Capítulo 30: Combate I
Antes que qualquer outra palavra fosse dita, João puxou o gatilho. Demonstrou surpresa ao notar a bala sendo repelida de uma maneira anormal, passando longe do inimigo que viria a desaparecer na sua frente.
Assustado, observou ao redor do local o procurando, mas não o encontrou. De repente, recebeu um forte golpe em suas costas, levando-o a colidir com o sofá e o balcão da cozinha.
— Já está fraco? — Perguntou o demônio que arrancava mais páginas de seu livro. — Aparentemente, você não está tão forte como eu esperava.
— Merda…
O jovem se encolhia tentando suportar a dor do baque, visto que esse foi o segundo impacto que fora sofrido na madrugada. Willian o observava sofrer no chão, pensando no quão inútil o rapaz na sua frente era.
Talvez, já era a hora de finalizar João.
— Jovem… sabe que tudo isso seria diferente, não sabe?
— …?! — Ficou surpreso após ouvir a indagação.
— Se tivesse cooperado com o plano, mesmo sabendo dele, todos estaríamos juntos… Sarah continuaria viva e… — dizia Willian demonstrando uma feição arrependida — eu ainda estaria com a Ana.
Aproveitando a diminuição da dor, João se apoiou adequadamente no balcão, escutando os lamentos de seu inimigo.
— Nos encontraríamos no bar da Maria Sangrenta, beberíamos e conversaríamos juntos sobre nossas vidas no Inferno… Tudo poderia ser agradável.
— Willian…
— Pode não parecer, mas… a vida no Inferno é boa.
— Tudo também… — falava em meio a arfadas e gemidos de dor — seria diferente se… não fossem demônios…
— Seria impossível, pois foi esse fator que levou ao nosso encontro.
— Ainda assim… se o destino quisesse… poderíamos viver juntos como humanos…
— O que te leva a pensar que “poderíamos viver juntos como humanos”?
— Sarah… — cortou a frase cuspindo um pouco de sangue — Sarah me contou sobre… os rituais…
Willian ficou surpreso depois da confissão do rapaz, que continuava falando:
— Ela e Ana fizeram rituais… para se tornarem… demônios… Você e Gabriel também fizeram… não fizeram?
O silêncio tomou o recinto por um breve momento.
— Como não… são cínicos como Caio… todos os quatro… eram humanos…
— Hahahaha! — Gargalhou o dono do livro em seguida. — Aquela desgraçada lhe contou muitas coisas antes de morrer, hein?
— …
— Convenhamos, João, não está sendo otimista demais para crer que Gabriel já foi um humano antes? O homem que sempre buscou nos diminuir e que, até nos seus atos “bondosos”, havia um pouco de arrogância. Não… ele não era um humano antes…
Willian encarou a sala por completo e, inesperadamente, caminhou até a estante repleta de livros. Passando o dedo por todos como se estivesse lendo os seus nomes, voltou a falar:
— Se Sarah lhe contou sobre os rituais, deve ter lhe contado o motivo deles acontecerem…
— Ela fez… o ritual dela… para reviver a família…
— Sim.
— Você… fez o mesmo?
O demônio subitamente voltou a encarar João, que ainda buscava se acostumar com a dor do primeiro ataque.
— Não entenderia o meu motivo para eu me tornar um demônio, jovem.
— Eu entenderia… — respondeu João após finalmente colocar as mãos em seu revólver caído no chão — Após tudo… o que aconteceu comigo… eu entenderia…
— Hum.
— Mas… não seria estúpido… o suficiente para… fazer um ritual idiota…
Com uma risada irônica, Willian se aproximou do rapaz caído no chão. Levantou sua cabeça pelo queixo usando os dedos, obrigando-o a encará-lo.
— Estúpido, né? Não sabe o que passei para chegar até aqui.
— Você é fraco, Willian.
— Está querendo dizer que Sarah também era fraca?
— Ela era uma criança, mas você…
— Estou cheio de suas suposições… — disse pegando João pelas bochechas e apertando-as. — Não disse que iria acabar logo com as coisas aqui? Deveria se apressar para não ser pego.
O demônio deu um pequeno sorriso e golpeou o jovem com um soco na barriga. O ataque foi tão forte que, tanto o balcão quanto os outros móveis da cozinha e a parede não foram páreos para parar João, que saiu voando para fora do sítio junto com os estilhaços.
Caiu na grama do quintal cuspindo muito sangue. Seus órgãos internos estavam destruídos e era quase impossível se mover naquela situação. Na cabeça de João, apenas uma informação era compreendida:
“Eu vou morrer.”
— Para sua sorte, o seu sítio é distante das outras moradias da cidade, Ninguém virá para o seu resgate — Willian falou caminhando para fora da casa de madeira.
Seu sangue não parava de cair pela boca, e tudo o que era possível fazer naquele momento era escutar as frases amedrontadoras de Willian:
— Parece que não é capaz de responder, não é, João? Hahahaha!
— …
— Não fique assustado, quando tudo isso acabar, você se encontrará com a Sarah no pós-vida. Viverão numa pequena cabana felizes e juntos, talvez com um filho se preferirem, e felizes para sempre.
João — ainda caído na grama — encarava com ódio o homem que caminhava até ele.
— Ah, talvez isso não seja possível, pois Sarah deve ter voltado para o Inferno após a sua morte. Será que Deus aceitaria alguém que fez um ritual satânico no céu? Acho que não.
— …
— Não fique com raiva, João! Você pode passar o seu pós-vida com a sua amiga de infância, ela sim não fez nada de ruim enquanto estava viva. — Parou por um tempo pensando em quais coisas poderia dizer para irritar mais ainda o jovem machucado. — Bem, a não ser morrer na frente da pessoa que amava… HAHAHAHAHAHA!!!
— Maldito…
— Que ingênua… portava como uma pessoa extrovertida mas, no fim, não era capaz de se confessar para um ser humano patético como você.
— Ana…
— O quê?
— E… se fosse… a Ana…?
— Ana?
— Se tivesse… perdido a Ana… me entenderia… não?
— …
João se pôs de joelhos, ainda se recuperando das dores que obteve, e se virou para o dono do livro.
— Se Ana… tivesse morrido… na sua… frente…
— Por quê?
— …?
— POR QUE CONTINUA FALANDO DELA, SEU DESGRAÇADO?!
Surpreso, João instintivamente pegou o revólver e atirou mais uma vez, mas devido a sua lentidão, Willian pressupôs que iria fazer isso e saiu da mira sem qualquer dificuldade, desviando-se do tiro.
Antes que pudesse fazer algo, recebeu um chute no estômago que o lançou até uma árvore.
“Eu… não posso… morrer…”
Com sorte, João ainda estava com o revólver em mãos, e decidiu atirar no adversário, que — como havia feito na primeira vez — desviou o caminho das balas de maneira impressionante.
— Mesmo com a sua evolução, bater em você continua igual a chutar um cachorro morto. Estou decepcionado contigo, rapaz.
O jovem de sobretudo mirou pela terceira vez. De forma impressionante, mirou com exatidão no homem que caminhava até ele. Mesmo que a chance do tiro não atingi-lo fosse grande, esse era o único momento onde João teria a possibilidade de matar Willian.
Com foco, João suspirou e apertou o gatilho.
.
.
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Tic… Tic, tic… tic, tic, tic… tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic…
— Parece desesperado, João — o demônio zombou. — Teve alguma surpresa agradável?
Willian continuou a caminhar em direção ao rapaz que desesperadamente apertava o gatilho da arma.
Mas nada acontecia.
O revólver estava descarregado.
Antes que pudesse pegar as munições de seu bolso, se viu levantado vorazmente pelo homem que deveria matar.
— É… pelo visto, meu trabalho aqui está concluído.
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