As duas figuras se encararam por alguns segundos, enquanto um silêncio pesado e inquietante pairava entre eles, como se o próprio ar estivesse suspenso.

    Zarek permaneceu imóvel. Não por medo ou hesitação, mas pela simples necessidade de processar. O mundo à sua volta havia mudado abruptamente, e sua mente ainda corria para acompanhar.

    Enquanto isso, aquela sensação sutil, mas aguda… uma pulsação densa, quase viva, continuava a percorrer o seu interior como uma febre constante.

    Discretamente, lançou um olhar para Zahara, caída ao chão, completamente inerte.

    “Zahara… será que ela morreu?”, a pergunta surgiu quase automática, sem peso… apenas como uma curiosidade seca.

    Seu olhar retornou à criatura, ainda ali… imóvel, observando-o em silêncio, com sua cabeça inchada levemente inclinada em direção a ele.

    “Provavelmente é culpa dele. O que eu faço agora…? Quer dizer… eu deveria fazer alguma coisa…?”

    Zarek piscou, tentando dissipar o latejar incômodo que descia de sua nuca até a base de seus tentáculos. Ao mesmo tempo, sua mente começou a trabalhar, correndo por registros recentes, analisando fragmentos de instruções dadas por Zahara.

    Ela havia mencionado contingências.

    Coisas como:

    “Se minha memória começar a falhar, blá-blá-blá…”

    Zarek processou a informação e então encarou Zahara.

    “Eh… não acho que algo assim vá funcionar dessa vez.”

    Era um plano simples e precavido…
    Entretanto, agora, olhando para o corpo imóvel no chão… ela não havia dito nada sobre o que fazer se ela simplesmente não estivesse mais ali. Nenhuma instrução, nenhum plano de contingência para o caso de sua total ausência.

    “Você não pensou que algo assim fosse acontecer, né?”, Zarek simulou um suspiro. 

    Por um instante, seus olhos permaneceram ali, contemplando Zahara, totalmente indefesa. E então, sem motivo claro, algo em seu interior pareceu ranger… um incômodo sutil, difícil de definir.

    Ele deu um passo à frente, como em um reflexo… mas hesitou, parando no meio do gesto. E então, voltou a encarar novamente a criatura, analisando-a com um olhar mais metódico.

    Zarek estreitou a chama de seus olhos.

    “E qual é a dele…?”, ponderou por alguns segundos enquanto a sala permanecia em um silêncio ligeiramente desconfortável.

    Por que ele ainda estava parado…?
    Será que estava o analisando?
    Será que ele também iria o atacar…?

    As perguntas se formavam lentamente, como ecos reverberando dentro dele, até que uma pequena epifania veio à sua mente, como uma fagulha.

    Ele também era uma aparição…

    “Será que ele não me vê como uma ameaça? Pode ser que ele me enxergue como um igual… é por isso que não me atacou?”

    “E se eu…”

    Uma ideia se formou em seu interior.

    Ele deu um passo tímido em direção a criatura.

    — Eh… olá? — disse, com sua voz saindo baixa, quase inaudível.

    Mas… em resposta, a criatura permaneceu imóvel por mais alguns segundos, até que, como se Zarek simplesmente não estivesse ali, voltou-se novamente para Zahara.

    “Por que eu ainda tento?” pensou, com a frustração vazando em um suspiro silencioso.

    Foi nesse instante que algo se quebrou no ambiente. Um som viscoso, entremeado por estalos curtos, preencheu o cômodo. A junta de um dos braços da criatura começou a se distorcer e o ombro se desfez lentamente, desmontando-se por vontade própria, até que o membro se soltou e caiu ao chão.

    Zarek observou atentamente.

    E então… de forma autônoma, a mão começou a escalar lentamente o corpo inanimado de Zahara.

    — Ei! — Zarek chamou, elevando o tom instintivamente.

    Entretanto, continuou sendo ignorado.

    “Certo… você não está interessado”, pensou, enquanto sentia o desconforto de antes se reacender novamente, mais vivo, mais incômodo, ao passo que a criatura voltava sua atenção para Zahara.

    Sem perceber, ele deu mais um passo à frente…

    Se agachou levemente, firmando seus pequenos tentáculos ao chão, e em um impulso curto e brusco se lançou para frente.

    Seu corpo disparou, atravessando o espaço entre eles até colidir com o parasita que escalava Zahara. O som do crânio oco de Zarek se chocando com o pequeno membro ecoou levemente pela sala, como um estalo abafado.

    O parasita foi lançado a alguns metros e, por sua vez, Zarek aterrissou logo acima de Zahara, embora cuidadosamente evitasse tocá-la. Seus tentáculos se cravaram ao redor de seu dorso como pilares, formando uma espécie de jaula viva.

    Ao erguer os olhos, deparou-se com o “olhar” fixo da criatura môr, que já o observava novamente.

    — Você deveria ao menos tentar ouvir de vez em quando — sussurrou ele, com a voz baixa e desafiadora. — Se soubesse o quão assustadora ela consegue ser… provavelmente não estaria fazendo isso.

    Sem esperar que qualquer reação viesse, Zarek desviou os olhos por um instante, voltando-os para o corpo sob si. O peito de Zahara movia-se com extrema suavidade, quase imperceptível, mas inegável. Ela ainda respirava.

    Naquele instante, outra coisa em seu interior pareceu se mover… dessa vez, como se algo apertado e enrijecido por dentro cedesse. Uma tensão sutil escoou por seu corpo.

    Entretanto, durante sua distração, a criatura se moveu.

    Sem emitir som, um de seus braços ergueu-se devagar, com os dedos longos e retorcidos envolvendo o crânio de Zarek.

    E então, sem qualquer esforço aparente, ela o ergueu do chão.

    Zarek se viu suspenso no ar, com os tentáculos pendendo ao redor do corpo, enquanto aquele tumor sem rosto o encarava — ou ao menos parecia fazê-lo — mais uma vez.

    “Ah… parece que consegui ganhar sua atenção.”

    A criatura trouxe o crânio de Zarek mais para perto, reduzindo a distância entre os dois.

    Foi então que os outros braços se ergueram, se estendendo ao redor de Zarek. Um a um, eles começaram a envolver os tentáculos de Zarek, puxando-os para os lados, enquanto outros mais envolveram o seu crânio.

    “Hên…?”

    Ele o esticou.

    Mas não com força. Ainda não. Era como se quisesse compreender o que estava segurando. Como se Zarek fosse uma peça de algo quebrado, algo fora do lugar.

    Ele apertou e esticou os seus tentáculos, minuciosamente.

    E Zarek também não resistiu. Na verdade… ele sequer entendia direito o que estava acontecendo. Ele apenas cedeu a inspeção.

    Foi então que a criatura parou mais uma vez, e aproximando-o ainda mais. Dessa vez, quase encostando-o em seu rosto. 

    E, de repente, um chiado surgiu.

    Surgiu dentro da cabeça de Zarek .Uma estática estranha, como se alguém sintonizasse algo dentro de sua mente.

    “Han? O que?”, Zarek piscou, olhando para a “face” da criatura.

    Alguma coisa havia acontecido. Mas ele não sabia o quê. E ele ficou apenas ali pendurado… processando.

    Foi aí que algo finalmente mudou.

    A cabeça da criatura torceu-se em um movimento grotesco e, como se alguma coisa houvesse lhe instigado, a apatia anterior deu lugar a um movimento brusco.

    Os braços que seguravam os tentáculos se abriram num estalo. Apenas o braço que envolvia seu crânio permaneceu. E então, num gesto súbito e animalesco, ela o ergueu… e o lançou contra o chão.

    O mundo virou uma espiral.

    O impacto veio seco, brutal.

    O crânio de Zarek quicou no piso da sala, rachando com o impacto.

    Ele sentiu a dor, mas não uma dor física, mas algo mais profundo…

    O seu núcleo sofreu um dano pesado mais uma vez. Porém, dessa vez… algo a mais cedeu.

    Aquela presença externa… aquele sentimento que vinha batendo à porta… entrou como se aproveitasse a brecha. Como se o golpe tivesse quebrado uma represa. E a atmosfera do lugar pareceu fluir para dentro dele num único suspiro.

    Zarek não pensou. Seu corpo reagiu.

    Seu tentáculo chicoteou para o lado, impulsionado por algo maior do que ele, e o golpe acertou em cheio o flanco da criatura, abrindo um rombo em sua lateral e a arremessando para longe com uma força absurda.

    Zarek também foi jogado com o impacto, rolando alguns metros até parar no canto da parede.

    O som foi alto, quase uma explosao.

    A criatura… se ergueu como pôde, e rastejou pela brecha na parede que havia sido gerada pelo choque, escapando. Seus movimentos eram erráticos, quase desesperados.

    Zarek também se ergueu com dificuldade.

    — Ei! Espera! — gritou, instintivamente, mas suas pernas pararam antes de seguir.

    Seu olhar recaiu novamente sobre Zahara, caída.

    “Ah… isso foi… sem querer? A Zahara fai ficar zangada…”

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