Capítulo 32: Combate III
O silêncio mais uma vez tomava conta do recinto, mantendo nada mais do que uma tensão extravagante gerada pela pergunta do demônio, que caminhava vagarosamente até a direção do rapaz descansando próximo dos fenos. Parou os passos ao observar um sorriso na feição do jovem, que mirou com o revólver para cima.
— Vá para o Inferno.
— O que pretende fa… — foi interrompido com o disparo de João, causando um furdúncio dentro do local graças aos sustos dos animais que ali descansavam.
Os animais — algumas vacas e bois que eram cuidadas pelo homem — saiam de seus confinamentos mugindo e correndo buscando uma fuga de tal perigo. Por não ter dado atenção aos arredores, Willian não notou que todas as portinholas das áreas de repouso estavam abertas, permitindo que os bichos pudessem correr livremente por lá.
— Hahahahaha… então, desistiu de fugir da cidade silenciosamente, não é? O que fará se eles vierem para cá?
Willian avançava lentamente cortando qualquer bovino que adentrasse em seu caminho. Com cortes profundos, eles caíam um por um no chão sem demonstrar qualquer sinal de vida.
— Entenda, João… assassiná-los não saciará minha vontade de matar. Eu quero matar você.
Continuou assim por alguns segundos até que finalmente todos os animais estivessem caídos mortos e abertos. Willian observou sua espada medieval desaparecendo lentamente, e após um suspiro de decepção, disse:
— É, conseguiu roubar mais do meu tempo, jo…
— Você fala demais.
— O que quer di… — Willian encarou João e se assustou com o que via.
O rapaz aproveitou o caos gerado pelos animais para se arrumar adequadamente no chão. Quando todos estavam caídos, João se posicionou deitado entre os fenos e mirou cautelosamente com o rifle no crânio do demônio, para que pudesse matá-lo com um único tiro.
Quando Willian notou, era tarde demais.
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João escapou por um buraco que havia feito na parede do celeiro. Havia o escondido com o restante dos fenos que jaziam nas proximidades. Cambaleando para fora de sua moradia, pensava num jeito de escapar dali sem ser notado pelos vizinhos.
Sentia muitas dores, mas estava feliz pois, mesmo após ter apanhado tanto, foi capaz de matar o seu inimigo.
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Era o que ele pensava.
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Willian estava caído no chão junto dos seres que havia matado. Com um buraco na cabeça, parecia que ali era o seu fim.
Mas não seria assim.
O homem que, até aquele momento, parecia nada mais do que apenas um cadáver, passou a se transformar como Sarah havia feito meses antes.
Sua pele, que antes tinha a cor de chocolate, tornava-se escura como a noite; pelos dourados nasciam em todo o seu corpo cobrindo-o, principalmente ao redor de sua cabeça, como se uma juba se formasse; asas brancas e gigantes como as nuvens num dia de verão rasgavam as roupas que usava e chifres também dourados apareciam no topo de seu crânio demonstrando que aquela seria a sua real forma demoníaca.
Aquele ser que havia deixado de ser Willian se levantou, rasgou suas roupas e se virou para o buraco de fuga feito por João.
Antes que fizesse qualquer outra coisa, utilizou toda a força guardada em seu interior para rugir. Tal rugido foi tão potente e assustador que gerou tremores no celeiro e nos animais mortos, além de ter sido facilmente escutado por todas as pessoas próximas da região.
⁂
João sentiu o rugido atravessar o seu corpo, gerando um espanto nunca antes sentido em sua vida.
Virou-se para trás buscando entender o que estava acontecendo e, rapidamente, notou algo atravessando o telhado do celeiro e cortando os céus.
Ao notar o que era, voltou a correr o máximo que podia para que não fosse pego. João sabia que aquilo não era mais Willian.
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Vapula acordou.
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“Preciso voltar para a floresta antes que as pessoas notem a presença dele… Eu… me perdoem, pessoal, eu arrisquei a vida de todos vocês… Por favor, não venham para cá…”
Continuava a correr pelos cantos da cidade implorando para que ninguém percebesse ele ou Vapula, que o seguia pelo ar.
O demônio arrancou mais páginas do livro e recitou algumas palavras em um dialeto desconhecido.
Enquanto isso, João corria como se estivesse numa maratona, sem olhar para trás e saber o que poderia lhe atingir pelas costas. Pensava que, se fizesse isso, seria tarde demais para tomar qualquer outra atitude.
Então correu, correu e correu. Correu até que seus pulmões implorassem por descanso, e mesmo assim, não parou.
Nunca em sua vida sentiu tanto medo e apego pela sobrevivência quanto naquele momento. Era como se Ronaldo e Naamah fossem meros brinquedos perto da presença de Vapula, uma verdadeira máquina de assassinato.
Quando toda a situação já estava ruim, tornou-se pior. Em meio a fuga, João ouviu diversos barulhos caminhando em sua direção. Fora notado pelos seus vizinhos e outras pessoas que corriam até lá.
Como se o destino tivesse selado o encontro de todos, João se deparou com os moradores da cidade e uma equipe policial. A maioria estava armada, mas era possível notar a presença de mulheres e crianças assustadas e curiosas para saber o que estava acontecendo.
— João — gritou o chefe de polícia — coloque as mãos na cabeça e pare de fugir! Você será levado para a…
— FUJAM!!!
— O quê?!
Mesmo com o aviso de João, todos o ignoraram e continuaram a se aproximar. O jovem implorava para que eles se abrigassem ou fugissem dali, mas ninguém lhe deu ouvidos.
— João, o que está acontecendo?!
— Por que você está ensanguentado?!
— Mataram a Alice e a Neide!
— Pare de correr, senão teremos que atirar no senhor!
— EU LHES IMPLORO, CORRAM DAQUI!!!
Antes que qualquer outra palavra fosse dita, todos ouviram milhares de barulhos cortando o ar e vindo em suas direções. Devido a escuridão, a visibilidade de todo mundo foi afetada e ninguém havia descoberto o que era aquele som estranho.
Notaram quando, em questão de segundos, um policial caiu no chão com uma flecha atravessando seu crânio, completamente morto.
— F-flecha? De onde elas vie… — um vizinho questionava até ter sua cabeça também atingida e morrer ali mesmo.
— Flechas estão caindo do céu! Escondam-se!
A pequena população entrou em desespero e, tal qual os animais do celeiro de João, corriam como baratas tontas buscando ao máximo um meio de sobreviver.
João, escondido atrás de uma árvore, percebeu o que estava acontecendo: uma chuva de flechas invocadas por Vapula caíam acertando os moradores um por um.
A chuva durou menos de dois minutos, mas seu estrago foi gigantesco. Homens, mulheres, crianças, idosos, policiais e médicos caídos sem qualquer resquício de vida no chão. Um mar de sangue foi criado na pequena cidade e, mais uma vez, tudo foi culpa de João.
“De novo, de novo, de novo, de novo!”
João agarrava seus cabelos com força e batia suas mãos em sua cabeça. Sabia que aquele plano envolvia diversos inocentes, mas precisou colocar a sua vida em primeiro lugar para que pudesse derrotar os demônios futuramente.
Ainda assim, sua consciência pesava mais e mais.
De todas as pessoas que estavam lá fora, apenas algumas sobreviveram à chuva de flechas que cobriu a região por um momento. Entre elas, João, o chefe da polícia e o detetive foram os que notaram a presença do ser voando lá no céu.
— Mas que porra é aquela?!
— EU SABIA!!! EU SABIA QUE O PARANORMAL EXISTIA!!!
— Cala a boca, Thomas! Estamos numa situação de vida ou morte! Precisamos pará-lo!
— Agora você acredita em mim?!
— Isso não importa agora! Temos que prender este ser e o João!
— Será impossível, aquele bicho voa, hahahahahaha! E a sua equipe policial morreu todinha!
— Você é cínico?! Como pode estar rindo de uma situação dessas?!
— Enquanto você reclama, ambos estão fugindo mais uma vez!
— Merda! Eu irei atrás deles, vá chamar reforços!
— Não.
— O QUÊ?!
— Não tenho o aval para pedir uma equipe policial, você deve fazer isso e esperá-los aqui.
— Filho da puta… está certo. Então, vá atrás deles!
— Eu faria isso você querendo ou não! — Thomas sorriu e partiu na perseguição de João e Vapula.
Passou-se um tempo até que o rapaz ferido finalmente chegasse à floresta. Conhecendo aquele lugar como a palma de sua mão, sabia que tinha toda a vantagem para derrotar Vapula.
“Certo… será aqui que eu darei o xeque-mate nele… Esse desgraçado…”
João caiu de joelhos no chão cansado da fadiga. Entendia que não podia demorar nem mais um segundo, mas seu corpo não o obedecia.
— Merda… estou fraco…
De repente, ouviu mais um rugido vindo dos céus. Com toda a força que lhe restava, levantou-se.
“Não, João… as coisas não podem acabar aqui…”
Minutos se passaram até Vapula adentrar na floresta. Ao pousar no chão, notou-se perdido em meio aquela vastidão de árvores, e rugiu mais uma vez.
As árvores tremiam, as folhas balançavam, mas nenhum sinal de João fora captado.
Observava ao redor até ouvir um barulho suspeito. Olhando na direção do som, sentiu uma bala atingindo seu braço, atravessando-o e caindo no chão.
— Me diga… me diga onde você está, humano…
Outro disparo foi ouvido, dessa vez, atingindo o outro braço do demônio com aparência felina.
— Seu verme… quando eu te achar… eu…
Mais um disparo ocorreu, atingindo o pé de Vapula.
— Você só tem três balas agora… acha que sairá vivo daqui?
A quarta bala veio, atingindo seu peito.
O ser arrancou mais duas páginas do livro e recitou o que havia escrito numa delas. Mesmo com o sumiço da página lida, nada parecia ter acontecido.
— Quando atirar mais uma vez, irei até ti e te cortarei em pedaços.
Como esperava, o quinto tiro veio, acertando a cabeça de Vapula. Graças ao tiro, o demônio demorou milissegundos antes que pudesse agir, mas logo se recompôs e voou até o local de onde a bala foi disparada.
— Te achei!
Vapula atravessou sua mão pelo tecido da roupa, e ao olhar, notou apenas a camiseta manchada de sangue do jovem, que continuava escondido em algum lugar.
Pousou no chão mais uma vez e, repentinamente, começou a gargalhar.
— Está me fazendo de idiota, não é? Quando acabar contigo, voltarei para a cidade para dilacerar o resto daqueles humanos nojentos. Como se sente sabendo que milhares de vidas estarão nas suas costas, João?
O silêncio residiu em meio às árvores, e Vapula voltou a falar.
— Se está escondido entre as árvores, tudo o que preciso fazer é acabar com elas, não é?
Pegou a outra página que havia rasgado anteriormente e recitou as palavras dela. O papel queimou, gerando no lugar uma grande bola de fogo nas mãos do demônio, como se fosse uma magia. Em seguida, lançou as bolas por todos os cantos, gerando um incêndio nunca antes visto.
Com o trajeto aberto para Vapula, caminhou lentamente em meio àquelas chamas ardentes que o rodeavam, até notar João fugindo entre as árvores que não foram queimadas, e voltou a persegui-lo.
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Vapula finalmente se encontrou com João. Desta vez, ambos estavam próximos da cachoeira onde o rapaz brincava com Alice.
— Com esse incêndio, você acaba de destruir mais uma coisa preciosa para mim.
— Não se preocupe, irei te matar logo, logo.
— …
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