveis, Marie — disse ele, recuperando o fôlego. — Pode ser algum tipo de ritual de avanço. Ou alguém tentando expandir seu domínio. Talvez um lunático testando a eficácia do rito…

    Ele fez uma breve pausa. E então sua voz desceu, se tornando um sussurro carregado de trevas.

    — …ou é um culto. Um culto louvando uma divindade maligna.


    Um jovem de curtos cabelos crespos, negros como ônix, caminhava sob o peso de uma mochila enorme e pesada. Seus olhos verdes brilhavam como esmeraldas, e sua pele de ébano parecia esculpida, banhada por músculos tonificados. Vestia uma simples camisa preta e uma calça cinza igualmente modesta.

    Ele andava entre os imensos colossos de cimento do distrito de Nefaja. O sol cruel estava prestes a ceder lugar ao seu irmão menor, o prateado luar.

    Ao seu lado, caminhava um homem de meia-idade, bem alto, de cabelos loiros curtos. Vestia um casaco preto cheio de bolsos, e seus olhos eram completamente brancos — como se não tivesse íris alguma, apenas um vazio opaco e inquietante.

    Viraram uma esquina, e Laab sentiu o cheiro forte de álcool penetrar suas narinas. À frente, um letreiro cintilante exibia o nome em néon oscilante: Bar Olho de Gárgula.

    — É aqui. — disse Beelzebuth, apontando para a entrada.

    O lugar era pequeno, com iluminação fraca e mesas de madeira desgastadas. Garrafas alinhadas atrás do balcão refletiam o brilho amarelado dos lustres antigos. Risadas abafadas, conversas dispersas e uma música ambiente se entrelaçavam, criando um clima paradoxalmente acolhedor e decadente.

    Beelzebuth avistou alguém e seguiu em sua direção, firme.

    Sentado a uma mesa, estava um jovem aparentemente da mesma idade de laab com cabelos castanhos desgrenhados e olhos âmbar, carregando no rosto uma expressão marcada por apreensão. Era um pouco mais alto que Laab, e sua postura era tão perfeitamente ereta que parecia desconfortável.

    Vestia uma camisa cinza e calças pretas. Quando viu Beelzebuth se aproximar, lançou-lhe um olhar confuso — uma mescla de reverência, nojo e medo.

    Bem diferente do olhar que Laab lançava ao desconhecido: puro desdém, envolto em um nojo quase primitivo.

    — Este é Jito Valtross. — Beelzebuth o apresentou com um gesto quase teatral. — Jito, este é Laab.

    ‘Família Valtross? O que ele tá fazendo com o Beelzebuth?’

    Jito desviou os olhos de Beelzebuth e sorriu para Laab.

    — Prazer em conhecê-lo.

    — O prazer é meu.

    Os três se sentaram, e Beelzebuth chamou o garçom com um estalar de dedos.

    — Três Infernos Azuis.

    — Eu não bebo. — Jito e Laab disseram em uníssono, trocando um olhar surpreso logo em seguida.

    O garçom hesitou, aguardando.

    Beelzebuth os encarou. Seu sorriso sumiu por um instante — apenas por um —, depois retornou, ainda mais afiado.

    — Então… três Infernos Gelados.

    O garçom assentiu e foi preparar o pedido.

    Laab e Jito suspiraram longamente.

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