Capítulo 11 - Parte 4
Zahara avançava pela trilha da floresta, com passos ligeiramente apressados. O suave chiar das folhas criava uma atmosfera delicada que envolvia o ambiente. Era quase como se ignorasse completamente quem estava ali e o que ela carregava em sua bolsa.
Seus olhos, fixos à frente, observavam os fracos feixes de luz solar que ainda conseguiam se esgueirar pelas copas das árvores, lançando uma leve luz alaranjada sobre o seu caminho. Apesar da beleza natural à sua volta, ela sabia que aquela luz, cada vez mais tênue, era apenas um lembrete de que a noite se aproximava.
Enquanto isso, pela abertura da mochila, dois olhos brilhantes espiavam atentamente o rosto de Zahara.
— Você tem certeza disso? — murmurou Zarek.
— Sim… — Zahara respondeu sem hesitar, mas um segundo depois acrescentou, num tom mais baixo. — Contanto que você faça exatamente como eu disse, é provável que sim.
Zarek piscou devagar, avaliando-a em silêncio, enquanto Zahara prosseguia, como se estivesse tentando convencer a si mesma tanto quanto a ele:
— De qualquer forma, não tenho muitas escolhas. Ainda não entendo como essa criatura consegue apagar as memórias das pessoas. Então, até lá, essa é nossa medida emergencial. Eu também creio que pela intensidade que as coisas aconteceram, talvez tenhamos menos tempo do que eu imaginava.
Zahara continuou seguindo pela trilha.
A vasta floresta onde ela vivia, se estendia quase por toda a região sul dos vilarejos de Helgrath. A mesma, nos últimos anos, havia ficado estigmatizada pelo aparecimento de aparições naturais, criaturas que, embora não fossem consideradas hostis, afugentavam os viajantes devido à sua imprevisibilidade. Sem falar de alguns casos isolados de ataques dessas criaturas contra caçadores.
Consequentemente, suas trilhas eram o melhor meio de locomoção, para quem queria se proteger de olhares curiosos.
Após longos minutos de caminhada, Zahara finalmente avistou, por entre os troncos das árvores, o campo se estendendo como uma imensa manta verde. Mais adiante, Kessan surgia no horizonte, com suas lanternas já começando a se acender, lançando um brilho dourado sobre a vila à medida que o sol partia.
Ela voltou seus olhos para Zarek, que, como se pudesse compreender o que ela estava pensando, reagiu começando a se enterrar entre os outros conteúdos da bolsa ao qual dividia espaço: frascos de poções de tom lamacento, alguns sacos de conteúdo incompreensível etc.
— Pois bem… — falou, enquanto deslizava sua mão para a pequena bolsa em sua cintura, retirando o papel rastreador e o encarando por alguns segundos.
Assim que Zahara chegou ao vilarejo, tudo permanecia exatamente do mesmo jeito de antes. Não havia pânico, ou qualquer tipo de sinal de desordem. Na verdade… tudo parecia demasiadamente calmo. O mercado já estava quase todo fechado, devido à chegada da noite. E as ruas haviam ficado monótonas, tirando pelas entradas das tavernas, que acumulavam alguns poucos aldeões que conversavam descontraidamente.
Zahara continuava seu caminho, quando uma voz grossa a fez sobressaltar:
— Senhorita Zahara…?
Ela virou-se abruptamente na direção do som, só então notando a tenda ao lado.
O dono da voz era o mercador de antes, um senhor barbado de traços marcados pelo tempo, vestindo roupas simples e um avental por cima. Ele estava terminando de guardar suas mercadorias, empilhando caixas e reorganizando os itens. O som de madeira se arrastando e objetos sendo encaixados ecoava no silêncio do mercado. E, ainda assim, Zahara só percebeu sua presença naquele instante, sentindo uma leve surpresa ao vê-lo.
— Senhor Dimas… — respondeu, cumprimentando-o com um leve aceno de cabeça.
Ele sorriu de canto, parando de organizar as caixas.
— Você aqui tão tarde… precisando de alguma iguaria?
— Na verdade, não… estou a trabalho.
Dimas coçou a barba, pensativo.
— Ah… a trabalho, é? — murmurou, balançando a cabeça. — Eu vejo… espero que tenha mais sorte do que eu.
Zahara franziu levemente a testa.
— Sorte…? O dia não foi bom para os negócios?
O mercador soltou um suspiro e balançou a mão em um gesto despreocupado.
— Sei lá… Parece que as pessoas não estavam com muita vontade de comprar hoje. Nem paravam para olhar — Ele desviou o olhar para um pequeno amuleto de madeira que já havia colocado sobre seu carrinho de mão e riu de leve. — Acho que meu talismã da sorte pode ter vindo com defeito.
Zahara acompanhou seu olhar por um instante, observando o amuleto.
Mas Dimas logo desviou para outra coisa. Seus olhos se fixaram nos cabelos prateados de Zahara, que estava presos em um rabo de cavalo e refletiam suavemente a luz das lanternas.
— Sabe… — começou, inclinando um pouco a cabeça. — Eu acho que nunca comentei, mas você tem cabelos muito bonitos. Não lembro de já tê-los visto assim antes.
Zahara, em resposta, olhou para o rabo de cavalo que deslizava sobre seus ombros, escorrendo por seu busto. Em seguida, devolvendo-lhe um sorriso com um comentário provocador.
— Eu não sabia que você era do tipo cortejador Senhor Dimas.
— Ahn…? O’Que…? Eu… não quis — gaguejou, enquanto seu rosto começava a ficar avermelhado.
— Hahaha… estou brincando, apenas brincando.
— Cof~ Cof~… Que maldade… — balbuciou, voltando a colocar o restante de suas mercadorias em seu carrinho de mão. — O que eu quis dizer é que você geralmente sempre está de chapéu.
— Ah… — Zahara exclamou surpresa, com suas mãos deslizando sobre o topo de sua cabeça, percebendo a ausência do adereço. — Acho que… acabei ô esquecendo em casa.
— Entendo… — respondeu Dimas, pondo o último cesto sobre o carrinho. — De qualquer forma… é bom mudar de vez em quando.
Ele se curvou devagar para pegar os braços do carrinho de mão antes de continuar:
— Bom… o meu turno já acabou, então um bom trabalho para você, Senhorita Zahara. E até a próxima.
— Sim… bom descanso — respondeu, acenando levemente com a cabeça em despedida.
O mercador seguiu seu caminho, afastando-se entre as vielas pouco iluminadas, e Zahara permaneceu ali por um instante, observando sua silhueta desaparecer.
Foi quando uma sensação incômoda rastejou por sua mente, sutil como um sussurro.
Seu olhar permaneceu voltado para o caminho onde Dimas acabara de desaparecer, mas, de alguma forma, os momentos recentes pareciam ter começado perder a nitidez, como se estivessem se dissolvendo em uma névoa.
Ela franziu a testa, estranhando a situação, ao passo que também começava a varrer o ambiente com seus olhos.
O vilarejo, que antes ainda possuía um resquício de vida com as poucas pessoas que circulavam, agora parecia deserto. Era como se, em um piscar de olhos, aqueles poucos aldeões simplesmente tivessem desaparecido, recolhendo-se para suas casas sem deixar vestígios. E as ruas ao seu redor, começaram cada vez mais a mergulhar em uma espécie de umbra, com as lâmpadas mal conseguindo conter a escuridão que começava a engolir tudo.
Não havia passos distantes, não havia vozes. Nem o sussurro da brisa ou o canto discreto das criaturas noturnas podiam ser ouvidos. O silêncio que pairava no ar era quase opressivo.
Zahara apertou os dedos ao redor da alça de sua bolsa, sentindo um arrepio subir por sua espinha.
Foi então que um som repentino rompeu o silêncio.
Uma batida seca na madeira, vinda da porta do bar. O som a pôs em alerta, como se fosse puxada de um transe profundo. Seu olhar se voltou na direção do bar, e, por um instante, a cena diante dela pareceu se reconfigurar.
Alguns homens sairam do estabelecimento, rindo alto e trocando empurrões, enquanto o brilho quente das lanternas escapava pela porta aberta, revelando um interior ainda movimentado.
O vilarejo não estava deserto. O bar não estava fechado. Havia vida ao redor dela. Mas um segundo antes, parecia que tudo havia sido engolido pela escuridão. Como se a noite tivesse devorado o mundo ao seu redor, deixando apenas um vazio sufocante.
Zahara piscou, tentando organizar seus próprios pensamentos. Algo estava errado, e não era apenas a sensação estranha que a assaltara. Era sua própria percepção que parecia vacilar, distorcendo o que estava à sua volta.
Com a inquietação se instalando em seu peito, Zahara apressou o seu passo para continuar o seu caminho. Entretanto…
Para onde estava indo mesmo?
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