O demônio com cabeça de polvo usava seus tentáculos pegajosos e horripilantes para enforcar as pessoas.

    O som de ossos se partindo ecoava pelo ar — seco, cortante, angustiante. Mas o que mais aterrorizava Laab, fazendo seu coração martelar como se fosse explodir, era o rosnado… ou seria um grunhido? Um barulho grotesco e indescritível que a criatura fazia, como se cada som tivesse sido arrancado das entranhas do próprio inferno.

    Laab se arrepiou ao ver os corpos ficando roxos pela falta de ar. Alguns se debatiam; outros já estavam imóveis, como bonecos de pano descartados.

    E então ele a viu.

    Uma criança. Tinha pouco mais de quatro anos. As covinhas no rosto eram adoráveis, e os cabelos loiros e encaracolados balançavam de forma trágica enquanto a criatura a sacudia como se fosse um brinquedo quebrado.

    Ela olhou diretamente para ele. Esticou o bracinho na direção de Laab, implorando por ajuda. Os olhos da menina já estavam tomados por veias saltadas, prestes a estourar.

    Laab congelou. Por um instante, o mundo parou. Mas então, sem dizer nada, ele virou de costas e correu para os fundos da cafeteria.

    O que mais ele poderia fazer?

    Ele era fraco.

    Laab ouvia gritos, choros, ossos quebrando, carne sendo esmagada… e, pior, o grunhido brutal da criatura profana. Ele tremia, sua pele arrepiava, e seu coração batia tão rápido que parecia prestes a saltar do peito.

    Ele estava com medo. Era um covarde por não ter hesitado em correr, mesmo depois de ver uma criança ter o pescoço esmagado.

    “Que se foda.”

    O que ele poderia fazer? Correr para tentar ajudar a criança?

    Ela já estaria morta antes mesmo de Laab chegar lá. E, mesmo que chegasse… o que ele faria?

    O melhor a se fazer era se salvar — e salvar seus amigos. Laab passou pelo balcão e entrou pela porta que levava aos fundos da cafeteria.

    Por um instante, uma faca de cortar carne veio em direção à sua barriga.

    Laab, por instinto, segurou a lâmina e torceu o braço do agressor, imobilizando-o.

    — Mas que droga, Omar!

    Omar o encarou, o alívio crescendo em seu olhar. Ele se virou e disse:

    — Pode sair daí, Cibele. É só o Laab.

    Cibele saiu de trás de algumas caixas. A sala em que estavam era onde guardavam o estoque da cafeteria — cheia de caixas de café em pó, copos descartáveis e outros suprimentos. Havia também uma porta de saída de emergência nos fundos.

    Os olhos de Cibele estavam marejados de lágrimas, e suas pernas delicadas tremiam tanto que pareciam prestes a ceder.

    — O-o q-que fazemos? — gaguejou, a voz fraca e assustada.

    Laab pensou por alguns segundos e caminhou até a porta dos fundos.

    — Fiquem aqui. Vou verificar se está livre.

    Ele abriu a porta com cuidado e espiou para fora.

    Do lado de fora, uma horda de cães demoníacos alados se espalhava pela rua. Ele ouviu um ladrar débil, distante, como o de cães de caça farejando sangue. As bocas arreganhadas das criaturas exibiam sorrisos grotescos, e uma luz pulsante, verde e laranja, emanava de suas gargantas. A luz realçava ainda mais os pedaços de carne, entranhas, massa cefálica e órgãos humanos que ainda estavam presos entre suas presas profanas.

    Laab nem mesmo olhou para o outro lado. Trêmulo, tomado pelo medo, deu meia-volta e trancou a porta com força.

    — Me ajuda aqui, Omar.

    Laab e Omar empurraram um armário que estava ao lado da porta, tentando bloquear — ou pelo menos atrasar — a entrada dos demônios.

    Omar estava ofegante. Ele olhou para Laab com o desespero estampado no olhar.

    — O q-que fazemos?

    — Por que tem demônios aqui…? Droga, meus pais… será que estão bem? — Cibele chorava ainda mais, a voz embargada pelo pânico.

    Omar a abraçou, tentando confortá-la. O choro dela se abafou em seu peito.

    O cheiro metálico de sangue, misturado ao amargor de carne queimada, invadiu suas narinas, fazendo Laab querer vomitar.

    “Mas que merda…”

    Por que havia demônios ali?

    Nova Osíris era protegida por um Potestade, além de uma coorte de Amesh. A presença daqueles demônios não fazia sentido — não poderiam ser de grau Tentador ou Pesadelo.

    Os demônios eram divididos em graus profanos: quanto mais núcleos profanos possuíam em seus corpos, maior era seu grau. Esses graus eram, em ordem crescente: Rastejante, Tentador, Pesadelo, Barão, Marquês, Duque e Tirano.

    Um Potestade equivalia a um demônio de grau Barão — e, em certos aspectos, podia até rivalizar com os de grau Marquês.

    Um demônio de grau Barão ou inferior… não teria sequer chance de se aproximar da cidade. Seria destruído antes mesmo de cruzar os limites externos da zona segura.

    Então… como?

    Como eles estavam ali?

    O suor escorria pelo rosto de Laab, frio como se o próprio inferno tivesse aberto uma fenda atrás da cafeteria.

    “Aquele cara…”

    Ele tinha alguma coisa a ver com aquilo. Laab tinha certeza. Mas o que ele fez?

    Seus pensamentos foram interrompidos pelo ladrar cada vez mais próximo dos terríveis cães de caça demoníacos.

    “Droga, droga, droga…’”

    TOC! TOC! TOC!

    A porta tinha uma pequena janela, e Laab vislumbrou o ser demoníaco do outro lado.

    Ele era um humanoide. Ou, pelo menos, havia sido. Seu corpo lembrava o de um homem antes de ser corrompido e moldado por alguma força satânica. Tinha braços e pernas longos, o suficiente para medir mais de três metros de altura.

    Mas o que mais aterrorizava Laab… era o rosto.

    Ou seria uma máscara?

    Ou talvez apenas uma representação doentia do próprio inferno?

    Era indescritível. Laab não conseguia olhar diretamente para aquela coisa sem sentir uma ânsia de vômito insuportável. Era como se o rosto emanasse entropia… uma sensação profunda de desordem, de caos absoluto.

    — Corram!

    Laab, Omar e Cibele saíram do armazém. Mas, antes de atravessarem a loja, Laab parou abruptamente, estendendo o braço como um sinal para que parassem também.

    — Me sigam… mas não olhem para trás!

    THUD!

    Algo colidiu violentamente com a porta do estoque, seguido por arranhões ásperos e frenéticos.

    THUD! THUD!

    Antes que o demônio conseguisse arrombar a entrada, Laab, Cibele e Omar saíram correndo da cafeteria.

    Laab lançou um olhar por cima do ombro e viu a criatura profana, tentaculosa, se arrastando em direção a eles.

    Ele parou de repente e sinalizou com a mão para que Cibele e Omar continuassem correndo.

    Do outro lado, Laab avistou os cães alados demoníacos avançando ferozmente.

    BANG! BANG!

    Laab mirou e atirou duas vezes contra o cão mais próximo. A criatura hesitou por um segundo, como se processasse a dor — mas logo recomeçou sua corrida, ainda mais agressiva.

    Fuuu…

    Laab soltou o ar com força, tentando controlar o tremor em suas mãos. Mirou bem no centro da cabeça do cão demoníaco. Por um instante, o tempo pareceu desacelerar.

    O tambor girou.

    O gatilho cedeu sob seu dedo.

    BANG!

    A bala atravessou o crânio do monstro, que caiu como um peso morto.

    Laab sentiu um leve alívio — mas ao virar-se para ver Cibele e Omar, ele congelou.

    Hnnngh…

    Haaaah…

    Cibele estava sentada no chão, uma mão cobrindo a boca, as lágrimas escorrendo pelo rosto — agora distorcido pelo terror.

    E então o coração de Laab afundou numa dor profunda, afiada, como uma faca cravando-se em seu peito. Seus olhos se encheram de lágrimas, turvando sua visão.

    Diante dele, outra criatura — tão profana quanto a que tentava arrombar o estoque — erguia Omar como se fosse um boneco de pano. Seus dentes, uma fusão grotesca entre o humano e o inumano, cravaram-se no crânio do rapaz. O som era úmido, estalado, visceral. Ossos se partiram, massa encefálica escorreu, e o corpo de Omar estremeceu nos espasmos da morte.

    Laab abriu a boca, mas nenhum som saiu. O grito ficou preso, sufocado pela agonia.

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