Eles continuaram a avançar com cuidado pelo labirinto de prédios desmoronados, enquanto se defendiam dos ataques imprevisíveis que continuavam a vir opressivamente.

    A capitã mantinha-se na retaguarda e os seus dois soldados nos flancos da formação. Zahara, cooperando com o grupo, andava entre eles carregando uma das tochas. E no centro, assim como antes, o homem de Nihekate, com uma expressão pacífica e a mão no punho de sua espada ainda embainhada em sua cintura.

    Foi quando outro gemido soou pelos becos à esquerda do grupo, e do meio das sombras mais um pútrido avançou para cima deles. Mas o soldado amputou-lhe a cabeça rapidamente.

    — Não deixem que se aproximem de mais! — disse a capitã.

    — Sim! — brandiram os dois homens.

    — E qual o plano — questionou Zahara, enquanto observava a interação.

    — Vamos para a saída norte. Lá nos enfrentaremos às criaturas que nos acompanharem. E você poderá fugir — respondeu a capitã.

    Ao ouvir suas palavras, Zahara apenas assentiu, em seguida se direcionando ao homem de Nihekate, que andava atrás dela:

    — E você… não pensa em ajudar? — indagou, com um tom provocativo.

    — A capitã e seus soldados são alguns dos Melhores que Makajin tem a oferecer. Se eu tentasse me intrometer, provavelmente só iria atrapalha-los — respondeu serenamente, sem se deixar instigar. 

    Foi quando um dos soldados parou de súbito e murmurou:

    — O chão… tem mais vindo à frente.

    Novamente o chão começou a tremer com pequenas ondulações, até que a criatura saltou para fora em direção a Zahara, que deu um passo para trás, mas o soldado bloqueou o ataque com sua espada, com o choque ecoando pelas ruas, e arremessou a criatura para trás.

    O monstro submergiu novamente para dentro do chão.

    — Mas que porra chata! — reclamou o soldado, observando enquanto a criatura voltava a se mover pelo solo.

    Outro rastro surgiu, atravessando uma das paredes e um sechaloide emergiu com a lateral de seu dorso para fora, a frente deles.

    O soldado a direita reagiu instintivamente, desferindo um golpe direto. Mas a lâmina atravessou o corpo do monstro sem causar nenhum dano, se chocando contra o chão.

    — Porcaria! — resmungou.

    — Mantenham a calma! — gritou a capitã. — Não façam movimentos desnecessários. E não deem espaço para eles entrarem.

    Zahara observava a movimentação da criatura. Não era apenas um truque visual ou algum tipo de intangibilidade absoluta. Seus corpos assumiam esse estado para atravessar e nadar em materiais sólidos, movendo-se como se a matéria ao redor fosse algum tipo de fluido denso, emergindo e afundando conforme o necessário. Mas se tornando tangíveis pouco antes de executar o ataque.

    Foi então que outra ofensiva começou.

    Um emergiu de um prédio à esquerda, atravessando-a e mergulhando diretamente no chão, bem diante dos pés de um dos soldados. E o outro atravessou alguns escombros saltando contra a Capitã, pela retaguarda.

    A capitã não hesitou, e com um único movimento, ergueu seu escudo e bloqueou o ataque do monstro.

    Seus dentes rangeram enquanto ela firmava seus pés, sentindo o peso do monstro empurrando-a. Mas com um movimento, ela usou a força de seu corpo para desviar o impacto e, simultaneamente, deslizou a espada para dentro da abertura que fora deixada, contando o peito da criatura violentamente e o arremessando para longe, até colidir com uma parede.

    Assim que caiu ao chão, ele convulsionou por um instante. Contudo, ao tentar mergulhar novamente de volta para o solo, o seu zumbido característico saiu distorcidamente, como se estivesse se afogando, e sangue começou a derramar pelas guelras de seu peito.

    A capitã observou enquanto o monstro começou a recuar, desta vez, se arrastando e escalando as paredes próximas com suas lâminas.

    Já o soldado, recuou alguns passos e ergueu sua espada em direção à criatura, em guarda.

    Mas o ataque veio de outra direção.

    Como se fosse uma distração. Enquanto se focava na criatura próxima, outra despencou do topo de um dos prédios, com suas lâminas brilhando sob a luz pálida.

    Mas ele percebeu tarde demais. Seu reflexo tardio não foi o suficiente para impedir a sua investida.

    E então, quando as lâminas da besta estavam prestes a alcançar sua carne, sangue respingou pelo solo gelado e pela neve branca.

    Antes que percebessem, a criatura caiu partida ao meio ao chão, com um baque abafado pela neve e estremecendo violentamente, antes de parar de se mexer sem vida.

    O soldado, surpreso, congelou por alguns segundos enquanto o sangue negro respingava em sua armadura. Logo reassumido a sua guarda.

    — Você pegou ele? — Perguntou o outro soldado incrédulo, olhando para o cadáver da criatura.

    — O que houve? — Questionou a capitã, olhando de relance para trás, sem tirar os olhos da retaguarda.

    — Eu… eu também não entendi, eu nem senti bater na espada — respondeu, ainda tentando processar o que havia acontecido.

    Zahara, apenas permaneceu imóvel, ocultando sua intervenção, enquanto permanecia observando o derredor. E o homem de Nihekate, por sua vez, olhou a cena com seus olhos fixos na criatura que jazia no chão, cortada ao meio, e então olhou para Zahara com uma expressão de desconfiança, como se tentasse entender o que realmente havia acontecido.

    Seus olhos voltaram a percorrer o corpo da criatura, começando a se aproximar lentamente e, desembainhando a sua espada, ele cutucou o corpo da criatura, a averiguando.

    Os batedores se reposicionam rapidamente ao redor dele, formando um círculo de proteção. Enquanto Zahara observava a movimentação.

    — Foi um corte limpo — murmurou o homem, com um tom cheio de curiosidade.

    A capitã, já com a postura endurecida com a tensão, olhou para ele e disse:

    — Vamos continuar!

    Porém, nesse pequeno instante de distração, outro pútrido emergiu das sombras do beco à direita, tentando atacar Zahara. Porém, ela se virou rapidamente, conseguindo evitar novamente o ataque, dando um salto para trás, se distanciando do grupo.

    Um dos soldados, vendo a criatura, avançou com os ombros contra ela, atirando-a contra o chão. E com um movimento rápido, esmagou o seu crânio com seu pé.

    Mas mais sechaloides começaram a aparecer novamente, atravessando as paredes dos prédios, inclusive entre Zahara e a equipe.

    A capitã, vendo a distância crescente entre ela e os outros, hesitou por um momento, como se quisesse ir ao seu auxílio. Mas a situação não era favorável.

    O homem de Nihekate, ao perceber a situação, olhou para ela com uma expressão séria e disse:

    — Capitã… são muitos. — Apesar de suas palavras, sua expressão não esboçava preocupação. 

    E ela, em resposta, o olhou com um olhar incrédulo.

    Mas ao olhar novamente para Zahara, o seu semblante não demonstrava nenhum sinal de terror.

    Zahara deu mais alguns passos para trás olhando para os monstros a sua frente, até que finalmente, com um movimento rápido, virou-se e começou a correr para longe deles, com alguns monstros a seguindo em seu encalço.

    Observando o fato, ela voltou o seu foco para o seu grupo.

    — Vamos para fora… Agora!

    •••

    Zahara continuou a correr… dessa vez, rumo a entrada oeste. A mesma pela qual ela havia entrado.

    O som dos seus passos ecoavam pelas ruas das ruínas, misturados ao zumbido irritante dos sechaloides que continuavam a persegui-la, dispostos a não deixa-la ir tão facilmente.

    Pareciam sentir sua vulnerabilidade por estar sozinha.

    Conforme Zahara avançava, eles continuavam submergindo e emergindo em seu caminho, tentando ataques que por vezes passavam arrastados em sua pele, lhe causando arranhões ardentes.

    E o fato de se tornarem intangíveis enquanto atravessavam as superfícies, faziam dessas criaturas um incômodo, dificultando para ela cortá-los com seus fios, exigindo que o corte fosse feito no momento exato que pulassem para atacá-la, pouco depois do zumbido cessar.

    Mas era apenas uma questão de timing. E ela também não precisava mais se preocupar em ser discreta.

    Foi quando ela avistou uma ponte de pedra praticamente desmoronada, se estendendo sobre um regato congelado.

    Parecia arriscado… mas ela avançou sem pensar duas vezes, pulando pelas vigas de pedra para alcançar as partes da estrutura que ainda não haviam desmoronado.

    Mas os sechaloides apenas se jogavam na água congelada, nadando até o outro lado, voltando para dentro do chão.

    Foi quando um deles saltou em sua frente, avançando com rapidez em sua direção.

    Mas Zahara estava pronta.

    Seus fios cortaram o ar, e em um movimento rápido como um chicote, o partiu ao meio antes mesmo que chegasse perto dela.

    Mas esse era apenas um. E a bagagem que carregava gradualmente ia começando a se tornar um fardo.

    Ela continuou sua corrida pelas ruas.

    “Eu preciso acabar com eles antes de ir para fora”, pensou Zahara, já ofegante.

    E, olhando rapidamente a sua volta, ela disparou em direção a um prédio baixo que permanecia com parte de sua estrutura ainda de pé.

    Outros dois sechaloides logo apareceram quase que simultaneamente, saltando para bloquear o seu caminho. Um pela frente, e o outro pela lateral, forçando Zahara a interromper sua corrida para se esquivar.

    Seus fios cortaram o primeiro com a mesma precisão de antes. Mas o segundo, vindo do flanco, apenas fingiu uma ofensiva, atravessando os seus fios e ela, sem causar danos e aterrissando no solo, mantendo-se na superfície e atacando-a pelas suas costas.

    Zahara tentou se esquivar rapidamente do ataque, mas sua lâmina a acertou de raspão em seu ombro, a ferindo e cortando uma das alças de sua mochila e a corda que prendia o jarro em suas costas.

    O jarro se partiu no chão, espalhando o seu conteúdo.

    Ela lançou seus fios em direção à criatura em retaliação, mas ela submergiu rapidamente de volta ao solo, soltando seu grunhido irritante, como uma hiena.

    Zahara suspirou profundamente, com um sorriso aparecendo em seus lábios, como se zombasse de seu próprio azar.

    “Que merda”

    Sem perder o ritmo, enfiou rapidamente sua mão na resina, empurrando os estilhaços para o lado, até finalmente suas mãos agarrarem algo sólido em meio aquele líquido viscoso.

    Ela agarrou com força e, com um impulso rápido, se levantou voltando a correr.

    Foi quando, em meio a toda aquela gosma, o crânio de Zarek ainda adormecido, surgiu com ela o segurando pelas órbitas dos olhos.

    — Não foi praticamente nada, foi só um sustinho… Mas ahh~… ele não acorda! — reclamou Zahara, inconformada, enquanto corria.

    Ela não esperava uma resposta, mas resmungar era melhor do que se deixar tomar pelo cansaço. 

    Chegando ao prédio, ela teceu suas linhas nas entradas e fendas do prédio, em seguida escalando as escadas com rapidez até chegar no segundo andar, repetindo o processo.

    O som das criaturas escalando as paredes começou a invadir o ambiente, afiando a tensão no ar.

    Seu olhar percorria as rachaduras do prédio enquanto os ruídos se intensificavam.

    “Agora vamos esperar”, pensou Zahara se posicionando no centro da sala, segurando o crânio com firmeza.

    Um deles surgiu primeiro, entrando por uma das janelas, mas antes de encostar no chão, sua queda foi interrompida, se enroscando em um emaranhado de fios.

    Pedaços do seu corpo deslizaram, fragmentados, caindo desordenadamente no chão.

    — Um… — começou a contar.

    Outro caiu do teto, fazendo-a se direcionar para ele. Porém, ele apenas atravessou o chão do andar, caindo direto sem tentar nada.
    Foi quando Zahara, ao sentir um de seus fios puxarem em seus dedos, ela fechou sua mão.

    — Dois… — contou mais um ao ver sangue respingar nas escadas.

    Ela ouviu uma criatura escalando por mais uns instantes antes dos ruídos cessarem de repente. Mas a atenção de Zahara não baixou.

    Ela se manteve em silêncio enquanto seus olhos se moviam em todas as direções, tentando antever possíveis ataques.

    Foi então que, com um estrondo, lâminas começaram a varar o chão, tentando acertá-la pelos pés, obrigando-a a dar alguns passos para trás até a investida cessar novamente.

    Zahara rangeu os dentes enquanto o inconveniente tique do seu olho direito voltava a incomodar.

    Ela suspirou baixinho, e se abaixou encostando no chão com a palma de sua mão, tentando sentir a movimentação.

    Mas por uma surpresa, mas um de seus fios puxaram seus dedos a fazendo fechar a mão rapidamente, seguido de um som seco de algo caindo no chão.

    Zahara permaneceu ouvindo por alguns segundos, esperando para ver se percebia mais alguma movimentação.

    — Três — sussurrou o último número de sua contagem ao não ouvir mais nada.

    Zahara se levantou e sorrateiramente foi se aproximando das escadas, se preparando para qualquer outro que pudesse estar lhe aguardando ali.

    Ela olhou para o andar a baixo, mas tudo que via, eram os pedaços do segundo que havia perecido para a sua armadilha, espalhados pela escada. 

    Ela começou a descer as escadas lentamente, evitando escorregar em seus restos. Foi quando, ao ter visão de sua outra armadilha que pôs próxima à porta, tudo o que viu, foi uma lasca das lâminas de um deles, a fazendo sentir um calafrio em sua espinha.

    Um zumbido voltou a soar próximo a ela por uma fração de segundos.

    Seu corpo reagiu antes mesmo que sua mente processasse o perigo. Instintivamente, ela se lançou para o lado, se jogando das escadas enquanto uma lâmina cortava o espaço onde estivera momentos antes.

    Um som metálico ressoou, seguido do som das escadas de madeira se estilhaçado e do impacto seco da arma fincando-se no chão.

    Zahara se ergueu em um movimento ágil, os olhos vasculhando pela poeira que se levantava pelos destroços da escada.

    Foi quando o pó baixou, revelando o dono da lâmina amputada na porta.

    “Esse tipinho maldito…”, pensou Zahara, se erguendo rapidamente, enquanto ajustava a pegada no crânio. 

    A criatura começou a se movimentar novamente.

    Ela mergulhou de volta ao solo e se lançou para frente com uma velocidade brutal. E Zahara ainda se estabilizando sobre seus pés, desviou se jogando novamente para o lado, sentindo o vento cortante roçar sua pele.

    A criatura se chocou contra a parede, se atordoado por um instante, e foi o tempo que ela precisava.

    Ela não ia prolongar essa luta.

    Ela moveu sua mão em direção à criatura, com mais um conjunto de fios se movendo como um chicote e deslizando sobre o corpo do inimigo. Em um único movimento, ela apertou os dedos.

    O inimigo estremeceu. Depois se partindo em pedaços.

    Ela esperou… permanecendo no chão por um momento, ouvindo apenas o som de sua própria respiração. 

    Não houve nenhum outro som. Nenhum outro movimento.

    — Um animal esperto continua sendo só um animal… mas nem isso você é — resmungou Zahara, olhando para a sua carcaça, permitindo que seus ombros relaxassem.

    Ao olhar para suas mãos, elas tremiam, como se estivesse tendo uma crise de pânico. Mas não era o medo, nem a hipotermia que estavam lhe fazendo tremer. Era o seu corpo reclamando seus limites.

    Pequenos cortes marcavam seus dedos devido ao esforço, e o sangue escorria lentamente por sua pele.

    Ela suspirou, soltando o ar preso nos pulmões e, segurando firme o crânio de Zarek contra o peito, Zahara se levantou e retomou o seu caminho para fora dali.

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