João e Alice pegaram as coisas do chão e guardaram na cesta de palha. O sol estava terminando de se pôr quando ambos começaram a caminhar para o tal “destino após o piquenique”.

    O jovem seguia a loira com certo receio, dado os acontecimentos de minutos atrás, mas achava errado duvidar de sua amiga de infância, por mais que fosse inevitável.

    Passaram-se minutos até entrarem num bosque conhecido pelo rapaz. Esse bosque era constantemente visitado pelos jovens quando eram pequenos, e isso lhe trazia  certa sensação de aconchego. Ali, o homem já sabia o que estava por vir.

    Uma longa caminhada se passou até chegarem onde Alice queria: uma pequena cachoeira que descia num rio que passava pela pequena cidade em que moravam. Fora isso, havia pedras que cercavam belamente as águas que por ali corriam.

    Alice se alongou como se estivesse preparada para mergulhar. Antes de pular na água, despiu-se ali mesmo, na frente de João, que cobriu seu rosto rapidamente.

    — Achou mesmo que eu ficaria nua na sua frente? Haha! Não tenha vergonha.

    Lentamente retirou a mão de seus olhos, observando o belo e definido corpo da loira vestindo um maiô preto. Era como se o rapaz estivesse olhando uma escultura grega.

    Devido a tamanha beleza, João ficou envergonhado, e tentando esconder sua feição avermelhada, cobriu o rosto novamente. Mesmo que não estivesse apaixonado por sua amiga de infância, era impossível não se sentir bem ao olhar uma moça tão bonita em sua frente daquela forma.

    Após dar uma leve risada devido a situação, a loira se jogou no pé da cachoeira e mergulhou. Enquanto nadava e se divertia, João a encarava de longe, cuidando da cesta de piquenique em suas mãos.

    — João, não vai mergulhar também?

    — Está tudo bem, não estou com roupas adequadas para mergulhar.

    — Não seja chato, venha assim mesmo! Pode tirar suas roupas e ficar de cueca também.

    — N-nem pensar, estou bem do jeito que estou…

    — Hm…

    Ambos se encaravam ininterruptamente, como se observassem o reflexo de si mesmos no olhar um do outro.

    — É difícil não me apaixonar desse jeito…

    — Já disse que não quero nada disso.

    — Como você é irritante, João! Não posso viver uma cena de novela uma vez na minha vida?

    — …

    — Ou você prefere o meu lado hostil? Posso replicá-lo também.

    — Apenas fique nadando quieta, por favor — o rapaz respondeu friamente, desviando o olhar.

    — …

    — …

    — Ei, João.

    — O que foi?

    — Venha para cá, rapidinho.

    — Acha que não sei o que irá fazer? Está ansiosa para me puxar para a água.

    — Já disse que não quer mergulhar, não tem porque fazer algo sem a sua aprovação.

    — …

    — Venha logo, quero te mostrar uma coisa.

    João suspirou e, após repousar a cesta numa pedra, caminhou até a loira que o esperava perto das rochas que cercavam o rio.

    — O que quer me mostrar?

    — Abaixe-se e olhe de perto.

    Obedecendo a ordem de sua amiga, o rapaz se pôs de cócoras.

    — Aproxime-se mais…

    Mais uma vez se aproximou, prestes a tocar seu rosto no dela. Alice também chegou perto, e logo cochichou no ouvido do jovem com um tom sedutor:

    — Consegue ver os peixes?

    — Não…

    — Então, olhe de mais perto! — A mulher rapidamente puxou o rapaz, fazendo-o cair na água e se molhar completamente. — Hahahaha! Como você é capaz de cair nisso ainda?!

    — Droga… Já sabia que iria fazer isso.

    — Sabia mesmo? Ou está se fazendo de esperto?

    — Te conheço há tantos anos, acha que não seria capaz de saber dos seus planos maléficos? Aliás, peixes não habitam nesse rio…

    — Na verdade, agora habitam, mas expulsei eles após mergulhar na água, hahaha!

    — Como você é terrível, Alice…

    — Hehehe, só queria tirar um sorriso do seu belo rosto.

    — Alice…

    — …?

    — O que te faz me amar?

    — O quê?

    — Me perguntei isso agora… Assim como você, a mulher da cidade com quem eu saia sentia uma paixão descomunal em mim… Eu… não me vejo como alguém bom para as mulheres, e mesmo assim, sou capaz de atraí-las tanto.

    — Hm…

    — Desculpa fazer essa pergunta do nada, ainda mais após tudo o que aconteceu agora a pouco…

    — João.

    — O que foi?

    — Quando nos conhecemos pela primeira vez, não gostava de ti.

    — O-o que? Não disse que me admirava desde criança?

    — Não preciso gostar de alguém que admiro, né?

    — Na verdade, sim.

    — Então, digamos que comecei a te admirar após algum tempo, quando começamos a conversar…

    — Certo…

    — Voltando ao meu ponto principal…

    Terça-feira — 12 de fevereiro de 1946 — Flashback

    — Crianças, como todos sabem, hoje é aniversário de um de seus colegas, então, decidimos presenteá-lo com um bolo para comemorarmos! João Simão, venha para frente da sala!

    A pequena criança andou apressadamente até a professora, querendo o mais rápido possível saber o sabor do bolo.

    — Não acredito que ele terá bolo no aniversário dele! Espero que tenha no meu também! — Um garoto moreno falou expressando ciúmes.

    —  E eu espero que o bolo seja de chocolate! — Outro garoto disse ansioso para comer. — Ei, Alice, qual você acha que é o sabor do bolo?

    — Não ligo para o sabor, se eu quiser, posso comer o sabor que quiser.

    — Verdade, a sua família é dona da mercearia, né? — O garoto moreno perguntou.

    — Mercearia não, su-per-mer-ca-do!

    — Mas ele não é grande para ser super!

    — Para de ser invejoso, Matias! Ele é super sim! — Uma das amigas da loira respondeu irritadiça.

    — Ele é tão pequeno que sou da altura das estantes de produtos!

    — Ei, crianças! Parem de brigar e vamos cantar os parabéns!

    — Sabia que o bolo era de chocolate!

    — Vamos em três, dois, um…

    Após cantarem, todos foram servidos, exceto por Alice que esbanjava um semblante arrogante.

    — Realmente não quer um bolo, querida? — A professora perguntou chateada.

    — Já disse que posso comer o sabor que quero em casa!

    — Querida, foram seus pais que disponibilizaram os ingredientes para o bolo…

    — O QUÊ?!

    — Q-qual é o problema, Alice?

    — N-n-não acredito que eles fizeram… isso! — A garotinha saiu correndo da sala em meio a lágrimas, assustando as outras crianças e ainda mais a professora que correu atrás para pará-la.

    Enquanto comiam, conversavam sobre a reação assustadora da loira. Os meninos zombavam e a chamavam de mesquinha, enquanto as amigas dela a defendiam com unhas e dentes. Depois de um tempo, a professora voltou desesperada para a sala, pedindo para os alunos ajudarem a procurá-la pela cidade. Alice havia sumido.

    A garota, encolhida próxima de uma árvore do bosque, chorava e chorava devido a “traição” que sofreu de seus pais. De repente, sentiu um toque em seus cabelos dourados. Ao virar-se para cima, observou o aniversariante com a boca completamente suja de bolo e um prato com restos do doce.

    — E-eu ia trazer um pedaço para você, mas… estava tão bom que acabei… comendo um pouco no caminho — João começou a chorar após entregar o prato de plástico para a loira.

    Minutos depois, ambos estavam na cachoeira. Alice estava limpando o rosto completamente sujo do garoto enquanto ele observava o rio fluir.

    — Como você é um bebê… Não tem pais para te ensinarem a ser um adulto?

    — M-meus pais morreram num acidente…

    — Ah, desculpa.

    — T-tudo bem, meu avô cuida de mim…

    — Entendi. O que está fazendo aqui no bosque?

    — A professora disse para os alunos te procurarem porque você havia desaparecido.

    — Eles estão me procurando até agora? Que idiotas, haha!

    Na verdade, fui o único que vim te procurar…

    — Ah…

    — Parece que eles não gostam de ti…

    — Hunf, também não gosto deles.

    — Nem das suas amigas?

    — No final, todos são iguais.

    — Como assim?

    — Todos são crianças vazias que não fazem nada além de seguir as ordens de seus pais. Eles não tem sonhos nem pensamentos distantes, por isso que detesto eles.

    — Até eu?

    A loira olhou para o garoto e revirou o rosto rapidamente, escondendo sua vergonha.

    — V-você… nem tanto.

    — Eba!

    — Quer dizer… não gostava de ti também.

    — Ata.

    — Mas, você é como eu, e gosto disso… Além de que, foi o único que veio me procurar, mesmo não tendo falado comigo nenhuma vez… Estava preocupado comigo?

    — Bem…

    — Então, você gosta de mim, não é? Já sabia, mesmo, haha! Todos os garotos gostam de mim, até os que me zombam. No final, é apenas uma arma que usam para tentar me conquis…

    — Queria que você provasse esse bolo.

    — Ahn?

    — É que ele está muito bom, aí trouxe para ti.

    — …

    — Mas acabei comendo ele…

    — Espera, não está aqui porque gosta de mim?

    — Hm…

    — …?

    — Não.

    — …

    — O que foi?

    — HAHAHAHAHAHA!!!

    — Rapaz…

    — Você é muito divertido, João. Gostei de ti.

    — O-obrigado…

    — Já deve saber, mas meu nome é Alice, prazer — a loira o cumprimentou e estendeu a mão, que fora apertada pelo garotinho logo depois.

    — Sou o João Simão, prazer.

    — Acho que seremos ótimos amigos, então, boa sorte para ti, hehe…

    — Ok!

    — Você tem uma inocência tão boa que é acolhedora… E o seu jeito um pouco desligado de tudo te torna fofo…

    — …

    — Pelo menos, foi isso que me deixou apaixonada por você.

    — Obrigado…

    — Não te contei, mas o motivo que quis te trazer para cá é porque queria te fazer lembrar da nossa infância… Te trazer para a realidade novamente.

    — Realidade?

    — João, desde que chegou aqui, tudo o que faz é trabalhar, treinar e dormir, como se estivesse se preparando para algo… Algo que é tão importante que não pode contar para ninguém.

    — …

    — Mas… ao mesmo tempo que faz isso, se perde em suas emoções negativas e pensamentos, começando a beber e a fumar. Isso estava estragando a sua vida.

    — …

    — Após descobrir a situação de onde você morava, me perguntei o tempo todo… Por que treina tanto se no final, sucumbirá a bebidas e charutos?

    — …

    — Refleti sobre isso por um tempo, e acho que descobri o motivo… Do jeito que as coisas estão, nunca serei capaz de te ajudar diretamente, pois você me impede de descobrir o que está acontecendo… mas, posso te dar a resposta para o que tanto te afeta… a resposta sobre ti…

    — Alice…

    — João, você está numa constante batalha dentro de si mesmo. Uma batalha onde um lado quer proteger algo ou alguém, e o outro quer desistir de tudo. Questionando-se se as coisas não seriam melhores se estivesse morto… Você… estava pensando em se matar através das bebidas, não?

    — …

    — Mesmo que ache isso um absurdo, no fundo, uma parte da sua alma queria isso, queria que você desistisse e abandonasse tudo…

    — …

    — Como sua melhor amiga… não posso vê-lo sucumbir assim.

    — …

    — Não consigo imaginar como seria um mundo sem você aqui, João… É por isso que decidi chamá-lo para um encontro, para te salvar…

    — Alice…

    A mulher, esforçando-se para não chorar, deu um forte tapa no rosto do jovem, como se buscasse acordá-lo.

    — João… recomponha-se.

    — Alice…

    — …

    O rapaz abraçou a loira o mais forte possível, deixando-a desconfortável. Mas, mesmo que doesse, Alice não quis soltar-se de lá.

    — Obrigado… Obrigado por tudo. Não lembro de ter te agradecido por tudo o que fez em toda a minha vida.

    — Hehe…

    — Agora, o meu maior inimigo era eu mesmo… Ouvir essas palavras era o que eu precisava para vencer os meus medos e arrependimentos… Muito obrigado.

    — Eu te amo, João, saiba que sempre estarei aqui por ti, como um amor ou como sua melhor amiga.

    — Alice, eu…

    — …

    — Também te amo, Alice.

    Os dois ficaram abraçados por um tempo. Mesmo não sendo o que queria, Alice pode ouvir da pessoa que amava aquilo que tanto almejava.

    Um “eu te amo” amigável.

    Soltando-se do abraço, João rapidamente jogou água no rosto da loira, e ambos começaram a brincar enquanto a lua subia e subia.

    Estava completamente escuro quando os jovens se encontravam na frente do portão da moradia de João.

    — Então, vai fazer isso mesmo?

    — Sim, farei as minhas malas e voltarei para São Paulo.

    — João, você ainda é suspeito do assassinato dos moradores do seu prédio, não acha melhor ficar aqui por mais um tempo?

    — Alice, não quero envolvê-los mais do que já envolvi. Além disso, não posso mais escapar dessa batalha…

    — Se acha que é o ideal, então te apoiarei…

    — Nessa madrugada arrumarei meus pertences. Depois das seis da manhã, não estarei mais aqui.

    — Entendo…

    — Essa pode ser a última vez que te vejo, então… Adeus, Alice.

    — João…

    A loira se aproximou e deu um selinho no rapaz, que ficou avermelhado.

    — Tenho que te beijar pelo menos uma vez na minha vida, hehe…

    — Idiota…

    — Adeus, João, parta com Deus, estarei torcendo por ti.

    — Obrigado, Alice, farei o máximo possível para ficar vivo.

    A loira se despediu e foi embora lentamente, enquanto o rapaz entrava no sítio para se arrumar.

    Quinta-feira — 13 de junho de 1957

    Eram três horas da manhã quando as nuvens nubladas — quase que imperceptíveis devido à escuridão do céu — regavam os campos com uma forte chuva.  João estava prestes a terminar a sua segunda mala, essa que continha as vestimentas do rapaz que, no momento, trajava o seu amado sobretudo.

    Suspirou de cansaço e se sentou na cama para descansar. Mesmo com o corpo malhado, nem ele aguentava manter a coluna curvada por tanto tempo.

    Descansou durante cinco minutos, e quando estava prestes a se levantar…

    Trrrim-trrrim

    — O telefone tocando a essa hora?

    Bom dia, boa tarde e boa noite para quem está lendo isso.

    Para mim, esse pequeno arco dos campos passou a ficar interessante no capítulo anterior, mas como eu sou o escritor, minha opinião não deve valer tanto. Caso vocês prefiram o suspense e o terror ao invés de algo mais slice of life como venho colocando na maioria dos capítulos, a sua hora chegou! Estejam preparados para o próximo capítulo pois ele será bem tocante… eu espero.

    Além disso, esse é o antepenúltimo capítulo do arco (ou seja, tem mais dois antes de começar o próximo). Não lembro se contei a vocês que esse arco ia ser curto, mas se não, estão descobrindo agora ksksks.

    Como sempre, o capítulo teve uma revisão simples e pode sofrer alterações e correções no futuro da obra, então me perdoem caso algum erro tenha passado.

    Sigam a conta oficial da novel no Instagram. Ela está parada mas pretendo voltar com alguns conteúdos e artes: @oradiododiabo

    Até breve!

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