Quarta-feira — 12 de junho de 1957

    Com o canto do galo que ecoava por toda a região, João se levantou. Naquele dia, teria um encontro após muito tempo, e desta vez, com sua amiga de infância. Sabia que tinha algo de errado, visto que aquele dia da semana era o dia dos namorados, mas não se importou tanto.

    Caminhou até o banheiro, despiu-se e esvaziou a banheira, para que pudesse tomar banho com água mais limpa. Esperando, olhava-se no espelho observando sua aparência adquirida com o passar dos meses. Já havia feito isso em dias anteriores, mas o momento delicado no qual passava o impediu de se cuidar devidamente.

    Após todo esse tempo, decidiu se reparar. Puxou o espelho para si, revelando o que era um “mini-armário” com algumas coisas — em sua maioria, velhas — guardadas. Entre elas, havia uma lâmina que foi pega pelo rapaz e uma embalagem de sabonete fechada.

    Sabia que aquele não era o produto ideal para fazer a barba, mas seria praticamente impossível achar um creme de barbear naquela situação. Umedeceu o rosto e o sabonete, esfregando-o nas mãos logo depois, criando uma boa quantidade de espuma que foi passada na região. Após isso, molhou a lâmina e fez sua barba delicadamente até que não sobrasse nada.

    João passou tanto tempo sem tocar numa lâmina que, por descuido, cortou-se levemente. Não foi nada grandioso, apenas um corte no canto da boca, dando-lhe uma ferida até que interessante.

    Quando terminou de tirar os pelos de seu rosto, entrou na banheira, tomando um banho adequado.

    Um tempo se passou quando João fora chamado por Alice. Mesmo que estivesse arrumado, não parecia preparado para um encontro. Vestia uma camiseta branca de botão que estava acostumado e uma calça social preta que combinava com os sapatos de couro que usava. Além disso, estava perfumado com uma fragrância bem forte de um perfume que seu avô devia ter deixado lá.

    Quando saiu do sítio, avistou a dama que havia o convidado para sair perto do portão.

    Alice estava usando um vestido branco amarrado por um cinto de cetim também branco, o chapéu de palha que usou na mercearia dias atrás e sapatilhas beges.

    — Não sabia que poderia ficar tão bonito desse jeito, tirando o corte na sua boca, hehe.

    — Obrigado. Está linda, também.

    A loira revirou o rosto timidamente:

    — E-então, deve ter lido a mensagem que havia deixado na mesa, hein?

    — Não sou cego, Alice. Queria sair para um encontro comigo?

    — E-encontro? Será apenas uma caminhada para relembrar os velhos tempos.

    — Hehe… sei.

    — Enfim, pelo visto, aceitou o pedido, não?

    — Como pode notar, sim.

    — Ótimo, vamos logo! Tenho os lugares ideais para ir contigo!

    — Certo, certo — João concordou abrindo o portão e saiu do sítio. De início, notou a mesma cesta do dia anterior nas mãos da loira. — Nós faremos um piquenique?

    — Sim, algum problema?

    — Nenhum. Quer que eu leve?

    — Que cavalheirismo de sua parte, hihi! 

    A loira entregou a cesta para o homem.

    — Então, vamos andando!

    — Ok.

    Enquanto caminhavam pela estrada de terra, conversavam:

    — Fazia tempo que não saia para caminhar com alguém. Estou tão feliz com a sua volta, sabe?

    — Fico feliz por saber disso… Mas, passou tanto tempo aqui sem fazer nada?

    — Sabe como os meus pais são. Passei boa parte da minha adolescência ajudando nas vendas da mercearia…

    — E não fugiu de casa em nenhum momento? Você é boa nessas coisas.

    — Por que fugiria se não tinha voc… ninguém para me encontrar…?

    — Todos esses anos e não arrumou um namoradinho sequer?

    — Sabe que detesto as pessoas daqui, João…

    — Ah, mas poderia ter pelo menos alguém, não?

    — Para sua sorte, ninguém era tão interessante quanto você.

    — Entendi…

    — …

    — Mas, você é adulta agora. Poderia ir para a cidade arrumar algum emprego.

    — Estou pensando nisso… No momento, quero aproveitar o tempo contigo aqui.

    — Não sabia que era tão melosa, Alice.

    — Pare de ser chato. Não estava com saudades de mim?

    — Hm…

    Alice acertou uma forte cabeçada no braço do jovem, que perdeu o equilíbrio por um momento.

    — Por que fez isso?!

    — Ainda pensou para responder a minha pergunta?!

    — …

    — Me pergunto como aquela moça da emissora gostava de você.

    — Poderia perguntar isso se encarando no espelho…

    — Idiota!

    — Afinal, me convidou para sair no dia dos namorados, né?

    — …

    — Achou que eu não tinha um calendário em casa?

    — B-bobo…

    — Hehe! Está tudo bem, esse dia está bem melhor do que os últimos.

    — …

    — Sabe, é bom ter um dia de descanso às vezes…

    — Entendo…

    — …

    — …

    — Também estava com saudades de você, Alice.

    A loira virou para João com o rosto avermelhado de vergonha, notando um pequeno semblante sorridente no rapaz.

    — Quer dizer que gosta de mim também?

    — Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

    — Está muito lento, João! — Alice começou a correr, distanciando-se do rapaz que a seguia assustado.

    Alguns minutos se passaram até que finalmente chegassem em seu destino: um pequeno morro com um ipê rosa solitário que tinha uma bela vista dos campos floridos.

    Alice pegou a toalha de dentro da cesta e forrou o chão na sombra da árvore, e logo se sentou.

    João se aconchegou logo depois, colocando a cesta no centro da toalha.

    — Ficará impressionado com o que preparei hoje!

    — Espero que sim. A sua culinária melhorou muito desde quando comi aquele grude que havia feito quando crian…

    João recebeu uma “cestada” na cabeça da loira.

    — Você ama me bater, não?

    — É o meu jeitinho de demonstrar afeto, hehe.

    O jovem encarou para a toalha, percebendo que tudo estava devidamente servido. Uma garrafa térmica, uma garrafa de suco de laranja, sanduíches enrolados em plásticos e mais biscoitos de chocolate.

    — Acha que conseguiremos comer isso tudo?

    — Qualquer coisa, alimentamos os animais do seu sítio.

    — É por isso que fica apenas na merceari… — João se calou após ser ameaçado por Alice com a cesta.

    — Já que é assim, te obrigarei a comer tudo, até não sobrar nada.

    — Me desculpe, me desculpe…

    — É, enfie esse biscoito na sua boca antes que comece a falar mais besteiras.

    — Ok…

    Pegou o sanduíche embalado e deu uma mordida, assustando-se com tamanha divindade que estava comendo.

    — Puxa vida!

    — E aí, é melhor que as comidas da cidade?

    — Isso está incrível!

    — Hehehe, eu sei, sou incrível mesmo.

    — Você não, esse sanduíche.

    — E quem foi que fez o sanduíche, seu desgraçado?!

    — Calma, Alice. É brincadeira!

    — Estou cansada dessas piadas sem graça.

    — Ei, estava fazendo o mesmo comigo ontem!

    — Mas eu posso!

    — Por quê?!

    — Sou mais velha.

    — Você é… — João repousou o resto do sanduíche na toalha e começou a contar lentamente nos dedos.

    — NÃO SE LEMBRA DA DATA DE ANIVERSÁRIO DA SUA MELHOR AMIGA??!!

    — Estou fazendo as contas exatas, fique quieta!

    — Ora, seu…

    — Ah, quer saber? Isso não importa.

    — …

    — …

    — Hahahahahaha!!!

    — Pft, hahahaha!

    Ambos caíram na gargalhada após a discussão que tiveram. Mesmo tendo passado anos, ainda se completavam como se fossem a metade da laranja um do outro.

    — Continua besta mesmo após todos esses anos, não é, João?

    — E você continua convencida.

    — Saiba que sou assim só contigo.

    — Digo o mesmo.

    — Ai, ai…

    Alice pegou a garrafa térmica, servindo-se de café.

    — Não sabia que começou a gostar de café.

    — Ainda não gosto muito, mas estou me acostumando.

    — Entendi… Ei.

    — O que foi?

    — A garrafa térmica, por favor.

    — Você que pegue. — Alice apertou firmemente a garrafa.

    — Ela está na sua mão, custa me entregar?

    — Pare de ser preguiçoso e pegue você mesmo.

    — Alice…

    — Preguiçoso.

    João pulou em cima de Alice para tentar capturar a garrafa da mão da jovem, que ria incessantemente pedindo para o rapaz parar.

    — Me entregue logo ela!

    — Hahahaha! Para, João, estou me servindo ainda!

    — Mentirosa!

    — Hahahahahaha!

    Brigando pela garrafa, João subiu em cima da loira, segurando os punhos da mesma contra o chão. Sem perceber, estava no colo dela, encarando-a enquanto a segurava fortemente. A respiração de ambos podiam ser ouvidas e sentidas pelos dois, que continuaram naquela situação por alguns segundos.

    Alice começou a levantar sua cabeça vagarosamente, aproximando-se mais e mais do rosto do rapaz, como se estivesse preparado para beijá-lo. Porém, antes que fosse possível, sentiu um líquido quente molhando suas pernas e vestido.

    Num ato impensável, a loira empurrou João com tudo para trás, gritando fervorosamente:

    — MEU DEUS!!! O MEU VESTIDO BRANQUINHO!!! ESTÁ MANCHADO DE CAFÉ!!!

    — Pelo visto, alguém vai receber uma bela bronca da mãe quando chegar em ca… — João foi atingido com um soco na barriga, calando-se imediatamente em meio a dor.

    — Meu vestido… meu vestido… meu vestido, meu vestido, meu vestido, meu vestido… O QUE FAREI COM O MEU VESTIDO BRANCO???!!!

    — Ai…

    — A CULPA É SUA, JOÃO!!!

    — MINHA?! VOCÊ QUE SE RECUSOU A ME DAR A DROGA DA GARRAFA!!!

    — SEU… SEU… EU VOU TE ESGANAR!!!

    — SINTA O CARMA CORROMPENDO O SEU VESTIDO GRAÇAS AS SUAS ATITUDES INDELICADAS, HAHAHAHAHA!!!

    Estava anoitecendo, quando os dois se encontravam encostados na raíz da árvore. Alice ainda estava chateada pelo seu vestido manchado, e João havia perdido uma peça de roupa valiosíssima, visto que a loira descontou sua raiva rasgando as vestes dele.

    — Esse vestido era novinho, era a minha primeira vez usando ele…

    — …

    — E eu gastei ele com um idiota como você!

    — Me desculpa…

    — …

    — …

    — Deixa, está tudo bem.

    — Obrigado…

    — Hehe! Analisando a situação agora, até que foi bem engraçado.

    — É…

    — Fazia tempo que eu não me divertia tanto assim, obrigada, João.

    — Hehe…

    — …

    — Alice.

    — Oi.

    — Me convidar para sair no dia dos namorados, planejar um piquenique com comidas que você fez…

    — …?

    — Definitivamente estava com algo em mente, né?

    — …

    — …

    — Talvez…

    — Se for o que estou pensando…

    — O que você está pensando?

    — Me desculpe, mas… Não posso corresponder os seus sentimentos.

    — …

    — A muito tempo percebi que tinha algo a mais na forma que você agia comigo… Já sabia que você gostava de mim de algum jeito.

    — …

    — Também gosto de ti, mas… Não acho que daremos certo se nos tornarmos algo a mais do que melhores amigos.

    — …

    — Fora que, dada a situação que estou agora, não lhe faria bem, sabe? Sou suspeito de assassinato, e isso pode prejudicar a sua vida mais do que já está prejudicada.

    — …

    — Espero que me entenda, Alice… Me desculpe.

    João se virou para a loira, que estava limpando algumas lágrimas que caíam de seu rosto. Com certeza, não saberia o quão triste era ser recusada por quem amava.

    — …

    — Está tudo bem, João… No fundo, sabia que isso seria impossível, ainda mais agora.

    — …

    — Mas, por mais que tivesse te convidado para sair hoje, esse não era o único motivo.

    — …?

    — Queria relembrar os bons momentos que passei contigo, como melhores amigos, mesmo. E, talvez, me declararia para ti.

    — …

    — E ouvir as pessoas falando do jeito que você estava vivendo… Sentia que era a única que poderia te tirar daquilo…

    — …

    — No final de tudo, João… Sempre estive preocupada contigo, hehe…

    — Obrigado…

    — Mas… Tem outro motivo para eu ter te chamado.

    — Qual?

    — Ontem, enquanto você dormia, estava chorando e resmungando palavras baixas… Provavelmente, algo relacionado aos acontecimentos da cidade.

    — …

    — João, como sua melhor amiga, precisa confiar em mim. Me diga o que aconteceu lá, por favor.

    — …

    — Independentemente do que você conte, não farei nada que pode te ferir.

    João continuou calado, encarando os campos que não dançavam mais devido à escassez dos ventos.

    O dia estava virando noite, e o rapaz se levantou.

    — Preciso voltar para o sítio.

    Alice se levantou logo depois, segurando o braço do homem.

    — J-João, espere!

    — Sabia que, no fim, até você duvidaria de mim…

    — N-não é isso!

    — Está tudo bem, Alice… Tudo está contra mim neste momento, é impossível não suspeitar que algo ruim esteja acontecendo comigo…

    — …

    — Alice, obrigado pelo dia de hoje… Ade..

    — Espere!

    João se virou para a loira, que segurava o choro.

    — M-me perdoe, João! Não devia ter falado isso, mas é que sou curiosa, sabe disso!

    — …

    — Não estou duvidando de você, e se não quer contar para mim, está tudo bem, eu aceito isso!

    — …

    — Mas, por favor… Não me abandone de novo…

    — …

    Alice caminhou lentamente até o rapaz e o abraçou fortemente, sendo retribuída logo depois.

    — Sou uma péssima amiga… me desculpa.

    — Está tudo bem…

    — João… quero me redimir com você agora…

    — Não precisa, Alice, está tudo bem…

    — Não… é sério… preciso te levar para um lugar… o lugar que iríamos após o piquenique.

    — …

    — Por favor, poderia me acompanhar?

    — …

    — …

    — Certo.

    Bom dia, tarde e noite para quem está lendo isso.

    Publiquei esse capítulo para compensar a outra semana que não teve publicação (é algo bem raro, então não se acostumem ksks)

    Mais uma vez, o João recusou uma bela mulher na sua vida. Alguns diriam que ele pende pro outro lado, mas espero que esteja nítido que ele só não quer envolver os outros nesse problema (em relação a Sarah, é porque ela era um demônio né, imagina se relacionar com seus inimigos?)

    O capítulo teve uma revisão básica, então pode ter passado alguns erros que serão corrigidos no futuro.

    Espero que tenham gostado do capítulo, se possível, visitem o Instagram da novel para acompanhar algumas publicações! @oradiododiabo

    Até mais!

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