Capítulo 14- No meio da noite
Laab pulou na cama. Ele estava pálido como se tivesse visto o maior horror de toda a sua vida. Sua camisa estava encharcada de suor, parecendo que ele havia corrido uma maratona. Seus olhos verdes-esmeralda estavam marejados por lágrimas involuntárias.
“De novo…”
Mais uma vez, sonhou com Omar, mas dessa vez pareceu diferente. Não era um pesadelo comum criado pelas corujas cósmicas do Tecelão dos Sonhos, era mais vívido, mais real — mais real do que nunca, como se fosse uma premonição.
“Em meu sonho, eu estava em um campo florido cheio de lírios-da-aranha-vermelha. Elas tinham um cheiro calmante e traziam serenidade… era como um túmulo… nesse campo havia muitos corpos de pessoas dormindo… muitas eram humanas, mas a vasta maioria era de seres humanóides parecidos com humanos, mas… não eram humanos” — Laab tentava encontrar um significado para seu sonho, mas ele não era um médium nem um entusiasta do misticismo, então apenas tentou organizar o sonho para poder se lembrar dele.
Laab abriu a porta de seu quarto e sentiu o vento gélido da noite em seu rosto. Ele ficou na varanda, em frente ao quarto, tomando um pouco de ar.
“Isso nem mesmo é o fim do sonho…”
No sonho, Laab tinha avistado Omar.
Quando viu Ele — seu colega, seu melhor amigo, seu irmão, seu irmão que há muito havia falecido por sua fraqueza imunda — sentiu um desprezo profundo de si mesmo, um desprezo que há muito não sentia.
Fazia anos que Laab já não desprezava sua força. Agora ele sabia. Ele era forte. Mas sempre que se lembrava dele, fraquejava. Sentia-se fraco. Fraco demais para realizar qualquer coisa.
Então, sucumbiu aos sussurros mortificantes de sua mente e decidiu dar um basta em tudo aquilo, para finalmente realizar seu sonho.
Ele se aproximou do jovem de pele bem escura e longos cabelos crespos, que vestia a mesma roupa do dia em que havia sido morto. Sentiu um desprezo profundo de si mesmo pelo que estava prestes a fazer.
Mas ele não aguentava mais lembrar dele.
— Você sabe o que fazer, não é? — Havia outro Laab ao seu lado, idêntico ao original, mas com uma presença totalmente diferente. Ele parecia mais… mais silencioso.
— Sim. — Laab respondeu secamente.
Então, ajoelhou-se ao lado de seu irmão.
— Adeus… adeus, Omar.
Nesse momento, pousou a mão sobre a boca de Omar.
“Foi aí que eu acordei… mas o que isso significava?”
“Realmente parecia ser uma premonição do futuro… mas onde eu estava? Reino dos mortos? Como nos contos mitológicos do mundo antigo, como o Tártaro, Helheim ou Duat? Faz sentido ser algum tipo de reino onde os mortos descansam, já que havia muitos corpos dormindo — aparentemente de pessoas já falecidas… mas como eu cheguei lá?” — Laab novamente se encheu de perguntas.
“Hehe, parece que no futuro eu descobri a verdade sobre o final da vida…” — pensou ironicamente.
— Por que está acordado? — Laab ouviu uma voz baixa e levemente melancólica.
Ele virou o rosto e viu um jovem de cabelos castanhos desgrenhados, que balançavam ao vento gélido da noite. Seus olhos âmbar, um pouco caídos por ter acordado no meio da noite, combinavam com a postura extremamente reta — como se curvá-la fosse um pecado.
— Perdi o sono — respondeu Laab, sem hesitar. Ele colocou seus pensamentos sobre o sonho no fundo da mente.
Jito estava a cerca de dois metros de distância. Parou e se apoiou na grade da varanda.
Aparentemente, também havia tido um pesadelo — estava pálido, suando frio e respirava profundamente.
O silêncio que se seguiu foi ligeiramente constrangedor. Laab sentia que Jito queria lhe perguntar algo, mas hesitava.
Laab também queria fazer perguntas. Tinha vontade de dizer: “Como conheceu Beelzebuth?” ou “Por que seu sonho é ser livre?”
Mas, no fim, escolheu algo mais neutro:
— Qual é o seu grau? E suas habilidades?
Achava que essa pergunta não invadiria a privacidade dele. Além disso, ajudaria a quebrar o clima tenso — e seria útil.
Afinal, eles viajariam juntos a partir dali. Saber do que cada um era capaz poderia ser decisivo diante dos perigos que viriam.
Jito virou-se para Laab, pausou por um curto momento e então disse:
— Eu sou um serafim. Não recebi nenhum tipo de treinamento de combate ou algo assim… mas eu tenho isso. — Ele se colocou de frente para Laab, num gesto sutil que o convidava a fazer o mesmo.
Então puxou a manga da camisa, revelando algo que fez Laab franzir o cenho.
Em seu pulso havia um tipo de bracelete de grama, que ia do começo da palma até metade do antebraço. O bracelete parecia se enroscar e grudar na pele de Jito como se nunca mais fosse se soltar.
Então ele se concentrou no bracelete e algo inesperado aconteceu.
O bracelete se desprendeu do antebraço dele e se moldou em um sabre feito de grama em sua mão. O sabre era verde-esmeralda, parecia extremamente flexível, mas ao mesmo tempo resistente como aço — e tinha uma presença incomum de perfeição.
“Os antigos eram realmente criativos… parece coisa de desenho animado.” — Laab olhava para o sabre feito de grama com curiosidade e fascínio.
— O nome dela é Demônio de Grama… seu encantamento é ser praticamente indestrutível e restaurável, além de poder cortar qualquer coisa, apenas dependendo da divindade do usuário. Seu defeito é que faz o usuário querer sempre a perfeição, além de estar agora ligada a mim pela eternidade.
— Como assim? Querer sempre a perfeição? — Laab perguntou, levantando uma sobrancelha enquanto estralava o dedo onde ficava o anel sombrio.
— Bem… eu também não entendi muito bem… — Jito se concentrou novamente no sabre de grama, o transformando novamente em um bracelete de grama. — Foi Beelzebuth que me deu.
“Faz sentido.”— Laab deu de ombros.
— E você? O que tem? — Jito perguntou, voltando os olhos para Laab com leve curiosidade.
Laab respondeu com um sorriso discreto e estalou os dedos.
No mesmo instante, o anel de sombras em seu dedo indicador brilhou sutilmente, e as sombras ao seu redor começaram a se mover. Como uma maré escura, elas foram puxadas para sua mão, moldando-se em uma lâmina negra e firme: um gládio feito de pura escuridão.
Beelzebuth havia lhe explicado que aquela arma era uma forma inicial do Arauto Silencioso — uma arma básica, mas poderosa, que permitia a Laab lutar mesmo sem ter domínio absoluto de outra arma. O anel supria isso.
— Também sou um Serafim — disse Laab. — E esta é a minha relíquia.
— Se chama Arauto Silencioso. Seu encantamento permite que o usuário transforme o anel em qualquer arma, desde que a domine… seu defeito é: realça as sombras do usuário. — Laab explicou, dando ênfase no defeito do Arauto Silencioso.
— Como assim? Realça as sombras do usuário? — Jito perguntou, franzindo a testa.
Laab olhou para Jito e riu levemente.
— Foi Beelzebuth que me deu. — Laab viu Jito dar de ombros e parecia que ele sabia exatamente o que Jito estava pensando.
“Faz sentido.”
Depois disso, os dois passaram algum tempo conversando sobre suas habilidades de combate, trocando experiências e desenvolvendo estratégias.
Sabiam que os dias à frente seriam perigosos — e estarem preparados juntos poderia ser a diferença entre viver… ou desaparecer como uma sombra esquecida.
O sol começava a brilhar com todo o seu esplendor cruel, graças à graciosa Ponto Mais Brilhante dos Nove Reinos, uma das deusas guardiãs da humanidade.
Diante de um prédio abandonado, três figuras se destacavam.
O primeiro era um jovem de cabelos castanhos desgrenhados, olhos âmbar e postura impecavelmente ereta. Vestia uma camisa social azul-clara e calças azul-escuras.
Ao seu lado, outro jovem contrastava em presença. Tinha a pele de ébano e músculos definidos. Os cabelos eram curtos e encaracolados, e os olhos, de um verde-esmeralda intenso, pareciam brilhar mesmo sob o sol impiedoso. Usava uma camisa preta simples e uma calça jeans escura. No dedo, um anel negro como ônix repousava silenciosamente — mas parecia pulsar com algo oculto.
O terceiro era um homem de meia-idade. Os cabelos loiros curtos, já tocados pelo tempo, emolduravam um rosto marcado por um sorriso desconcertante — algo entre o charme e o terror. Seus olhos eram completamente brancos, como os de um cego, mas havia algo em seu olhar que deixava claro: ele via muito mais do que aparentava.
Jito lançou um olhar para Beelzebuth — uma mistura de nojo, medo e uma reverência relutante.
— O que exatamente viemos fazer aqui? — perguntou, a voz baixa, quase como se temesse ser ouvido por aquilo que espreitava nas sombras.
— O que temos que procurar? — completou Laab, sem esconder a impaciência.
Beelzebuth os encarou por alguns segundos. O silêncio entre eles parecia se esticar por tempo demais, até que um sorriso demoníaco se desenhou em seu rosto.
— Vocês vão descobrir — disse, enigmático.
No instante seguinte, um zumbido infernal cortou o ar. Um enxame de moscas surgiu do nada, rodopiando ao redor do demônio com uma intensidade ensurdecedora. Laab tapou os ouvidos, encolhido pela agonia do som.
As moscas envolveram Beelzebuth por completo. E, assim como vieram, desapareceram em um piscar de olhos.
Levaram-no com elas.
O silêncio voltou — pesado, incômodo.
Laab soltou o ar que nem percebeu estar segurando e murmurou:
— Eu realmente odeio esse cara.
Disse como quem desabafa algo que já carregava há muito tempo.
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