Capítulo 33: Combate IV
— Não adianta mais fugir, rapaz, esta brincadeira de gato e rato acabou.
— Sim, eu sei.
As labaredas ao redor dos dois queimavam tudo ao redor. Árvore por árvore era incendiada e perdia toda a beleza que um dia já teve, tornando-se nada mais do que cinzas mortas que, aos poucos, cobriam o céu prestes a amanhecer daquela pequena cidade.
João observava lamentavelmente tudo o que um dia existiu ruir na sua frente. Alice, Neide, Ronaldo, seus vizinhos, sua terra natal.
Tudo foi destruído pelo homem à sua frente.
Por algum motivo, Vapula não havia começado o seu embate final com o jovem, parecendo respeitar seus “últimos momentos”.
— Receber o baque de todas essas situações foi forte, não é?
— Quando se tornou empático? — O jovem perguntou após rir ironicamente.
— Pensa que demônios não têm empatia?
— Preciso responder?
O demônio sorriu.
— Por que você não chora?
— Não me permitirei chorar enquanto estiver vivo, ou melhor… — calou-se o rapaz voltando a encarar o cenário à sua volta — enquanto eu não terminar o meu trabalho.
— Tentando manter uma boa aparência antes de morrer? Vamos, não te julgarei por desabar em lágrimas aqui e, se quiser, tornarei sua morte indolor.
— …
— João, o que te leva a crer que sairá vivo daqui? Você tem apenas uma bala.
— Eu sei…
— Jovem, em todo lugar que você olha, consegue notar algo que perdeu para sempre. Acha que isso aqui é um sonho e que acordará depois? Essa floresta, seus vizinhos, Alice… Não irão voltar.
— Eu sei.
— Então por que insistir? Vamos encerrar logo com isso.
— …
— Caso desista, sairei daqui sem tocar nas outras pessoas, que tal?
— …
— Senão, matarei os outros sobreviventes da cidade e apagarei ela do mapa.
— Se fizer isso, descobrirão que algo anormal está acontecendo aqui.
— E o que eles poderão fazer?
João se calou mais uma vez, ouvindo posteriormente a gargalhada amedrontadora de Vapula.
— Por que estão fazendo isso?
— Porque somos assim, eu já te disse isso.
— Você… sacrificaria a Ana em prol de poder?
— Quantas vezes preciso lhe dizer? Não adianta falar dela agora, isso não me fará mudar de ideia.
— Não perguntei para ti… — João passou a encarar nos olhos de Vapula. — Perguntei para Willian. Você sacrificaria a Ana em prol de poder? Abandonaria tudo o que viveu com ela por isso?
— …
Nada além das chamas eram ouvidas ali, perto da cachoeira. O silêncio de ambos tomou conta como se esperassem alguma reação diferente vindo do demônio, que permaneceu quieto.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!! Ele já não está mais aqui.
— Eu ainda acredito nele — disse o jovem levantando o revólver. — Ele não desistirá tão fácil dela assim.
— Acha que permitirei? Moleque insolente. — completou Vapula arrancando mais uma página de seu livro.
Após isso, recitou a frase dela e criou mais três magias elementais: fogo, água e terra, lançando-as no jovem armado. João aproveitou as árvores ainda vivas para usá-las como escudo e decidiu avançar.
Vapula passava as páginas restantes do livro o mais rápido possível para arrancar as páginas corretas. Era impressionante o fato de que ele sabia exatamente quais páginas arrancar para conseguir o que queria, como se tivesse decorado todo aquele conteúdo por completo, Quando finalmente achou as páginas, seguiu o mesmo processo anterior, gerando mais e mais magias elementais que eram disparadas em João.
Mesmo com sua velocidade admirável, as magias não eram rápidas o suficiente para atingir o jovem, que continuava usando as árvores e pedras ao seu redor como escudo. Isso deixou o demônio frustrado, fazendo-o passar as páginas mais uma vez.
— Maldito, preciso de uma magia para arrancar essas árvores. Já sei, essa daqui é perfeita!
Vapula arrancou a página e começou a recitar o verso dela, mas na tentativa de procurar o seu alvo, notou-o agachado e atrás do seu livro. Mesmo que fosse possível achá-lo, o livro era um ponto cego na visão do demônio, que recebeu um tiro de espingarda em seu peito e voou até uma árvore.
Em contrapartida, por ter atirado com um braço só, o recuo foi forte o bastante para deslocar o seu braço esquerdo, tornando-o inútil também.
João, caído no chão, tentava se reerguer dali mesmo que estivesse sofrendo. Enquanto isso, Vapula se levantava do chão, curando o seu peito atingido pelas balas da espingarda.
— Onde você guardou essa espingarda, maldito? — perguntou caminhando vagarosamente até o rapaz. — Pelo menos salvei o livro a tempo…
Ao se aproximar, arrancou mais uma página e criou um machado em sua mão. Naquele momento, Vapula já estava preparado para matar João.
— Arrancarei sua cabeça com isso daqui, reze para que consiga num corte, seu verme.
João se esforçava ao máximo, mas estava impossibilitado de se levantar. Tudo o que pôde fazer naquele momento era se rastejar como um inseto pelo chão, buscando alguma fuga.
— Diga adeus para este mundo, João.
Numa tentativa inútil, João começou a gritar:
— WILLIAN, SEI QUE PODE ME OUVIR DAÍ DE DENTRO, O MESMO ACONTECEU COM SARAH!!!
— O que está fazendo?
— MESMO QUE SEU OBJETIVO SEJA ME MATAR, VOCÊ É QUEM DEVERIA FAZER ISSO, NÃO ELE!!!
— Está falando demais, garoto. Irei começar pelas suas pernas.
— LEMBRE-SE DA ANA, ELA ODIARIA VER VOCÊ DESSE JEITO, ENTÃO VOLTE!!!
— Tarde demais.
Vapula ergueu a mão com o machado para o céu e atacou o rapaz caído no chão em seguida.
.
.
.
.
.
⁂
— Pessoal, conheçam o Willian, ele é o novo integrante da emissora! — Caio apresentou-o com o seu braço ao redor dos ombros do homem.
— Bem-vindo, Willian. — Gabriel cumprimentou arrogantemente.
— Obrigado. — respondeu encarando o chão com sua face depressiva.
— Nossa, esse vai ser o clima da emissora agora? Poderia tratá-lo com respeito, não é, Gabriel?
— Não me importo.
— Ele veio fazer o ritual…
Gabriel se levantou e se aproximou do novato, estendendo a mão para um cumprimento mais adequado.
— Então, seja bem-vindo, Willian.
— …
Gabriel o encarou e puxou Caio de canto em seguida.
— É um humano mesmo? Parece um defunto.
— Ele sofreu uma perda horrível, considere isso.
— Entendi… os seres humanos são fracos, né?
— Cale a boca e vá apresentar a emissora para ele.
— Nessa bagunça?
— Vocês não disseram que iam arrumá-la para ele?!
— Ana estava fazendo isso… aliás, cadê e… — Gabriel foi interrompido.
— BEM-VINDO!
—O quê?
Willian olhou para a escada de relance, notando a presença da loira descendo cada degrau apressadamente e se aproximando.
— Meu nome é Ana, prazer!
— Obrigado.
— …
Todos ficaram calados por alguns segundos, até que Ana, de uma forma assustadora, aplicou um mata-leão no novo membro.
— ANA, O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?!
— A-a-alguém m-me…
— VOCÊ NÃO SABE CUMPRIMENTAR UMA DAMA DIREITO?!
.
.
.
Todos estavam sentados no centro do primeiro andar, ainda bagunçado das caixas de mudanças.
— Mil perdões, Willian, não sabia que estava vivendo um momento ruim!
— Tudo bem… — respondeu em meio a arfadas por ter sido enforcado minutos antes.
— Então, você é o novo membro que vai fazer o ritual, não é?
— Sim.
— Por quê?
— Eu… não quero falar disso.
— Ele ainda está de luto, Ana.
— Ah…
Willian voltou a encarar o chão deprimidamente, como se pensasse em algo que perdeu.
De repente, a loira se aproximou dele e o abraçou sem que o mesmo a percebesse, dando um susto.
— O-o quê?
— Se precisar desabafar, conte comigo…
— …
Ana se colocou frente a frente com Willian e sorriu.
— Espero que sejamos ótimos companheiros!
⁂
Vapula desferiu o golpe em João, mas antes que acertasse, titubeou.
— O que… o que está acontecendo?
Levantou o braço de novo e tentou atacar mais uma vez, porém cessou no meio do caminho.
— Desgraçado… O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, WILLIAN?!
João encarou para o demônio e notou algo estranho: aparentemente, Vapula estava impossibilitado de atacar o humano, como se alguém estivesse o segurando, e esse alguém deveria ser Willian, lutando pela posse do corpo.
— SEU MALDITO, PRECISAMOS MATÁ-LO, NÃO PRECISAMOS?! DEIXE EU COMPLETAR O SERVIÇO!!
João aproveitou o momento para puxar o revólver guardado no bolso de sua calça.
— AAAAARGH, PARE COM ISSO, O SEU CORPO JÁ É MEU! VOLTE PARA A SUA INSIGNIFICÂNCIA, SEU LI…
Um disparo foi ouvido.
.
.
.
Vapula pouco a pouco perdia a sua aparência, retornando ao que uma vez foi Willian.
— C-como… como você…
Mirou sua visão para a sua mão direita, e notou um buraco no centro do livro. Segundos depois, pela falta de força do demônio, o livro caiu no chão, revelando um buraco em sua mão sobrepondo sua mancha negra.
Vapula, sumindo lentamente do corpo do homem, caiu ajoelhado no chão, cedendo por completo posteriormente.
João derrotou Willian.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.