Capítulo 35: Livro
Quarta-feira — 17 de outubro de 1945
Como de costume, Willian apareceu na biblioteca após o término de suas atividades. Adentrou no espaço silencioso e observou sua amiga lendo algo um tanto curioso.
A capa do livro aparentava ser como a de qualquer outro, todavia, um coração dourado o estampava junto com o nome do mesmo.
Percebendo o foco contínuo da mulher nas páginas que eram ligeiramente passadas a cada minuto, o jovem decidiu pregar uma peça. Caminhou cautelosa e vagarosamente até o balcão de Cassandra, e com um ato rápido, bateu seu livro alugado dias atrás na mesa, gerando um grande pavor na moça que quase escorregou de sua cadeira.
— Willi… — gritou até notar a situação em que se encontrava, calando-se com suas próprias mãos.
Com uma risada honesta, o garoto retrucou ironicamente:
— Apenas vim devolver o livro!
— S-seu idiota… — sussurou a outra com raiva.
— O que foi? Queria que eu não devolvesse?
— Eu estava ocupada, Willian — respondeu, fechando sua história em seguida.
— Estava lendo, isso é estar ocupada?
— Jovens inteligentes como você são um pé no saco, hein?
— Obrigado pelo elogio… Aliás, o que você estava lendo?
— O-o quê? Como assim? — Gaguejou envergonhada com a dúvida do garoto.
— Que livro é esse?
— E-ele não é para a sua idade, rapazinho… — Cassandra agarrou seu livro com força e apertou-o contra seu peito, querendo o proteger.
— Você está lendo um livro adul… — Willian foi interrompido após levar uma “livrada” na cabeça da mulher de óculos.
— C-cala a boca! Não é adulto, é só que… não é para você.
— O que tem de mais então?
— Ele é… de romance. — Fraquejou novamente, demonstrando um grande desconforto ao revelar para seu amigo o tipo de coisa que gostava de ler.
O silêncio tomou conta dos dois, alegrando qualquer outro leitor que estivesse no interior da biblioteca.
— Legal, qual o nome?
— … — calou-se por um momento. — Você não vai gostar dele.
— Por que não?
— Willian, você não parece alguém que lê livros de romance.
— Não leio mesmo.
— Então, pronto.
— Mas você gosta desse, não é?
Com a pergunta curiosa e um pouco constrangedora do rapaz, Cassandra corou. Buscando esconder sua feição envergonhada, levantou-se para pegar uma xícara de café na outra extremidade do balcão. Em seguida, recuperada da dúvida singela de Willian, voltou ao seu lugar e começou a preencher a caderneta da biblioteca.
— Sim, eu gosto. E daí?
— Você se importaria em me emprestá-lo?
— Willian, esse livro não é para ti.
— O que faz um livro ser ou não para mim?
Sem ter nenhuma resposta em mente, Cassandra apenas suspirou como resposta.
— Certo… A sua sorte é que já li isso daqui diversas vezes, então não me importo em lhe emprestar. Mas esse livro é meu, não da biblioteca, tenha muito cuidado!
— Darei a minha palavra de que ele voltará tão lindo quanto já é.
— Bom mesmo… — Vendo o rapaz visualizando o livro, surgiu uma curiosidade dentro dela. — Por que decidiu ler esse livro, Willian?
— Bem… você parece gostar dele, então deve ser bom.
Sentindo um rubor crescente dominar seu rosto, Cassandra tampou seu rosto com as mãos e disse:
— Saia logo daqui, idiota!
— Certo… até mais, Cassandra! — respondeu correndo para fora da biblioteca.
Quinta-feira — 18 de outubro de 1945
Mais uma vez, o jovem negro apareceu na biblioteca. Sentiu-se surpreso ao notar Cassandra encarando-o nervosamente, como se estivesse o esperando lá a horas.
Caminhou até o balcão e colocou o livro ali. Em seguida, direcionou-se até algum dos corredores para encontrar outra obra. Essa atitude deixou Cassandra furiosa, e ela rapidamente andou até Willian, que lia os nomes dos livros um por um.
— É assim que você faz?! Você é um idiota!
— C-Cassandra? O que aconteceu?
— E-eu sabia que não deveria ter lhe emprestado esse livro — afirmou raivosamente enquanto voltava para o seu local de trabalho. Todo esse alvoroço gerado surpreendeu Willian que não entendia o que estava acontecendo.
Após alguns minutos, o mesmo voltou para o balcão com um novo livro. Lá, notou Cassandra apoiada na mesa como se estivesse cochilando.
— Cassandra?
— O que foi? — perguntou sem ânimo.
— Vim pegar um novo livro… você precisa colocar na caderneta.
Ao levantar sua cabeça do balcão, ficou nítido para Willian que ela estava realmente mal devido àquela situação. Com seu rosto vermelho, aparentava ter chorado calada devido a “vergonha” que havia passado.
Enquanto assinava na caderneta o nome do livro de Willian, ouviu uma pergunta:
— Você chorou?
— …
— O que aconteceu, Cassandra? Não posso te ajudar se você não me disser…
— Homens são estúpidos mesmo…
— O quê?
— Se não havia gostado do livro, era só dizer que não era o seu tipo! Mas não, você tinha que me devolver sem falar uma palavra e sair como se nada tivesse acontecido!
— C-Cassandra.
— O que foi? Já não basta ter feito isso, agora vai me dar lição de moral?
— Eu já li o livro…
— Ah, pronto, agora vai falar… o quê?
— Eu terminei o livro.
Mais uma vez, aquele recinto se tornou silencioso. Cassandra não parecia acreditar no que estava ouvindo, e Willian esperava que a mulher tomasse a iniciativa da conversa.
— J-já leu?
— Sim, e eu gostei muito! Nunca pensei que um romance iria me cativar tanto.
— Está brincando com a minha cara, não é?
— Eu te disse, Cassandra… — respondeu o jovem coçando seus cabelos crespos — se você gostava tanto do livro, ele deveria ser bom.
Novamente, as bochechas claras da mulher tomavam a cor de um pimentão, e buscando escondê-las do jovem, saiu para pegar mais uma xícara de café.
— Na verdade… estava com vergonha de conversar com você sobre ele e tomar o seu tempo. Me desculpe.
— W-Willian…
Envergonhado, o jovem pegou seu novo livro e caminhou até a saída da biblioteca. Notando o desaparecer do garoto de sua vista, Cassandra guardava para si um amontoado de sentimentos que buscavam — sem sucesso — ser transmitidos para o rapaz que inesperadamente roubou completamente sua atenção.
A biblioteca já era um local quieto, mas não havia silêncio mais profundo do que o silêncio entre aqueles dois amigos. A quietude de ambos só veio a se dissipar quando, antes de sair, o jovem afirmou em meio a gaguejos:
— S-se eu pudesse, eu… viveria o romance desse livro contigo…
Com medo de encarar a realidade, Willian saiu correndo dali em direção a sua casa, pensando se estava certo em ter dito aquilo e se Cassandra havia achado que tudo aquilo foi mais uma peça pregada pelo rapaz.
⁂
Quinta-feira — 13 de junho de 1957 — Tempo atual
— No final, o que aconteceu entre vocês dois? — João perguntou demonstrando uma feição única que se transportava entre a tristeza e a felicidade.
— Hehe… — Willian, que agora se parecia com um velho fraco e inútil, respondeu com suas últimas forças. — Nós vivemos anos incríveis juntos… Assumimos um relacionamento secreto, fugimos para o centro e assinamos os papeis do casamento.
— Vocês eram muito felizes juntos… O que levou-os a se separarem?
Encarando o céu, o adversário de João buscava o jeito mais leve de revelar a resposta, mas falhou miseravelmente. Após um suspiro longo e depressivo, Willian se direcionou para o homem, demonstrando um sorriso deprimente e algumas lágrimas escorrendo de seus olhos.
— Ela está morta…
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