Capítulo 12 - A Natureza do Mal
O barulho seco do corpo da criatura caindo ao chão, veio casado ao som do ar entrando nos pulmões da mulher. Ruido esse que parecia ser o primeiro que ela conseguiu emitir depois de tanto tempo.
“Te peguei… verme!”, xingou Zahara, em pensamento.
E então, ela voltou sua atenção novamente para a mulher enquanto a mesma desabava, sem forças. Suas mãos se moveram rapidamente para impedir que a cabeça dela se chocasse contra o piso de madeira, e então a deitou com cuidado.
A pobre coitada ainda parecia respirar dificultosamente, mas era apenas devido à anemia. Aparentemente, não havia mais sinais de que tinham mais parasitas alojados nela.
Zahara esboçou um sorriso de canto.
— Essa foi quase… Senhorita Marie.
De alguma maneira, subitamente o nome da mulher pareceu sair de sua boca, tão naturalmente que pareceu que ela sequer o havia esquecido.
Zahara até se surpreendeu com o fato, mas não teve muito tempo para se vislumbrar com ele. Alguns murmúrios que escaparam da boca de Marie, logo roubaram sua atenção.
— Eu… não… quero morrer… — balbuciava, enquanto seus olhos sem foco pareciam vagar pelas extremidades da sala.
— O que disse? — indagou Zahara, enquanto tentava ler os seus lábios.
— Me… perdoa… — Uma lágrima escorreu de seus olhos vazios.
Zahara franziu o cenho, não conseguindo compreender totalmente o significado de suas palavras.
Foi então que uma voz abafada se fez ouvir dentro da bolsa.
— Zahara… você conseguiu? Já podemos ir?
Era Zarek. Sua voz vinha carregada de ansiedade, e havia um leve tremor em suas palavras que denunciava o desconforto.
— Hm? Ah, sim… — respondeu ela automaticamente, desviando o olhar por um instante para o corpo da criatura caída ao chão. Dividido ao meio, o parasita jazia imóvel. — Com a aparição morta, eu posso deixar a purificação da vila para depois. Só aguente um pouco mais enquanto administro as poções.
Ela respirou fundo, preparando-se para o próximo passo, mas uma sensação incômoda a fez hesitar.
Algo estava… errado.
Conforme ela começava a olhar à sua volta, toda aquela atmosfera parecia persistir mesmo após a morte da criatura. Densa, pesada… carregada por uma energia opressora que não cedia.
Mas não apenas isso…
Seu olhar voltou-se para o círculo mágico desenhado no chão.
O brilho ainda estava ali. Ainda pulsava.
Os escritos ritualísticos, que deveriam ter cessado sua emanação com o fim da entidade, continuavam a emitir uma luz pálida e ritmada. Era como se denunciasse que o trabalho ainda estava inacabado.
O mal pressentimento veio seguido de um repentino embrulho em sua barriga.
Zahara se lançou para o lado oposto da mulher, curvando-se de repente com uma das mãos segurando a boca de seu estômago.
Um gemido rouco escapou de seus lábios seguido de um gosto ácido que lhe subiu pela garganta de forma abrupta.
“Mas o que…?”, protestou ela em pensamento, enquanto a sensação de algo se contorcendo dentro dela começou a invadi-la.
Foi então que ela vomitou… porém, apenas líquido saíra.
A agonia dentro dela continuou a corroendo por dentro.
Zahara, lutando para manter o controle, enfiou os dedos anelar e médio garganta adentro, tentando forçar seu corpo a expulsar, seja lá o que estivesse dentro dela. O esforço provocou outro espasmo, e ela vomitou novamente.
Porém… ainda assim, nada.
Ela se curvou ainda mais, como se estivesse se dobrando sobre si mesma, os ombros encolhidos, arfando entre um gemido e outro.
E Zarek, de dentro da bolsa, podia ver como ela tremia.
— Zahara? — Ele chamou por ela, mas não pôde ser ouvido pela agitação do momento.
Sem desistir, ela empurrou os dedos novamente para o fundo da garganta, determinada a arrancar aquilo de dentro dela. Foi quando sentiu alguma coisa começar a subir pelo seu pescoço, a fazendo engasgar levemente.
Ela deu um pigarro e rapidamente enfiou sua mão o mais profundo que pode, dessa vez, tentando puxar o corpo estranho para fora. Foi então que ela sentiu com os dedos, algo fino como outro dedo que parecia estar se arrastando por ali.
Zahara o segurou com firmeza, fincando até mesmo suas unhas para não o permitir escapar, e então, puxou, sentindo aquilo se arrastar por sua garganta até que por último sua cauda saiu chicoteando.
Zahara o jogou para longe dela em seguida olhando para o que era aquela criatura.
A resposta lhe arrancou um olhar de confusão.
A criatura que caiu no chão, e que tentava se levantar rapidamente, era exatamente a mesma criatura que havia saído de dentro de Marie. Porém, em uma estatura relativamente menor.
O pequeno monstro se lançou para tentar fugir pelo corredor, mas Zahara o pegou rapidamente, lançando um de seus fios, que o partiu no meio.
Só então o brilho do encantamento começou a se esvair aos poucos, denunciando o fim do ritual.
Ela tossiu algumas vezes, com o som áspero ecoando pela sala abafada. O gosto metálico ainda persistia em sua boca, e um leve tremor percorreu seus braços.
— Merda! Quando isso veio parar em mim? — se questionou, tossindo entre as palavras. Gotas de suor escorreram por sua têmpora.
De dentro da bolsa, a voz de Zarek soou fraca, perdido entre a respiração pesada dela e o zumbido que ficou em seus ouvidos.
— Zahara…? Você está bem?
Ela não respondeu de imediato. Tossiu novamente, levando uma das mãos ao peito, como se tentasse reorganizar o próprio ritmo cardíaco. Seus olhos então se voltaram para a mulher caída no chão.
Marie continuava balbuciando com a voz arrastada, quebradiça, como um disco riscado.
Mas Zahara percebeu algo estranho.
Seus olhos, antes perdidos, haviam congelado naquele instante… fixos em algo. Não em Zahara, mas em algum ponto ao lado dela.
Um arrepio subiu pelas costas de Zahara. Não por medo… mas por um pressentimento irracional.
Ela não virou a cabeça de imediato. Não ousou.
Permaneceu imóvel, forçando sua visão periférica.
E então, viu.
Aquela mesma criatura de antes.
Branca, grotesca… pálida como o cadáver e de forma alongada. Com braços demais, patas demais… e dessa vez, ela não se arrastava pelos cantos das paredes. A criatura se impulsionava rapidamente em sua direção.
Rápido… mas ainda assim silencioso. Absurdamente silencioso.
Como se tivesse rompido o próprio som ao seu redor, arrastando um vácuo com ela.
Zahara, sentindo o instinto falar mais alto do que a razão, virou o rosto com um movimento brusco para encarar o que se aproximava. Mas quando virou o rosto, o ser já estava diante dela.
Foi então que ela encarou a sua face pela primeira vez… como ela realmente era.
Um ser com um corpo similar ao de uma larva crescida até o grotesco. Suas múltiplas patas que se arrastavam, mas cada uma terminava em mãos finas com dedos longos demais. A “cabeça”, se é que era uma, inchada como um tumor. Ela não tinha um rosto. Não havia olhos. Apenas uma massa pulsante, inchada e repulsiva.
Antes que pudesse reagir, a criatura estendeu um dos seus braços e tocou no rosto de Zahara com sua mão.

Mas não teve força. Não houve impacto. Nem dor.
Foi como se ela tivesse sido… desligada.
O corpo de Zahara tombou de costas com uma suavidade doentia, como um fantoche com os fios cortados.
Ao mesmo tempo, a mochila se agitou, abrindo-se entre seus tecidos, e fez com que Zarek fosse arremessado para fora da brecha, girando no ar antes de cair no chão com um baque seco.
Ele se estabilizou rapidamente com seus pequenos tentáculos e se sacudiu levemente, dispersando a poeira.
Foi então que ele ergueu os olhos e encarou o estado das coisas.
O cenário ao redor parecia… uma verdadeira bagunça.
Zahara estava caída, imóvel… com seus olhos vagos e sem foco.
Marie estava jogada logo ao lado, errante entre um estado de consciência e transe que parecia nem a permitir perceber a presença de Zarek.
E a criatura. Um terceiro sujeito naquela sala…
Ele virou sutilmente em sua direção, curioso com aquela presença estranha, e em resposta a criatura fez o mesmo.
E então se encararam por um instante.
Não houve tensão ou ameaça entre eles. Apenas a contemplação mútua entre dois seres que se reconheciam.
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