Capítulo 8- Serafim
— Sua criação matou as nossas, Altíssimo. Eles merecem ser punidos. E, se você não os punir, nós o faremos.
Três vozes falaram em uníssono, mas pareciam vir do mesmo ser. Era como se cada voz estivesse em um estágio diferente do tempo: uma mais jovem, outra antiga, e a terceira no ponto intermediário entre as duas.
— E daí?
— Como assim “e daí”? Não vamos mais deixá-los impunes. Eles merecem ser punidos. Têm sorte de estarmos avisando. Por mim, eu já os teria pulverizado, um a um.
Outra voz ressoou como um resplendor de luz infinita. Suas palavras queimavam os ouvidos como se fossem feitas de chamas eternas.
— Eu disse para não me testarem.
Laab acordou ouvindo palmas ávidas.
— Acorde, Laab. Seu pesadelo acabou. Prepare-se para a avaliação.
“Estou vivo?”
Ele mal conseguia se lembrar do que havia acontecido. Era como se tudo tivesse sido apenas um sonho nebuloso.
A única lembrança nítida era a dor — como se seu próprio sangue tivesse se transformado em agulhas e atravessado seu corpo por dentro.
— Seu pesadelo acabou. Prepare-se para a avaliação… — as palmas continuavam.
‘Desgraçado…’
— Mas que merda você tá falando?! — gritou Laab, com raiva, voltando seu olhar para a voz diabólica de Beelzebuth.
O demônio parou de bater palmas. Fitou Laab com um olhar estranho, quase decepcionado.
— Era pra você estar rindo. Não entendeu?
— Entender o quê?! — bufou Laab, irritado.
Beelzebuth estalou a língua e revirou os olhos, como quem desiste de explicar uma piada boa para um público ruim.
— Deixa pra lá… esses jovens de hoje em dia não têm cultura…
Ele então se aproximou, sorrindo com ares de cerimônia profana.
— Mas enfim… como se sente?
Beelzebuth abriu os braços, teatral, e anunciou:
— Serafim Laab.
“Serafim Laab…”
Laab se lembrava dos contos sobre os lendários divinos que corajosamente lutavam contra os vis demônios — desde o imensuravelmente poderoso Anjo até o, ao menos notável, Serafim.
E agora ele era um deles. Um dos lendários divinos.
Poderia ser o grau mais fraco entre eles… mas agora ele pertencia a esse mundo.
Laab se levantou, quase tropeçando, ainda com as pernas bambas pela dor infernal provocada por aquele líquido negro esverdeado.
Caminhou até o belo lago de águas cristalinas e vislumbrou seu reflexo. Os corpos dos divinos mudavam ao passarem pela ascensão — ele sabia disso.
‘Cibele teria inveja da minha pele…’
Aparentemente, todas as imperfeições haviam sido extintas. Sua pele agora parecia tratada com o mais restrito e intrincado cuidado possível — como se tivesse passado a vida inteira sob os melhores tratamentos. Era a pele de um recém-nascido: lisa, impecável.
Sentia-se mais alto, e seus músculos estavam perfeitamente esculpidos — um corpo moldado pela própria vontade divina, sem um traço de gordura.
Seus olhos, antes comuns, agora brilhavam em um intenso verde-esmeralda, como se carregassem o reflexo de uma divindade.
Laab percebia mudanças não apenas no corpo, mas em tudo ao seu redor. Sua força havia aumentado tanto que sentia que poderia erguer um carro com facilidade. Sua resistência era tal que podia se exercitar por horas sem suar, e sua velocidade o faria cruzar dez quilômetros em poucos minutos.
A visão, antes embaçada pela miopia, agora estava perfeita. Enxergava cada detalhe, cada cor, cada movimento, como se o mundo tivesse sido redesenhado diante de seus olhos.
Mas a mudança mais notável estava em sua audição.
Ele ouvia tudo — o farfalhar distante das folhas, a corrente de ar sussurrando entre as árvores, até mesmo a respiração de Beelzebuth atrás dele. Era como se seus ouvidos estivessem conectados diretamente ao mundo, sem ruído, sem falhas. Como se usasse os fones mais precisos já criados… só que eram seus próprios ouvidos.
Ele estava mudado. Ele era divino.
Um Serafim.
Laab se virou para Beelzebuth e fitou seus olhos brancos, quase sem pupilas — olhos que transbordavam uma sensação de podridão.
— Se você não me deu sangue divino… então o que me deu para me tornar um Serafim?
Beelzebuth sorriu, primeiro de leve, e então deixou seu habitual sorriso diabólico se alargar no rosto.
— Sangue de demônio. O que mais seria?
“Sangue de demônio?!”
“O que ele tem na cabeça?!”
Laab quase caiu, paralisado pelo choque. A ideia parecia absurda. Irracional.
Tomar sangue de demônio… e se tornar um Serafim?
‘Não deveria ser o oposto? Eu deveria estar morto!’
Vendo o estado de choque estampado no rosto de Laab, Beelzebuth apenas sorriu ainda mais.
— Garoto, você realmente não entende muito sobre o mundo, não é?
Laab respirou fundo, tentando se recompor, tentando compreender as palavras daquele ser vil diante dele.
— Existem mais de um método para se tornar um Serafim.
‘Mais de um método?’
A revelação bateu com tanta força que Laab começou a sentir uma dor de cabeça latejante.
— Como assim… mais de um?!
— O método que todos conhecem — aquele que as igrejas proclamam — é ingerir o sangue divino — explicou Beelzebuth, levantando um dedo.
— Mas há outros dois.
Ele levantou um segundo dedo, fazendo uma breve pausa, tocando os lábios em reflexão.
— O segundo é o Ritual de Purificação do Sangue Demoníaco.
— O sangue dos demônios, apesar da corrupção, contém fragmentos de divindade. O ritual consiste em substituir o seu sangue pela essência divina oculta ali. É arriscado — muito arriscado. Exige conhecimento profundo de rituais.
Laab abriu a boca para fazer uma pergunta, mas Beelzebuth o interrompeu com um gesto.
— Esse método tem, talvez… 40% de chance de sucesso. E se falhar? Bem, você morre. Simples assim.
Então ele levantou um terceiro dedo. Seu sorriso se alargou em um escárnio quase predatório.
— O terceiro método… é o meu favorito.
Ele inclinou a cabeça e falou como se fosse um segredo blasfemo:
— Beber sangue demoníaco. Puro.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.