Capítulo 9 – Parte 2
Enquanto a carroceria tremulava com o contato das rodas no solo irregular, Zahara observava o tempo com uma expressão serena. O vale ao redor se estendia em uma vastidão silenciosa, com apenas alguns arbustos e árvores esparsas ao longo do caminho.
No banco ao seu lado, ela mantinha ao seu alcance uma mochila de tecido gasto e um jarro de cerâmica, onde amarrou algumas cordas de forma que facilitasse o transporte. Na cintura, a sua inseparável bolsa de couro balançava levemente com os movimentos da carroça. E como vestimenta, um vestido de tecido claro e espesso o suficiente para lhe proteger do sol, mas lhe permitindo conforto e um chapéu de aba larga, que pôs sob seu cabelo habilmente enrolado, o escondendo.
À frente, um homem já idoso conduzia a carroça, segurando firmemente as rédeas com suas mãos calejadas, enquanto o cavalo seguia pela trilha. Ele era de poucas palavras, mas sua presença tinha um ar tranquilo.
Enquanto a carroça avançava pela trilha, a paisagem começava a mudar, e ao longe, Zahara já podia ver as primeiras silhuetas dos robustos muros do reino de Helgrath, se destacando contra o céu claro.
Localizado no extremo oeste do continente, Helgrath era tido como um ponto estratégico para comércio e diplomacia, com uma política de neutralidade que o mantinha afastado de conflitos desnecessários.
Mas a neutralidade era mais do que uma decisão política, era parte da identidade do reino. Governado por uma monarquia sólida e pragmática, o reino buscava proteger sua soberania sem embarcar em disputas externas, preferindo nutrir relações comerciais com a maioria dos reinos vizinhos. A ausência de barreiras para acordos mercantis fazia de Helgrath um centro de trocas vibrante, atraindo comerciantes de todo o continente e também possibilitando que produtos de reinos conflitantes pudessem ser acessíveis entre si. Mas claro… tudo com seu devido preço.
Além de sua estabilidade econômica e diplomática, Helgrath também era conhecido por sua abordagem peculiar em relação à religião. Embora a liberdade de crença fosse permitida e respeitada, a ponto de poder ser encontrado pequenos santuários e altares dedicados a outras divindades, o reino possuía uma fé institucional que guiava seus valores e decisões. A deusa Lumena, símbolo da luz, ocupava o centro espiritual da cultura helgrathiana. Seu enorme templo localizado na capital, marcado por altos vitrais que capturavam os raios do sol, eram impressionantes reflexos da devoção do reino.
Assim que finalmente alcançou a entrada ao leste dos muros, onde filas de viajantes e mercadores aguardavam a permissão para entrar, o homem diminuiu o passo do cavalo e puxou as rédeas para estacionar a carroça próxima à entrada de um caminho lateral. Zahara recolheu seus pertences e, antes de descer, retirou algumas moedas da pequena bolsa de couro presa à sua cintura.
— Aqui… pela carona de sempre — disse ela, estendendo as moedas ao homem.
Ele as aceitou com um aceno de cabeça e um murmúrio satisfeito. E enquanto ela começava a ajustar as suas coisas, ele deu mais uma olhada para ela e sua bagagem.
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— A senhorita está levando bastante coisa dessa vez, hein… a estação foi boa?
Zahara ajustou o chapéu para conseguir olhar melhor para seu rosto e respondeu com serenidade:
—Humm… Espero que o suficiente.
O homem soltou um riso baixo, satisfeito com a resposta.
— Então que o suficiente nunca lhe falte. Boa sorte em Helgrath — respondeu, antes de estalar as rédeas e seguir pela trilha.
Zahara observou a carroça afastar-se por alguns segundos, com o som das rodas diminuindo gradualmente. Então, voltou sua atenção para a imponente entrada do reino, pronta para seguir seu caminho.
•••
No interior da vasta Biblioteca das Luzes, administrada pelo Templo do Reino, as paredes de pedra clara pareciam emanar um brilho sutil, refletindo a iluminação dos cristais embutidos nos pilares. Estantes imensas erguiam-se até o teto abobadado, repletas de livros e pergaminhos, dos mais diversos tipos e tamanhos.
O lugar, geralmente silencioso, estava um pouco mais movimentado naquela manhã, devido a alguns soldados da Guarda Interna, ainda trajando suas armaduras, que estavam ali por ordens superiores, para investigar quaisquer informações sobre aparições que houvesse nos registros. E todos vasculhavam as prateleiras sob a orientação de um dos encarregados pela organização do lugar.
Evan Epheus, um jovem estudioso e franzino. Seus cabelos ondulados, de coloração castanho-escuro, caíam em forma de mechas um pouco desalinhadas sobre sua testa, cobrindo um de seus olhos.
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Ele carregava uma pilha de livros nos braços, equilibrando-os com cuidado enquanto caminhava pelos corredores da biblioteca, até que alcançou uma mesa, já repleta de outros montes de livros organizados, e com delicadeza, ele alinhou os novos volumes ao lado dos demais.
Ao redor da mesa, alguns soldados sentavam-se com expressões cansadas, parecendo totalmente desgastados pela longa pesquisa.
— Esses aqui são os volumes que faltavam — disse Evan, com uma voz baixa, enquanto passava os olhos pelos títulos. — Espero que ajudem em sua busca.
Os soldados trocaram olhares entre si, um deles soltando um suspiro cansado.
— Com licença, senhor Epheus — chamou outro soldado, um homem robusto de voz grave, segurando um livro grosso de capa desgastada. — Este aqui parece incompleto.
Evan parou, empurrando os óculos finos sobre o nariz antes de olhar para o livro. Seus dedos delicados tocaram a capa enquanto examinava o título e o autor.
— Ah, sim… Esse tem mais um volume complementar. Um momento…
Ele caminhou até outra prateleira próxima, com uma certa pressa.
— Aqui está — disse ele, retirando outro volume de capa escura e entregando ao soldado. — Este é o segundo tomo.
O soldado assentiu lentamente, se retirando.
Evan estava acostumado à rotina de servir na biblioteca, mas não podia ignorar a inquietação que sentia com toda a atenção ao redor dele. Sem falar dos rumores nas ruas sobre o surgimento mais frequente de aparições.
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“Que loucura”, pensou ele, enquanto subia em um pequeno banquinho para alcançar uma das prateleiras mais altas.
— Senhor Epheus! — chamou outro soldado, o assuntando e interrompendo seus pensamentos. — Podemos acessar a seção restrita?
Evan desceu do banquinho, meio desajeitado, e respondeu calmamente, mas reduzindo cada vez mais o seu tom conforme falava.
— Preciso verificar com o Alto Sacerdote. Só com aprovação formal podem consultar aquele material.
O soldado suspirou, mas não insistiu. Evan fez uma breve reverência e saiu em direção ao escritório principal, com seus passos ecoando suavemente no mármore polido.
Conforme avançava pelos corredores mais silenciosos, uma estranha sensação percorreu sua espinha. Era como se algo ou alguém estivesse o observando. Então, lentamente, ele virou a cabeça por sobre o ombro, com o coração acelerando.
— Minha deusa… — sussurrou, com a voz trêmula, enquanto se virava.
Logo atrás dele, emergiu a figura de uma mulher. Seus olhos fixaram-se nos dele, e Evan quase tombou para trás de tão assustado.
— Elise! — exclamou, com uma mistura de alívio e constrangimento. — Por Lumena, eu podia ter morrido…
Em resposta, Elise deu um pequeno sorriso contido, enquanto dava mais um passo a frente.
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— Você continua um medroso, Evan — disse ela, inclinando levemente a cabeça..
— A soldado é você. O medo para mim é questão de sobrevivência.
Evan ajustou os óculos mais uma vez, ainda se recuperando do susto, enquanto seus olhos preocupados analisavam timidamente a sua amiga.
A informação de que o esquadrão de Elise havia sido chacinado em uma missão no pântano havia chegado aos seus ouvidos. Mas ele não a visitou enquanto estava de recuperação, e isso pesava em sua consciência.
“Não é como se eu não quisesse vê-la”, repetiu para si mesmo, conforme os dias passavam.
Suas obrigações no templo haviam se tornado esmagadoras nas últimas semanas. No entanto, mesmo sabendo que sua ausência tinha uma razão prática, Evan não conseguia evitar o peso da culpa. E ele temia que Elise interpretasse isso como indiferença, quando, na verdade, era exatamente o oposto.
— Co… como você está? — gaguejou Evan, enquanto seus olhos vacilavam, incapazes de sustentar o contato visual por muito tempo.
Elise ouviu a pergunta e, por um instante, um sorriso melancólico surgiu em seus lábios, desviando seus olhos, como se procurassem algo distante em suas próprias memórias. Mas depois de alguns segundos de silêncio, ela fechou os olhos e inspirou profundamente.
— Estou… eu estou bem — respondeu Elise, enquanto um olhar firme começava a tomar conta de seu rosto.
Evan observou-a atentamente e, ao notar aquela determinação, sentiu seu nervosismo se dissipar como névoa ao sol. A força que emanava dela parecia conseguir silenciar sua preocupação.
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Elise, sem perder o ritmo, prosseguiu:
— Na verdade… preciso de ajuda da minha enciclopédia.
As palavras dela arrancaram uma resposta quase imediata de Evan, que ergueu a cabeça com um brilho no olhar.
— E… eu estou à disposição! Como sempre… o que você precisa saber? — disse ele, em um tom vibrante.
•••
Já dentro dos muros de Helgrath, Zahara caminhava pelas ruas agitadas do mercado, onde barracas improvisadas e tendas coloridas formavam um mosaico de cores e sons. Os comerciantes chamavam por clientes com vozes animadas, enquanto o aroma de especiarias preenchia o ar.
Ela movia-se com cuidado, observando as mercadorias e desviando de transeuntes apressados, com a mochila à frente do peito, protegendo-a do tumulto, e o jarro de cerâmica firme em suas costas, preso por cordas. Até que avistou ao longe uma barraca discreta, coberta por um tecido desbotado. E sobre o balcão, pedras brutas e polidas reluziam sob a luz, enquanto pérolas de tamanhos variados e minérios de tons metálicos, dividiam espaço com joias modestas, mas bem trabalhadas.
O senhor, por trás do balcão, ergueu os olhos do que fazia e avistou Zahara antes que ela pudesse se aproximar por completo. Reconhecendo-a de imediato, ele abriu um pequeno sorriso, endireitando-se e, sem dizer nada, abaixou-se para pegar algo guardado sob o balcão.
Assim que Zahara chegou à barraca, o cumprimentou com cordialidade.
— Bom dia! Eu gostaria de…
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Antes que ela pudesse terminar, o homem a interrompeu, erguendo um pequeno saco de pano e abrindo-o para revelar algumas pedras brancas.
— São essas… certo?
Zahara arqueou uma sobrancelha, surpresa, mas sorriu de leve, reconhecendo o conteúdo.
— Exatamente. Está correto. São 15 moedas de bronze… certo? — disse enquanto retirava as moedas de sua bolsa, e as entregava na mão do comerciante.
Após concluir a negociação com o comerciante, Zahara guardou as pedras cuidadosamente em sua mochila, e enquanto se afastava da barraca, permitiu-se um instante para observar o movimento do mercado ao seu redor.
Enquanto as vozes dos vendedores misturavam-se com o tilintar de moedas e o barulho de carroças, ela percebeu também a existência de alguns efetivos da guarda interna circulando pelo local. Com uma frequência maior que de costume.
“Hmmm… eles estão mesmo de guarda alta”, pensou consigo mesma enquanto o cheiro de pão fresco e especiarias pareciam começar a provocar o seu estômago.
Zahara deu um profundo suspiro seguido de um gole de saliva, ignorando os seus sentidos, e avançou pelas ruas rumo à pequena praça no coração do mercado.
Ali, mercadores que viajavam entre reinos organizavam suas carroças e caravanas, conversando sobre rotas, mercadorias e perigos ao longo do caminho. Ela notou um grupo de homens e mulheres reunidos ao redor de um mapa, claramente planejando sua próxima viagem.
Zahara se aproximou, chamando a atenção de um dos mercadores. Ele era um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos e postura confiante, que parecia liderar o grupo.
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— Com licença — começou Zahara, com um tom educado — estou procurando uma carona. Preciso chegar próximo às ruínas de Vardal. Vocês seguem para aquela direção?
O mercador levantou os olhos para ela, avaliando-a rapidamente antes de responder.
— Vardal? Hm, é uma área complicada. Fica fora de nossas rotas principais. — Ele coçou a barba, pensativo, até que um outro homem, que ouvia a conversa a alguns metros, chamou a sua atenção.
— Ei, Eli! Pode deixar essa comigo! — Um jovem, de aparência animada, se aproximava enquanto ajustava cordas ao redor de caixas empilhadas em sua carroça.
— Amiga sua, Marko? — perguntou Eli, arqueando uma sobrancelha.
— Todo cliente é meu amigo! — respondeu o rapaz, exibindo um sorriso largo que parecia contagiar até os transeuntes.
Eli deu de ombros e voltou a focar em seus afazeres, despedindo-se de Zahara com um breve aceno de cabeça. Agora, era o jovem quem estava diante dela, ainda sorrindo.
— Achei estranho ainda não ter lhe visto por aqui — comentou ele, apoiando-se no cabo de uma lança improvisada que estava presa à carroça. — Vou sair amanhã, antes do sol nascer. Vai precisar de ajuda com a bagagem ou… isso é tudo que vai levar? — perguntou, com um tom ligeiramente jocoso, enquanto olhava para a montanha de itens que Zahara carregava.
E Zahara, sem hesitar, respondeu com naturalidade:
— Apenas isso.
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O rapaz inclinou a cabeça, claramente tentando decifrar se ela estava sendo sarcástica ou se realmente considerava aquela pilha de pertences como algo comum. Após um momento de silêncio, ele riu.
— Certo, só queria confirmar. Vejo você aqui amanhã bem cedo, então. Não se atrase! — disse ele, voltando à carroça para finalizar os preparativos.
Zahara assentiu e se afastou, seguindo pelas bancas do mercado, visando fazer seus últimos preparativos para a viagem.
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