— … — vendo a reação surpreendente de Willian, o jovem machucado não pode fazer nada além de respeitar o seu momento.

    — Tudo estava dando certo nas nossas vidas. Havíamos comprado uma casa, ambos estávamos trabalhando e mesmo que algumas pessoas nos julgassem, nada importava… Mas, de repente, ela começou a ficar mais fraca, tendo dificuldade para trabalhar, não conseguindo comer direito e dormindo por horas como se estivesse num coma. Ela desenvolveu um câncer no pulmão, mais especificamente o carcinoma de células grandes, mas só descobrimos anos depois de estarmos juntos, quando o câncer já havia se espalhado e os sintomas eram mais agravantes.

    — Ela… 

    — Sim, ela morreu de câncer terminal. Quando descobrimos, era tarde demais… — Com a pouca força que lhe restava, Willian se esforçava para limpar as lágrimas que corriam pelo seu rosto, mas não teve sucesso. — Tudo o que pude fazer foi ficar ao lado dela esperando por sua morte.

    Ouvindo a história de seu adversário, João pousou sua mão sobre seus olhos mais uma vez, buscando esconder sua expressão tristonha e suas lágrimas. Prometeu para si mesmo que não iria chorar mais, porém, não era capaz de não sentir o mínimo de empatia pelo demônio à sua frente.

    — Tentei seguir com a minha vida após a sua morte, mas parecia impossível… A falta dela me afetou tanto que desenvolvi depressão, abandonei tudo o que eu fazia e não era nada mais do que um corpo vazio vagando por aí… Até Caio me encontrar. Desde o início ele demonstrava ser uma pessoa desconfiável, mas a primeira impressão passou quando ele me prometeu que poderia trazer Cassandra de volta.

    — Você foi manipulado como Sarah…

    — Sim… e faríamos o mesmo contigo, porém seria mais complexo visto que não havia tido nem um trauma recente, e como você descobriu o nosso segredo, era necessário sua eliminação.

    — Entendo… Pode ser uma pergunta boba, mas sua esposa…

    — Não, ela não voltou… Eu fui enganado como um idiota.

    — Você foi usado, Willian… a culpa não foi sua — afirmou o jovem mascarando o seu rosto regado pelas gotas de aflição.

    — Mesmo após tudo o que eu fiz, ainda é capaz de sentir pena de mim… por quê?

    — No final, você também foi apenas uma vítima, a culpa disso tudo estar acontecendo não é sua… Pelo menos, é o que quero acreditar.

    Observando essa situação um tanto diferente, tudo o que Willian pode fazer foi olhar para as chamas na floresta mais uma vez, soltando uma risada fraca e sentimental.

    — Me perdoe por ter te matado, Willian… 

    — Não, João… — voltou sua visão para o rapaz — você fez certo. No fundo, eu também queria encerrar esse sofrimento sem fim e voltar para os braços de quem amo… Bem, não acho que Deus irá me aceitar no céu, mas espero que eu possa ver Cassandra pelo menos mais uma vez — completou o demônio voltando a chorar silenciosamente.

    — Meu avô sempre me dizia que, ao se sentir verdadeiramente arrependido, Deus iria te perdoar… 

    — Seu avô realmente era um bom homem. Eu gostaria de conversar com ele em algum momento…

    — Sim, ele era…

    João olhou ao redor e viu o fogo se aproximando. As maiores lembranças de sua infância foram completamente retiradas dele… Junto disso, ouvia diversos barulhos confusos se aproximando, como algumas sirenes diferentes, passos e conversas de estranhos. Levantou-se pensando numa forma de fugir dali, porém, seus pensamentos foram interrompidos pelo demônio prestes a sucumbir:

    — João, pegue o meu livro e arranque a página 147 dele, por favor…

    Obedeceu às ordens recebidas e entregou nas mãos do ser, que praticamente imóvel, sussurrou um trecho da página arrancada. Num passe de mágica, algumas lesões do corpo do homem de sobretudo sumiram, curando-se delas.

    — Como estou fraco, só pude curar as lesões mais leves, você ainda precisa ir a algum médico.

    — Certo… muito obrigado, Willian.

    — Espere, tenho uma última coisa para te dizer…

    — O quê?

    — Quando chegar em São Paulo, vá para a emissora e cheque o meu armário… Lá dentro terá um livro vermelho e dourado que te ajudará a derrotar os demônios.

    — Eu tentarei, mas será difícil chegar lá sendo um foragido da polícia.

    — Na verdade… — Willian iria revelar à João sobre a sua inocência, mas fora cortado por um desconhecido que se aproximou de ambos.

    — Você já é um inocente, João.

    Assustado, o rapaz se virou para trás, notando a presença de um detetive anotando coisas em sua caderneta.

    — Q-quem é você?!

    — Eu sabia que o paranormal existia…. Amarei esfregar essas coisas nas caras daqueles imbecis, hehehe…

    — Responda, quem é você!

    — Não importa quem eu sou. Tu precisa fugir daqui antes que os policiais cheguem, e serei eu quem irá te salvar deles! — Esperneou o homem colocando a mão em seu peito como um heroi nacional.

    — Eu não posso confiar em ti…

    — João… vá com ele… 

    — O qu… — Após se virar para Willian novamente, notou seu corpo completamente magro e desnutrido. Eram questão de segundos até ele morrer.

    — Você… deve… fugir… Deixe que eu… receba a culpa… dos crimes…

    — Willian…

    Irritado e, de certo modo, entusiasmado, o detetive passou a puxar João pela manga de sua camisa, querendo sair de lá o mais rápido que pudesse.

    — Vamos logo que eu não quero virar um churrasco, e eu tenho perguntas para fazer à você.

    — E-Espera! O Willian vai…

    — Ele já está morto, seu estúpido! Agora, venha comigo!

    Escapando pelas poucas árvores ainda vivas da floresta, o misterioso detetive e João saíram de lá. 

    Após um momento olhando ao redor, encontram um carro largado nas proximidades da pequena cidade. O detetive quebrou o vidro do carro e entrou no interior do mesmo, chamando João para fazer o mesmo:

    — Venha, jovem, entre pela janela e rápido!

    — O que está acontecendo?! Eu nem te conheço e você está me sequestrando?!

    — Primeiro, eu não estou te sequestrando. Segundo, você não me conhece mas eu te conheço, e é isso que importa. Terceiro, nós temos dúvidas a fazer um para o outro. Quarto, temos que voltar para São Paulo antes que os policiais nos encontrem e prendam a gente. Entra na porra do carro senão eu vou dar um tiro na sua cabeça!

    — O-o quê?!

    — Brincadeira, mas entra logo!

    Sem entender o que estava acontecendo, João decidiu obedecê-lo, visto que,querendo ou não, o detetive tinha muitos argumentos plausíveis para defender suas ações. Entrou dentro do carro e foi para o banco de trás.

    Com os dois preparados, o detetive pegou um arame de dentro do seu bolso e começou a mexer dentro da entrada de chave do carro até conseguir ligá-lo.

    — Pronto, vamos fugir desse lugar…. Mal cheguei aqui e já quero ir embora, nossa.

    — Você ainda não me disse quem é… o que está fazendo aqui?

    — Meu nome é Thomaz e sou um detetive que decidiu ajudar a polícia com os assassinatos que ocorreram aqui… Na verdade, eu estava pouco me importando com os mortos, é que você é uma pessoa bem interessante.

    — E você é um idiota — respondeu friamente após ouvir a penúltima frase de Thomaz.

    — Agradeça ao idiota por estar te salvando, otário — completou o detetive começando a dirigir o carro e sair da cidade.

    — …O que tem de interessante em mim?

    — Ainda pergunta? Você estava envolvido em um assassinato de 28 pessoas incluindo uma colega de trabalho, sendo que todas as mortes foram completamente viscerais e grotescas. Agora, veio para sua cidade natal e simplesmente aconteceu um incêndio e a morte de diversos vizinhos seus. Todas essas coisas são muito interessantes.

    — Essas coisas são horríveis…

    — Olha, meu hobby são coisas paranormais, e você é o protagonista de uma história paranormal, logo, eu gosto de ti!

    — …

    — Bem, vou te ajudar na medida do possível, também. No fim de tudo, nós poderemos nos ajudar, entende? Aliás, já estou te ajudando, hahaha!

    — Então… — João pensou por um momento e suspirou em seguida — certo, entendi a situação… Thomaz, o que você disse sobre minha inocência é verdade?

    — Sim. Pelo que ouvi de alguns colegas, aquele homem que morreu agora pouco e uma mulher loira entregaram algumas coisas que provaram a sua inocência. Aparentemente, você ainda estava na sua emissora quando todo o crime ocorreu.

    — É…

    — Mas nem tudo é um mar de rosas, ok? Sua cara ficou estampada por um bom tempo nas ruas e jornais até você ser inocentado, então se prepare para ser tratado como um verme.

    — Não estou me importando mais com o que pensam de mim… eu só quero acabar com tudo isso.

    Após ouvir a frase, o detetive se manteve em silêncio enquanto dirigia. Quebrou o silêncio com uma risada irônica em seguida:

    — Você realmente acha que é um heroi, não é? Isso é peculiar.

    — Como consegue achar graça das coisas após descobrir que demônios estão aqui?

    — Porque eu estava certo e todos os meus colegas estavam errados, o que comprova que sou melhor que eles, hahahahahaha!

    — Na verdade, isso só mostra que você é alguém horrível…

    — É, eu provavelmente sou… Vamos ficar um bom tempo juntos rapaz, então farei umas perguntas para ti, afinal, continuo sendo um detetive.

    — Certo, e minhas dúvidas serão respondidas também, entendeu?

    — Sem problemas! Acho que seremos ótimos companheiros, hahaha!

    Após um bom tempo apagando as chamas crescentes e adentrando na floresta, o chefe da polícia apareceu com bombeiros e uma nova força-tarefa na cachoeira. Deparou-se com um homem negro completamente desnutrido caído no chão e correu em sua direção.

    — Ei, você, ainda está vivo?! Onde está João Simão?! Vamos, acorde!

    — Chefe, parece que ele está morto.

    — …

    — Devemos levá-lo para uma perícia médica, certo?

    O chefe da polícia suspirou decepcionado.

    — Sim, ele pode ser uma peça fundamental para os últimos casos… Levem ele, eu observarei o local.

    Enquanto os outros carregavam o corpo do cadáver para fora da floresta, o chefe da polícia procurou pelo detetive e por João, mas sem sucesso.

    — Aquele maldito Thomaz… eu sabia que sua participação nessa merda tinha alguma coisa por trás… O jeito é verificar esse cadáver para saber o que está de fato acontecendo…

    O chefe da polícia, olhando para a água da cachoeira seguindo o seu percurso, pegou seu maço de cigarro e um isqueiro, começando a fumar em seguida. Olhando para todo o caos que aconteceu na sua frente, não pode fazer nada além de suspirar.

    — Gostaria de saber o motivo daquele cadáver estar sorrindo.

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