Erguido no ar, nenhuma ação de João era capaz de livrá-lo daquela situação. Sua respiração cessava aos poucos e sua visão embaçava. O fim dele estava chegando.

    — Sabe, João… — dizia Willian com um pequeno sorriso de canto e um olhar amedrontador — por mais que eu me sinta mal por ter que fazer isso, ao mesmo tempo, me traz uma sensação boa. Um prazer tão grande que nunca fui capaz de sentir em toda a minha vida como humano me preenche a cada segundo que encaro o seu rosto nojento e sujo…

    — Filho… da…

    — Relaxe, relaxe — Willian sacudiu o corpo de João, atingido a árvore atrás do mesmo — ainda não terminei de falar.

    — …

    — Tente se manter vivo enquanto estou falando contigo — mandou o homem, vendo o humano perdendo sua vida aos poucos. Essa sensação que sinto agora se deve por conviver como demônio por muito tempo, entende?

    — …

    — Quando se vive muito tempo no Inferno, sua mentalidade muda. Eu te disse, não? Que a aura de lá tornam os demônios em seres selvagens e violentos Talvez, o mesmo esteja acontecendo comigo…

    “Esse desgraçado… prometi que iria me vingar deles… não posso morrer agora, mas…”

    Os olhos do rapaz ferido se fechavam lentamente e seus membros se tornavam dormentes. Aparentemente, seu corpo já havia aceitado o fim.

    Nesse meio-tempo, Willian fazia um monólogo sobre como era ser um demônio, que era ignorado pelo homem prestes a morrer.

    Como último ato, tudo o que João pode fazer foi cuspir o pouco de saliva — misturada com sangue — no paletó azul marinho que o demônio tanto usava.

    — Então, tem forças para fazer isso, né?

    — Vai… a… merda…

    — Hum… — encarava o rapaz morrendo em sua frente — Acha que deixarei você sair por cima? Moleque…

    Surpreendentemente, João foi solto, caindo no chão enquanto recuperava vagamente todos os seus sentidos. 

    — Acho que mudei de ideia… vim aqui para ter diversão, e é o que terei. Me divertirei contigo até que eu me canse.

    Willian se abaixou observando o arfar incessante do jovem, que o olhava com desprezo. Ficou assim por alguns segundos, quando de repente mostrou um semblante impressionado, como se tivesse tido uma ideia.

    — Já sei o que posso fazer. Você é canhoto ou destro?

    — O-o…quê?

    — Pela forma que mirou com o revólver, deve ser destro…

    — …?

    — O que você acharia se eu… — o dono do livro perguntou com um grande sorriso no rosto — quebrasse o seu outro braço?

    — …!

    Willian agarrou o pulso do membro quebrado do jovem e o ergueu rapidamente, gerando uma dor descomunal em João, que segurava o seu grito de dor ao máximo para não atrair a atenção dos vizinhos.

    — Antes, preciso analisar o seu braço machucado, afinal, quero deixá-los iguaizinhos… Como foi que Ronaldo quebrou ele? — Perguntou esticando-o fortemente, gerando mais um pico de dor no jovem.

    — Argh… — João gemia mordendo os lábios, fazendo com que eles sangrassem..

    — O que foi? Não é capaz de me responder? Que tal se eu fizer um favor para ti e consertar esse braço, então?

    — A-ai…

    — Para o seu azar, seria a minha primeira vez colocando um no lugar, poderia eu fazer da maneira errada? Hahahaha!

    — S-seu… p-por que você é… assim?

    — Não ouviu o que eu disse anteriormente? Preciso arrumar a sua audição, também?

    — …

    — Eu sou um demônio agora, João! Nós sentimos prazer em causar dor, e sempre que pudermos, vamos saciar a nossa vontade, não importa o que precisamos fazer.

    — S-se Ana…

    — …?

    — Se ela visse… você assim… sentiria nojo…

    — Seu verme.

    — O-o… — João não compreendia o motivo de Willian ficar tão irritado ao ouvir o nome da loira da emissora.

    — Por quê é incapaz de tirar o nome dela da sua boca asquerosa?! Acha que sentirei pena se lembrar daquela puta enquanto estou te matando?!

    — …!

    — No final, nada do que eu fizer aqui importará. Ainda voltarei para o Inferno, a consolarei enquanto estiver chorando no meu ombro, e brincarei com ela à noi…

    O ser, descontrolado devido às perguntas de João, foi interrompido com uma coronhada na cabeça. Caiu no chão mas logo se recompôs, notando a fuga do jovem em seguida.

    “Não sei como, mas ainda estou vivo… Ele não pode me pegar agora…”

    — Seu filho da puta, acha que pode correr de mim?!

    “Depois das coisas que falou, ele definitivamente não é o Willian de antes… Willian não diria essas coisas de Ana…”

    João virou para trás e notou o demônio com um grande arco e flecha que estava apontado para ele. Rapidamente, escondeu-se atrás de uma árvore que, segundos depois, foi atingida. 

    “As folhas que ele arrancou antes sumiram… E esse arco apareceu do nada… essas coisas devem estar envolvidas, com certeza.”

    — Qual desgraçado leva apenas uma flecha para uma guerra medieval?! — o ser rosnou passando as páginas de seu livro e arrancando uma logo depois. — Isso daqui está bom.

    “Minha espingarda está lá dentro, e não terei tempo para recarregar o revólver… Tive uma ideia, preciso ir para o celeiro!”

    Correu para o local, entrando e trancando-o em seguida. Após isso, com os resquícios de força que tinha, colocou o máximo de caixas e objetos possíveis na frente da entrada para que o inimigo não pudesse entrar.

    Observou os arredores do celeiro e, como se tivesse um plano preparado, pensou:

    “Sim, essas coisas são o bastante, mas preciso fazer rápido.”

    ⁂ 

    Junto dos policiais, médicos e moradores que rodeavam a casa invadida, havia um detetive. Detetive esse que, como hobby e vício, pesquisava sobre o paranormal.

    — É, isso daqui com certeza é obra do paranormal…

    — O que disse, Thomaz? — Perguntou um policial que o encarava de longe.

    — Nada não, nada não…

    — O que está fazendo aí olhando os corpos? Não deveria interrogar os moradores?

    Thomaz se levantou e caminhou até o policial, colocando a mão em seus ombros.

    — O trabalho de um detetive é investigar o local do crime, isso inclui os corpos.

    — Deixe isso para a medicina forense.

    — Não enche o saco — esbravejou o detetive caminhando até os vizinhos das vítimas.

    Todos daquela pequena região estavam chorando. Por não estarem acostumados com a morte de conhecidos, sempre ficavam abatidos com uma situação do tipo. O que tornava tudo mais caótico era o fato das mortes terem sido causadas por um assassino, algo que nunca aconteceu antes.

    Thomaz se aproximou de um homem alto e moreno chorando ininterruptamente, enquanto seus parentes tentavam o acalmar.

    — E-e-eu não acredito… que ela morreu…

    — Boa noite, senhores, gostaria de interrogá-los por alguns minutos.

    — Não está vendo que estamos abalados? Saia daqui!

    — Ei, ei, ei, não fui eu quem matei essas pessoas não, viu?! Posso, pelo menos, fazer perguntas ao rapaz chorão?

    — Olha como você trata o meu filho! — uma senhora idosa agrediu o detetive com sua bengala de madeira.

    — Ai, ai! É o meu trabalho, velha!

    — Ora, seu!

    — P-por que ela teve que morrer, Senhor?! Por quê?!

    — Licença, meu caro, conhecia alguma dessas vítimas?

    — A-Alice era… eu… e-eu amava ela!

    — Rapaz…

    “Acho que o Romeu perdeu a sua Julieta… Olha, essa é boa para contar para os meus colegas, hahaha!”

    Thomaz puxou o seu bloco de notas do bolso e passou a escrever o que havia pensado segundos antes.

    — Continue falando, jovem.

    — E-ela morreu e e-eu… não pude sair com ela n-nenhuma vez!

    — Espera, vocês não eram namorados?

    — Óbvio que não! Ela só tinha olhos para o morto-vivo do João! — Gritou o moreno enraivecido.

    — Eita… Poderia me informar quem é esse tal de João?

    — João Simão… era o melhor amigo dela da escola… Desde que ele voltou após aquele incidente em São Paulo, tudo o que ela dizia era “João, João e João”! 

    — …

    — Aaaaargh! O que ele tem que eu não tenho?!

    — Um nome chamativo, talvez.

    O homem moreno encarou o detetive com raiva e o ameaçou caso não saísse de lá. Com a fuga de Thomaz do local, seus parentes o acalmaram:

    — Calma, Mathias, ele já foi embora!

    Após algum tempo interrogando os moradores da pequena cidade, o detetive caminhou até o chefe da polícia que estava no interior da casa.

    — E aí? O que descobriu?

    — Descobri que os moradores dessa cidade são bem mal-educados.

    — Deixa de ser idiota. Me conte o que tem de importante.

    — Certo. Há alguns boatos rolando entre eles dizendo que algum assassino desconhecido matou as mulheres da família, gerando rancor no pai de família que se vingou e fugiu.

    — Hum… 

    — Alguns poucos acusaram João Simão, um dos moradores da cidade que voltou para cá recentemente. Ele também é o…

    — Sim, o homem que foi inocentado do crime do apartamento. Quem diria que ele fugiria para cá.

    — Esses acusadores disseram que, assim como fez na cidade, foi ele quem matou Alice e Neide, mas a maioria disse que não faria sentido isso, visto que ele era um amor de pessoa e melhor amigo da jovem.

    — Argumento raso, já que ele poderia ter matado a mulher que lhe abrigava em São Paulo.

    — Mas ele não matou, certo?

    — …Acha que ele é inocente?

    — Não, mas acho que há outra coisa envolvida com esse crime.

    — Não comece com esses papos de maluco novamente…

    — Convenhamos, chefe. Os médicos não foram capazes de detectar quem era o assassino devido ao seu corpo extravagantemente feio. Além disso, a forma que todos morreram foi bem diferente do comum.

    — Sim…

    — Obviamente, o paranormal está envolvido nisso!

    — Você tem 30 anos na cara e acredita nessas asneiras? Como se tornou detetive?

    — Uma coisa não tem nada a ver com a outra!

    — Pois deveria.

    Refletiram por um momento. Thomaz ofereceu um cigarro para o chefe que aceitou rapidamente, acendendo-o junto com o do companheiro.

    — O que faremos? — perguntou o detetive.

    — Sabe onde esse João Simão está morando? Faremos uma visitinha a ele.

    — Certo, certo. Mas já digo que prendê-lo não fará diferença, pois tudo isso é culpa do paranormal. — Brincou o detetive que recebeu nada mais do que um suspiro cansado do chefe.

    Ao se virarem para sair da casa destruída, ouviram diversos disparos no topo da pequena cidade. Thomaz e o chefe da polícia correram para fora ver o que estava acontecendo, e a primeira coisa que puderam ouvir foi:

    — Por que João está treinando tiro agora?

    Ambos se encararam e imediatamente, o chefe gritou:

    — Homens, venham comigo!

    João se encontrava no fundo do celeiro, sendo encarado por Willian armado com uma espada medieval.

    — Quais são as suas últimas palavras, jovem?

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