Sexta-feira 15 de fevereiro de 1957 

    João acordou cedo como sempre e foi para o banheiro tomar banho. Após algum tempo, saiu de lá e voltou para o seu quarto para se vestir e ir para a emissora. 

    Mesmo sendo o penúltimo dia da semana — essa semana sendo a sua primeira no novo emprego —, o jovem estava tanto fisicamente quanto psicologicamente cansado devido aos acontecimentos e descobertas sobre os seus colegas. 

    Passou-se um tempo até que João estivesse caminhando pelas ruas novamente, visto que, na noite anterior, havia gastado o dinheiro do ônibus no passeio com Sarah no parque de diversões. 

    Por consequência, o rapaz chegou novamente à praça que, como sempre, estava ocupada por alguns idosos. Porém, por coincidência ou não, também continha Rosa sentada num banco com uma aparência bem triste. 

    Devido a sua preocupação com a garota, o jovem decidiu desviar do seu trajeto e foi confrontá-la sobre a sua tristeza. A criança, percebendo a chegada dele, tentou ao máximo esconder sua feição triste. 

    — J-João?! Quanto tempo a gente não se vê! 

    — A gente se encontrou ontem, Rosa… 

    — Sério? Nossa, parece que faz tanto tempo, hihi! 

    — Se você diz… Bem, eu te vi de longe e percebi que estava meio cabisbaixa, aconteceu alguma coisa? 

    — Espera, você estava me espionando ou algo do tipo? Que pervertido! 

    — N-não é nada disso, acabei de chegar aqui, garota! 

    — Hahaha! Estou tirando uma com a sua cara. 

    — Hunf, acho que eu não deveria ter me importado. 

    — Ei! Um cavalheiro sempre deve dar atenção a uma dama. 

    — E a dama aqui está precisando de atenção? 

    — Bem… — Rosa desviou o olhar de João. — Não disse que precisava… 

    — Certeza? Porque você parecia bem chateada. 

    — Se falei que não preciso é porque não preciso! — Rosa voltou a encará-lo fazendo uma careta debochada. 

    — Tudo bem, então… Aliás, onde estão aqueles biscoitos de chocolate? Os meus colegas gostaram muito deles. 

    — A-ah, os biscoitos? E-esqueci em casa… 

    João encarou a garota que novamente demonstrava uma expressão tristonha. 

    — Está com vergonha de dizer algo? Se sim, tudo bem, não irei te obrigar a falar. 

    — … 

    — Acho que isso foi um sim. Então, estou indo, até mais Ro… — João foi interrompido. 

    — E-espera! 

    — O que foi? 

    — Eu… 

    O jovem de sobretudo se sentou no banco ao lado de Rosa esperando o que ela tinha a dizer. Era possível notar que a garotinha estava muito constrangida e desconfortável em relação a essa pergunta. 

    — Pode dizer no seu tempo, eu espero. 

    — É que… João, promete não rir de mim? 

    — Por que eu riria de você? Pode me dizer sem problemas. 

    — E-eu… acabei sendo expulsa do grupo de escoteiras da escola… 

    — Sério? 

    — S-sim… — Rosa desviou o olhar novamente. 

    — E você sabe o motivo? 

    — Não! A professora não me falou nada! A única coisa que sei é que falaram que eu estava roubando os biscoitos e levando para casa! 

    — As crianças de hoje em dia são bem sapecas, hein? 

    — Aposto que foi a bobona da Mariana. Só porque ela é popular, acha que pode inventar mentiras por aí! 

    — Pela sua personalidade,  achei que você era a aluna popular de lá. 

    — Na verdade… todos me tratam como uma estranha… Eles dizem que  sou uma bruxa por causa da cor do meu cabelo… 

    — Que crianças horríveis… 

    — Sim… E mesmo que eu fale com os professores, eles não vão me ajudar… Droga, odeio essa escola! — Rosa começou a chorar. João, vendo tudo isso, começou a fazer cafuné na cabeça da garotinha que ficou assustada. 

    — Calma, calma, está tudo bem. 

    — Obrigada, João… 

    — Às vezes, tudo que você precisa fazer é manter a calma e achar uma solução para o seu problema. Já tentou contar para os seus pais sobre essas coisas? 

    — Meus pais… — respondia enquanto limpava suas lágrimas. — Minha mãe é muito ocupada com o trabalho, não quero atrapalhá-la com os meus problemas… 

    — Não pode pensar assim, Rosa. Os pais existem para dar o que tem de melhor do mundo para os seus filhos. 

    — Sério? Porque não parece…

    — …

    — … 

    — E o seu pai, também é ocupado? 

    — O meu pai… eu nunca conheci meu pai… Minha mãe disse que ele foi embora após o meu nascimento… Parece que desde cedo sou um estorvo, haha… 

    — Rosa! — João deu um berro assustando a garota. 

    — O-o que foi?! 

    — Se continuar pensando assim, as coisas só vão piorar! Ninguém é um estorvo aqui, entendeu?! 

    — É-é que… 

    — Olha, entendo que você está numa situação complicada, mas não pode se deixar abalar por isso, senão os seus problemas vão acabar te dominando! 

    — Mas… 

    — Rosa, eu também estava muito triste ontem, mas você conseguiu me alegrar, lembra? 

    — … 

    — Estou aqui por ti também, então não se deprecie por algumas crianças sem educação. 

    — Sério? 

    — Claro! Senão, nem estaria aqui agora, não é mesmo? 

    — Acho que siim… 

    — Tudo vai ficar bem, então não se desgaste muito. 

    — … 

    — E, pensando agora, se você está aqui e não está mais nos grupos de escoteiras… Você fugiu da escola?! 

    — Ei! Vai começar a me dar bronca agora? 

    — Não pode sair da escola como se fosse uma festa, Rosa! 

    — Acha certo eu ficar lá depois de ser ridicularizada? 

    Após ouvir isso, João se lembrou dos dias anteriores, quando ficou preso em casa com medo de ser morto, e logo ficou em silêncio. Rosa percebeu a quietude do jovem e começou a ficar desesperada com medo de tê-lo magoado. 

    — M-m-me desculpa, João! E-eu não queria… 

    — Não, Rosa. Está tudo bem, você está certa. 

    — O quê? 

    — Foi hipocrisia minha ter dito isso, me desculpe. 

    — … 

    — Bem, você fugiu da escola com um motivo, não faz sentido te dar sermão agora. Se eu estivesse no seu lugar, voltaria para casa e descansaria até amanhã. 

    — É… 

    — Ei, ainda está triste? Isso é como um feriado! 

    — É? 

    — Garota, o que eu mais queria agora é um dia na minha casa e ficar na cama o dia todo! 

    — E por que não vai para casa? 

    — Porque eu trabalho, tenho que cumprir o meu expediente, haha! 

    — Nossa, ser adulto deve ser chato. 

    — Até é, mas também te dá alguns privilégios, hehe! 

    — Sério?! Quais?! 

    — Isso você só vai descobrir quando ficar adulta! Mas para isso, tem que estudar e não fugir da escola! 

    — Aff, sabia que estava tomando uma bronca! 

    — É brincadeira, haha! 

    Após essas interações, o clima havia ficado bem mais leve, e João estava feliz por isso. Ele queria ter dado algo para Rosa para deixá-la mais contente, mas não levava nada consigo. Porém, o rapaz teve uma ideia. 

    Rosa olhava o jovem mexendo no seu sobretudo e fazendo muita força, como se estivesse puxando algo, até que finalmente conseguiu. De repente, viu João estendendo a mão para ela. 

    — Rosa, quero te dar algo. Abra sua mão. 

    — O-o quê? 

    Ao abrir sua mão, Rosa recebeu um botão do sobretudo de João, e isso acabou deixando-a curiosa. 

    — Um botão? 

    — Não é qualquer botão, é o botão do meu sobretudo! — João exclamou dando um longo sorriso. 

    — Mas… para que isso? 

    — Bem, se sua mãe é tão ocupada e os seus colegas da escola são chatos, pelo menos você terá algo meu para não se sentir tão sozinha. 

    — … 

    — Queria ter dado algo melhor, mas não tinha nada e… — dizia João até ser interrompido. 

    — Obrigada, João… Obrigada… 

    Olhando para a jovenzinha, notou-a chorando, mas não como anteriormente. Era um choro de felicidade e gratidão, e isso o deixou profundamente feliz. Para aliviá-la, começou a acariciar seu cabelo novamente. 

    — Está tudo bem, não precisa chorar, Rosa… 

    — Ok! — Rosa confirmou em meio aos soluços. 

    — Bem, vou para o trabalho, estou um pouco atrasado. E, Rosa, trate de ir para a escola semana que vem, hein?! 

    — Certo. Tchau, João! 

    — Até mais! 

    João acenou para a garotinha e seguiu seu caminho até a emissora.

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