Capitulo 11 - Absentia
Quando Elise chegou à porta do quarto de Darius, notou que estava entreaberta e, sem anunciar sua presença de imediato, espiou para dentro.
Darius estava de pé diante da cama, concentrado em organizar alguns pertences em uma caixa aberta.
Ele estava vestindo uma camisa e calças simples, e seu cabelo castanho escuro ainda brilhava levemente, como se tivesse tomado banho há pouco. A manga de sua camisa estava amarrada acima do ombro, mas ele se movia com naturalidade, como se a ausência do braço não fosse um obstáculo.
Ela hesitou…
Por um instante, ficou apenas ali, observando-o em silêncio. E então, como se sentisse seu olhar, Darius ergueu a cabeça e virou-se em sua direção.
— Oi? Tem alguém aí?
A voz de Darius interrompeu seus pensamentos. Elise piscou rápido, surpresa por ser percebida tão facilmente. Por um instante, quase recuou, instintivamente escondendo parte do rosto atrás da porta, como se pudesse evitar ser pega no flagra.
— Ah… Darius. Sim! Sou eu…
— Ah… Elise. Pode entrar.
Ela acenou com a cabeça e cruzou a soleira, sem pensar muito.
Algumas caixas abertas espalhavam-se pelo chão, cheias de pertences. E Sua espada bastarda descansava encostada contra a parede.
— O comandante Alaric disse que você queria falar comigo…
Darius, ao terminar de amarrar o cordão de um pequeno saco de couro, o pôs dentro da caixa e ergueu o olhar para ela com um meio sorriso.
— Hmm? Não é nada tão sério. Apenas dizer um até breve… — Ele fez uma breve pausa e acrescentou, num tom mais leve. — Você vai voltar ao serviço a partir de amanhã, certo?
— Sim… é verdade — Elise percorreu o ambiente com os olhos antes de continuar a falar. — Parece que está quase pronto para ir.
— Mais ou menos. — Darius pegou um pequeno baú de madeira e o abriu, revirando algumas coisas lá dentro. — Ainda estou decidindo o que levar e o que deixar.
Elise observou por um instante antes de se mover.
— Quer ajuda?
— Não precisa. Já estou terminando — disse, balançando a cabeça de leve.
Ele então se inclinou para pegar uma das caixas maiores no chão. Por um momento, parecia não ser um problema, mas ao tentar erguê-la de fato, percebeu que o peso exigia um equilíbrio que, com um só braço, era complicado de manter.
Antes que ele pudesse insistir, Elise já havia se abaixado ao lado dele e pegado a caixa sem dizer nada.
Darius soltou um suspiro curto, com um sorriso sem graça em seu rosto.
— Eu ia conseguir.
— Claro que ia — ela respondeu, ajeitando a caixa em cima de outra.
Ele não discutiu e apenas voltou a empilhar algumas coisas dentro das bolsas. O trabalho seguiu em silêncio por alguns minutos, até que Elise se direcionou a ele:
— Para onde está se mudando?
Ele parou por um momento, como se refletisse antes de responder.
— Para Kessan. Um vilarejo ao sul. Eu consegui um lugarzinho por lá.
Elise piscou, surpresa.
— Kessan…?
— Conhece o lugar?
Ela hesitou por um momento e então sorriu de leve.
— Minha cabana ficava por perto.
Darius pareceu considerar aquilo, então deu de ombros com um meio sorriso.
— Então não vai ter problemas de me visitar.
Elise soltou um riso baixo, mas não respondeu. E depois de um instante, ela voltou a encará-lo.
— Como conseguiu esse lugar?
— O ducado foi transferido recentemente para o novo senhor — explicou ele, fechando uma das caixas. — O duque anterior não tinha herdeiros, então a posição ficou vaga por um tempo. Devido a isso, as vilas ficaram um pouco agitadas, e o novo duque achou de bom-tom melhorar a segurança. Acabou que dar abrigo para veteranos calhou bem.
Elise franziu levemente o cenho, se aproximando da espada bastarda escorada na parede, e a pegou pelo punho com curiosidade, testando seu peso.
— Então ele está distribuindo terras para ex-soldados?
— Algo assim. Ele quer homens experientes espalhados pela região. Dá um teto para alguns veteranos e, em troca, ter gente capaz de manter as coisas em ordem.
— Hm. Inteligente… ou oportunista — ponderou Elise.
Darius riu.
— Sempre foi um costume entre os duques garantir que seus domínios tivessem profissionais úteis por perto. Fortalece a região, a economia… — Darius fez uma pausa, franzindo a testa por um instante ao refletir sobre suas próprias palavras. Então, ergueu uma sobrancelha e soltou, com um tom divertido — Ehh… provavelmente eles são os dois. Hahaha…
Ele jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. Em contrapartida, Elise o encarou por um breve instante e então o alfinetou com um tom jocoso:
— Melhor não se acostumar a uma vida tranquila rápido demais. Vai acabar ficando mole.
Ele sorriu de canto.
— Por isso vou levar a espada.
Elise riu, pegando a arma e a apoiando de volta contra a parede.
Darius franziu o cenho por um instante, como se puxasse algo da memória.
— Ahhh, falando nisso… — Ele fez uma pausa, coçando o queixo. — Eu fiquei pensando. Será que sua médica não mora em um vilarejo próximo?
Elise ergueu os olhos para ele, surpresa.
— Minha médica?
— Sim. Aquela que você mencionou tempos atrás… Uma mulher jovem, de cabelos prateados.
Elise piscou, lembrando-se da conversa. Darius continuou:
— Se ela realmente for uma curandeira habilidosa, pode muito bem ter se estabelecido em algum vilarejo próximo.
Elise desviou o olhar, refletindo sobre a possibilidade.
Quando já estava quase tudo pronto, Elise se afastou um pouco, observando enquanto Darius ajeitava as últimas coisas. Ele puxou o cordão de um dos sacos de couro, verificando se estava bem amarrado, e bateu de leve na tampa de uma caixa de madeira, testando sua firmeza.
Depois de um último olhar pelo quarto, Darius suspirou, passando a mão pelos cabelos úmidos, e se afastou alguns passos, até parar ao lado de Elise.
Elise analisou o quarto uma última vez.
— Agora sim… está tudo pronto.
Darius, no entanto, não respondeu de imediato. Seu olhar permaneceu distante por um momento. Mas não de maneira preocupada… havia algo mais ali, uma hesitação leve, quase imperceptível.
— Ainda não.
Elise franziu a testa.
— Esqueceu de algo?
Darius virou-se para ela, e um sorriso preguiçoso se formou em seus lábios. O brilho travesso em seus olhos denunciava que ele já tinha a resposta antes mesmo de perguntar.
— Quero tomar umas. — Ele deu de ombros, como se fosse a decisão mais óbvia do mundo. — Você vem comigo?
Elise piscou, surpresa.
— Êh?
•
Kessan era um vilarejo simples, formado por construções modestas de madeira e pedra, com telhados de palha desgastados pelo tempo. Pequenas ruas de terra se estendiam entre as casas, e os moradores transitavam entre barracas de mercado e tendas de comerciantes, negociando os mais diversos bens.
Zahara estava em uma dessas barracas, com sua mochila e chapéu de sempre, debatendo com um comerciante de aparência cansada. Ele segurava um pequeno frasco de vidro em mãos, girando-o contra a luz para observar o líquido espesso e arroxeado em seu interior.
O comerciante suspirou, coçando a barba desgrenhada.
— Hm. Ainda acho caro. Mas a última que comprei da senhora ajudou meu irmão com aquela febre maldita…
Zahara riu pelo nariz, cruzando os braços.
— Não é…? Imagine se não tivesse conseguido a tempo. Não existe nada mais caro que o infortúnio — disse, se inclinando para mais próxima do rosto do mercador. — Mas se acha que vai ter problema para vender, apenas diga que é um elixir de origem estrangeira e dobre o preço. Eles adoram pagar mais caro quando acham que é exótico.
Ele ponderou mais um pouco, então bufou e retirou algumas moedas da bolsa de couro presa ao cinto.
— Certo, certo. Você é afiada… mas só porque sei que funciona. Aqui está.
Zahara pegou o dinheiro e guardou rapidamente. Ao fazer isso, seu olhar passeou pelos produtos expostos na barraca. Eram objetos simples, mas bem feitos.
Colheres de madeira, pequenos barris para temperos, cestos de vime… mas um outro objeto prendeu sua atenção.
— E isso? — perguntou, apontando com o queixo para um pequeno totem em forma de feto, entalhado em madeira negra. — Agora também está vendendo amuletos?

O comerciante riu baixo, cruzando os braços.
— Não, isso é só para afastar o azar. Gosto de me garantir.
Zahara ergueu uma sobrancelha.
Mas sem mais perguntas, apenas deu de ombros, se despedindo do comerciante e se afastando da barraca enquanto começava a contar mentalmente quanto já havia conseguido no dia.
— Ainda não é suficiente para a semana… talvez eu ainda consiga fazer negócios nos vilarejos vizinhos…
Enquanto pensava em suas próximas opções, seus passos desaceleraram ao passar pela entrada de uma taverna. Ao lado da porta de madeira gasta, um grande quadro de avisos estava preso à parede, repleto de papéis e pergaminhos velhos, alguns presos com pregos tortos, outros rasgados pelo vento.
A visão daquele quadro fez Zahara parar por um momento, com os olhos percorrendo as ofertas e pedidos de serviço.
Algumas eram simples: transporte de mercadorias, busca por itens perdidos, vigia noturno…
Mas, entre elas, algumas chamavam mais atenção. Relatos de problemas em fazendas, descrições vagas de sombras estranhas nas florestas próximas, pedidos de ajuda discretos, sem muitas explicações.
Zahara franziu levemente a testa, considerando suas opções. Se continuasse vendendo poções, poderia garantir o necessário… mas alguns desses trabalhos poderiam render mais dinheiro, mais rápido.
Ela estalou a língua e se aproximou do quadro, puxando um dos papéis para ler melhor:
“O solicitante afirma que seu bode tem apresentado um comportamento incomum, recusando-se a comer, permanecendo acordado durante a noite e fixando o olhar no vazio. Sua esposa suspeita que se trate de uma aparição. Ele oferece uma boa recompensa pelo serviço.”
Ela soltou um longo suspiro de cansaço, amassou o papel e o jogou displicentemente para trás, sem sequer olhar para onde caía.
— Preciso tirar um dia para ir ao reino. Lá, pelo menos, as opções são mais variadas… — murmurou para si mesma.
Seus olhos varreram o ambiente. O vilarejo, apesar de simples e tranquilo, não oferecia muitas oportunidades de lucro. A maioria dos pedidos nos quadros de aviso eram problemas domésticos, supersticiosos ou ridiculamente mal pagos. Zahara precisava de algo mais substancial.
Ela soltou um suspiro.
— Me pergunto se Edrik já conseguiu melhorar das pernas.
Ela não estava se referindo às pernas dele.
Zahara permaneceu imóvel por um momento após descartar o primeiro panfleto, mas seus olhos voltaram para o quadro de avisos mais uma vez.
Foi quando a porta da taverna rangeu e duas figuras saíram. A primeira, uma mulher de expressão endurecida, segurando um pergaminho dobrado. Ela tinha uma pele parda e cabelos castanho-avermelhados, presos em um coque desleixado. Vestia um avental sobre uma túnica simples de mangas arregaçadas, indicando que trabalhava no estabelecimento. Havia um cansaço visível em seu semblante, mas mais do que isso, um traço de impaciência, como se aquela tarefa não fosse uma obrigação, mas um incômodo.
E logo atrás dela, uma segunda mulher segurava sua manga com força, como se temesse ser deixada para trás. Seus olhos arregalados e a postura rígida denunciavam inquietação. Sua pele pálida e o corpo ligeiramente franzino davam-lhe um ar anêmico. E seus cabelos negros e opacos emolduravam um rosto marcado por olhos fundos e azulados, que pareciam oscilar entre o medo e a exaustão.
— Já falei, só pendura isso e pronto — disse a primeira, enfiando o papel no quadro com um prego torto.
A outra hesitou, mordendo o lábio.
— Mas… e se ninguém vier?
— Então você encontra outro jeito.
Sem esperar resposta, a mulher se desvencilhou e voltou para dentro da taverna, deixando a solicitante sozinha.
Zahara observou tudo sem pressa, sem muito interesse. Mas quando a mulher permaneceu ali, imóvel, olhando para o pergaminho como se pudesse obrigá-lo a ser lido, sua curiosidade a venceu.
Ela se aproximou, puxando o papel, fazendo com que a solicitante quase tivesse um treco.
“A solicitante afirma estar sendo perseguida por uma aparição. Pede urgência! Está disposta a pagar bem.”
Seu olhar ficou fixo no papel, mas sua mente vagou para outra coisa.
“Será que ele continua perambulando pela floresta?”, pensou.
Ela soltou um suspiro curto, levando a mão até a gola da própria roupa, puxando-a para o lado. Seus olhos pousaram na marca do pacto em sua pele.
Enquanto Zahara divagava, um puxão suave na borda de sua saia a trouxe de volta à realidade.
— Senhorita… Você é uma mercenária? — A voz da mulher era hesitante, quase um sussurro.
Zahara arqueou uma sobrancelha, observando a atitude da desconhecida antes de responder.
— Mercenária é uma palavra um tanto quanto deselegante — disse, tentando soltar sua roupa das mãos da mulher, sem muito sucesso.
“Qual é o problema dela?”, pensou Zahara, tentando se desvencilhar.
— Perdão… Mas você pode me ajudar? — A mulher apontou para o folheto nas mãos de Zahara com um gesto tímido.
Zahara analisou a cena por um instante antes de falar e, por fim, soltou um suspiro.
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