Capitulo 9 - Parte 5
Os sechaloides continuavam suas investidas implacáveis contra o grupo. E, apesar de sua resistência e aptidões físicas extremas, o cansaço já pesava sobre seus corpos.
Cada defesa bem-sucedida, por mais que os mantivessem de pé, ainda era um choque brutal, com um impacto que ressoava em suas estruturas fatigadas. E quando falhavam, as lâminas inimigas partiam suas armaduras e arrancavam sangue.
Assim que alcançaram o arco da saída sul, a capitã observou as criaturas se esgueirando na penumbra, aproximando-se.
“Parece serem apenas esses”, avaliou em pensamento, traçando uma estratégia.
— Às suas ordens, capitã! — anunciou um dos soldados com a voz carregada de tensão.
— Precisamos apenas de um deles. Mantenham o corpo do espécime em bom estado — disse o homem de Nihekate, com seu tom sereno de sempre.
A capitã inspirou profundamente enquanto ouvia suas palavras, em seguida bradou uma ordem:
— Em guarda!
As espadas ergueram-se, prontas para o confronto.
Ela removeu a luva da mão esquerda, deixando-a cair no chão, exibindo assim sua mão que detinha algumas cicatrizes em forma de relâmpagos, que se espalhavam da palma até o pulso, ocultando-se sob a manga.
— Evodr Ent Gaedra — murmurou, cobrindo a boca com a mão nua.
Assim que proferiu suas palavras os soldados se aproximaram mais do centro da formação, ainda com seus olhares voltados para fora. E em seguida, um grunhido profundo, similar com o de uma águia, ressoou dos céus, como se a respondesse.
O nihekateano ergueu o olhar para o alto, surpreso, procurando a origem do som.
“Só mais um pouco”, pensou a capitã, com os olhos fixos nas criaturas que se aproximavam em movimentos frenéticos.
Assim que todas as quatro entraram em seu alcance, ela disse novas palavras:
— Evodr Anima Gaedra…
Suas cicatrizes começaram a pulsar, emitindo um brilho azul como brasas vivas e, em seguida, ela agarrou o punho da espada com ambas as mãos e a cravou no solo.
Um de seus soldados ergueu a capa, protegendo o estrangeiro, enquanto o outro reforçava a retaguarda.
A capitã então sussurrou a última palavra:
— Fulmen.
O ar vibrou com um zumbido cortante e, da palma de sua mão, relâmpagos serpentearam por sua espada e correram pelo chão em um clarão ofuscante. O choque elétrico percorreu o subsolo, forçando as criaturas a emergir, convulsionando e retorcendo-se.
Os soldados avançaram de imediato. As bestas, ainda atordoadas, tentaram reagir, mas foram rapidamente abatidas, uma a uma.
A última criatura restante rugiu, furiosa com seus olhos indo de encontro com os da capitã, que permanecia ajoelhada no chão com seu corpo enrijecido pela sobrecarga elétrica.
Um dos soldados gritou:
— Iridia, cuidado!
O monstro investiu contra ela.
Mas Iridia não hesitou.
Ergueu sua lâmina, interceptando o ataque com um estalo metálico. E antes que a criatura pudesse reagir, sua mão ainda incandescente cravou-se em seu peito.
Uma nova descarga explodiu, e a criatura urrou até ser silenciada abruptamente.
Ambos caíram ao chão — a besta derrotada, e a capitã, de joelhos, exaurida.
O soldado que a chamara suspirou, aliviado, enquanto a tensão do momento começava a se dissipar.
O grupo manteve-se alerta por uns instantes, atentos a qualquer ruído ao redor. Mas o silêncio reinava. Não haviam mais zumbidos ou gemidos. Aparentemente a perseguição havia chegado ao fim.
Iridia prontamente se pôs de pé e se direcionou ao homem de Nihekate:
— Aí está seu defunto. Pode pegá-lo — disse com a voz áspera.
O homem apenas acenou em silêncio, ainda absorvendo o que acabara de testemunhar.
Um dos soldados aproximou-se da capitã e conjurou um encantamento de regeneração. O outro correu em seguida, removendo o capacete.
Sua pele negra brilhava sob o suor e seus olhos âmbar examinavam-na minuciosamente.
— Como está? Se feriu muito? — perguntou ele, com a voz baixa, mas firme.
Iridia exalou devagar:
— Nah… estou bem. — respondeu Iridia, enquanto o curandeiro começava a enfeixar o seu braço.
Sua mão tremia, devido às cicatrizes que haviam queimado com a descarga.
Ela deslizou seus olhos lentamente sobre o soldado a sua frente, o avaliando com descrição. Foi então que avistou um pequeno rasgo em sua armadura, em seu flanco direito, onde sangue manchava o local.
— Eles te pegaram? — perguntou, com um leve timbre de preocupação em sua voz.
Ele seguiu o olhar dela e tocou o ferimento de leve, franzindo a testa.
— Continuo melhor que você… depois o Mathias cuida disso.
Iridia apenas inclinou sua cabeça e estreitou os olhos, em reprovação. E sem uma palavra, pegou das mãos do curandeiro a faixa que estava sendo usada para tratá-la.
— Pode deixar que eu termino aqui. Trate dele… — disse, voltando-se novamente para as ruínas.
O curandeiro apenas acenou com a cabeça, em seguida, olhando para o seu companheiro. Então balançou ligeiramente sua mão, zombando do fato de seu colega ter levado um esporro.
Enquanto isso, Iridia focava no interior de Vardal. Uma certa figura ainda vagava em sua mente, dando uma pequena inquietação em seu peito.
“Será que ela conseguiu fugir…?”
•
“Mais uma vez aqui…”, pensou Zarek, com sua mente pairando sobre um imenso vazio. “Acho que eu posso me acostumar com isso… seja lá o que for.”
Ele tentava observar o tempo, ou algo parecido… mas o conceito de tempo parecia escapar de sua compreensão ali. Não havia céu ou chão, nem luz ou sombra. Apenas um espaço que parecia pulsar ao seu redor, como se o próprio ambiente estivesse respirando.
Ora, sentia que afundava. Ora, que subia.
Mas sempre à deriva.
“Ela me pediu para cooperar, mas não importa a forma que eu pense… parece que caí em uma armadilha.”
Zarek suspirou, e o som ecoou estranhamente ao seu redor, como se o vazio o engolisse e o devolvesse em fragmentos distorcidos.
— Bem que parecia ter algo de errado… — murmurou. “Quando eu voltar, talvez eu devesse ser menos obediente. Se eu fingir que desaprendi a falar… será que isso vai repreendê-la?”
Ele ficou um tempo perdido nesses devaneios, até que um sussurro interrompeu seus pensamentos.
Palavras quase inaudíveis deslizaram em sua mente, sem forma ou origem.
— …
Zarek estreitou os olhos, tentando capturar um sentido naquilo.
— Olá?
—…
Ele varreu o espaço com o olhar, mas não havia nada além do mesmo vácuo pulsante. Ainda assim, os sussurros persistiam dentro de sua cabeça, como um zumbido distante.
“O que é esse lugar?”
Era estranho. O desconforto era inevitável, mas, ao mesmo tempo… não era tão ruim.
Havia algo curioso naquela sensação. Apenas ele, flutuando… sem um destino.
“Seja lá o que for… não é tao diferente de um quarto fechado. Pelo menos é um novo lugar”, pensou.
Um de seus tentáculos se moveu instintivamente, tentando tocar o vazio ao redor, mas não havia textura.
Sua visão continuou a correr pelo breu ao seu redor, até que, a alguns metros de distância, ele avistou o que parecia ser uma silhueta humana, totalmente disforme, que parecia se mesclar com o vazio, como se fosse uma extensão do próprio.
Zarek sentiu um leve arrepio percorrer seu corpo.
— Quem é… — questionou.
A figura não respondeu.
Pelo menos, não de um jeito que fizesse sentido.
Mais sons indecifráveis soaram em sua cabeça.
Ele quase conseguia ver algo como uma boca se movendo, mas nada estava claro. Na verdade, ele sequer tinha certeza se aquela presença estava mesmo ali.
A incerteza do momento o fez hesitar. Então, a boca daquela sombra se abriu:

— Vai… faça o que tem que fazer… você sempre faz o que quer.
A voz não tinha peso, mas carregava algo que Zarek não soube definir. Uma mistura de exaustão, ironia e… algo próximo do desgosto. E de alguma forma, aquela voz também lhe soava familiar.
A boca se distorceu num sorriso invertido, como se o próprio vazio estivesse o desprezando, e antes que pudesse reagir, o mundo ao seu redor começou a se desfazer.
Primeiro, as bordas da escuridão se romperam, como tinta se dissolvendo em água. Depois, o próprio chão invisível sob ele cedeu, lançando-o para fora, o expulsando dali.
Quando a luz voltou aos seus olhos, uma sensação estranhamente reconfortante preencheu sua visão.
Sob o imenso manto negro que o envolvia, estrelas se espalhavam como uma tapeçaria infinita, enquanto uma cortina de luz ondulava pelo céu, dançando suavemente sobre o horizonte.
O fogo em seus olhos tremulou por um instante, hipnotizado pela imensidão celestial, incapaz de perceber qualquer outra coisa ao seu redor.
— Ah… — balbuciou, surpreso.
Foi quando uma voz conhecida interrompeu sua contemplação.
— Ahhh… finalmente acordou.
Ele varreu o campo de visão, mas tudo o que encontrou foi um mar de areia se estendendo até se perder de vista. Seus tentáculos se agitaram levemente, como se tentasse recobrar os sentidos. Mas seu corpo ainda estava dormente.
Foi então que uma mão pousou em sua cabeça, girando-o em seu eixo até que finalmente visse quem estava ali.
Zahara… sentada sobre uma manta, diante da fogueira, com as chamas projetando sombras e luz sobre sua pele. Seu dorso nu estava envolto por uma faixa manchada de sangue, e cortes irregulares espalhavam-se por seu corpo. Apesar disso, um sorriso pairava em seu rosto.
Um contraste cruel com seu estado.
As chamas de seus olhos tremeram levemente, surpreso ao vê-la daquele jeito.
Enquanto Zahara falava, passava um pano embebido em algum líquido sobre um dos ferimentos no braço.
Ela ergueu os olhos por um instante e lançou-lhe um olhar de relance.
— Você dormiu por bastante tempo… teve bons sonhos?
Zarek piscou de novo. As palavras entraram em sua mente, mas demoraram a se acomodar.
“Sonho…?”
Ele tentou lembrar.
Mas o vazio dentro de sua cabeça se espalhava como uma névoa espessa. Havia a sensação de algo ali, mas era intangível. Como uma lembrança que escorregava antes de ser capturada.
— Hã… — murmurou, a voz rouca, sem saber o que responder.
Zahara suspirou.
Ela não disse nada por um momento, apenas continuou limpando os ferimentos. O silêncio foi preenchido pelo estalar da fogueira e pelo som da brisa arrastando grãos de areia.
Zarek piscou mais algumas vezes. Seus tentáculos começaram a responder melhor, mas seu corpo ainda se sentia pesado.
Seu olhar deslizou até Zahara novamente, observando-a enquanto ela enfaixava o ombro.
Então, sem desviar os olhos do que fazia, ela quebrou o silêncio:
— Você não pode ter emburrecido… — seu tom carregava um resquício de diversão, mas havia uma ponta de impaciência — seria um desperdício te transformar em pó de poção.
Os olhos dela se fixaram nos dele, e Zarek sentiu um arrepio subindo por sua nuca, forçando-lhe a recuperar a fala.
— O… o que… aconteceu?
— Ahn? Isso aqui? — respondeu enquanto tocava em seu ombro enfaixado — Sachaloides… mais do que o normal.
Zarek permaneceu encarando-a, sem compreender totalmente.
— O que dizer… maldições são como úlceras. Mesmo tratando, ocasionalmente ainda acabam atraindo moscas.
Ela falou, como se aquilo fosse algo trivial.
Assim que terminou de tratar-se, cobriu-se novamente, pegando um pedaço de alimento e mastigando distraidamente. Seus olhos voltaram-se para as chamas.
E Zarek, recuperando o controle sobre seus tentáculos, ergueu-se com um esforço leve, voltando sua atenção ao cenário ao redor.
Eles estavam no limiar entre dois desertos, um de areia e outro de neve. O segundo erguia-se com montanhas que seus olhos seguiram até o céu.
E Zahara, percebendo o seu fascínio, soltou um riso contido.
— Ainda fissurado pelo céu? — perguntou, com uma leve ironia em sua voz.
Zarek piscou, desviando o olhar do firmamento, mas não respondeu. Ele não entendia completamente o motivo de sua reação. Apenas se sentia atraído pela aparente bonança.
Mas apesar de seu silêncio, Zahara continuou a falar:
— Eu não esperava que a marca fosse lhe punir tão rigidamente. Por um momento, achei que você não ia mais acordar.
Assim que ouviu sobre a marca, ele sentiu um leve incômodo, e sua cauda se crispou levemente, encolhendo por um instante antes de voltar a repousar. Mas ele também não sabia o porquê disso.
Zahara o estudou por um momento, antes de continuar:
— E então… ainda deseja cooperar?
Assim que Zarek ouviu sua pergunta, ele a encarou, e seus olhos se encontraram mais uma vez.
Era a mesma proposta de antes. Podia ser mais uma armadilha também?
A questão vagou em sua mente brevemente, até que ele quebrasse o silêncio:
— Vai fazer mais experimentos? — questionou Zarek, com a voz levemente ríspida.
E Zahara arqueou a sobrancelha.
— O quê?
Ele desviou levemente o rosto, e seus tentáculos se contorceram num reflexo involuntário. E Zahara observou a reação com mais atenção. Algo naquilo parecia… familiar.
Ela já havia visto esse tipo de comportamento antes.
Aquela relutância silenciosa. A maneira como evitava encará-la diretamente.
A percepção foi tão inesperada que Zahara piscou, surpresa.
A ideia a fez prender um sorriso. Mas, em vez de comentar, apenas suspirou e continuou:
— Na verdade, não… aquilo foi só um caso excepcional — disse, estudando os movimentos dos tentáculos. — Eu precisava confirmar que seria seguro manter você por perto, mesmo caso resolvesse se rebelar.
Os tentáculos de Zarek hesitaram por um momento e, então, começaram a se acalmar.
Zahara continuou, aproveitando a abertura:
— E, como eu já disse… eu não achei que a marca seria tão rígida. Então não guarde ressentimentos.
Zarek ergueu os olhos para ela.
Zahara percebeu a pequena hesitação, então fez questão de suavizar a expressão e esboçou um sorriso de canto.
Ele permaneceu refletindo por alguns segundos, enquanto Zahara inclinava a cabeça, estudando-o.
— O que foi? — questionou, num tom quase brincalhão. — Eu não pareço confiável?
Zarek desviou o olhar novamente, ela quase podia vê-lo cruzando os seus braços inesistentes.
Definitivamente… ele estava de birra.
Zahara suspirou, balançando a cabeça com um sorriso de leve impaciência.
— Sabe… já lidei com crianças que faziam esse mesmo teatrinho.
Os olhos dele se estreitaram levemente.
E Zahara riu baixinho.
— Então vamos fazer um acordo… — disse, observando a reação dele.
Zarek piscou.
— Claro… vamos tornar isso justo. Você me ajuda, e eu te dou algo em troca.
— Algo em troca…? — questionou, com um insteresse surgindo.
— Sim… para que seja um acordo mútuo.
Aquilo despertou algo em sua mente.
Até agora, sua curta existência foi como um fluxo constante, como se ele apenas deslizasse por ele, sem tentar nadar.
Curioso, mas sem urgência. Observador, mas sem propósito. E, por isso, nunca pensou na ideia de desejar algo.
Até agora…
Agora havia um desejo. Pequeno, sutil, mas presente.
— Qualquer coisa? — questionou, com as chamas de seus olhos parecendo brilhar mais intensamente.
Zahara ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— O que estiver ao meu alcance. E dentro do limite do bom senso, claro — concluiu, com seu tom quase se tornando um sussurro.
Seus tentáculos se moveram levemente, como se animados por alguma ideia recém-nascida.
E Zahara acompanhou o movimento com um olhar cauteloso.
— Você já tem algo em mente?
Zarek assentiu.
— Então diga…
Ele hesitou por um instante, como se pensasse na melhor maneira de dizer.
— Eu quero poder sair — Sua voz saiu com sua voz rouca uma seriedade exacerbada.
Assim que ele disse o seu desejo, o silêncio se instalou entre os dois mais uma vez.
Zahara piscou tentando compreender o que ele havia dito.
— Sair?
Zarek inclinou-se um pouco para frente assentindo, com os tentáculos agitando-se com mais vigor.
Por um momento, Zahara não reagiu. Mas depois, algo em sua expressão começou a se desfazer.
Seus ombros tremeram, e um som baixo escapou de seus lábios.
Ela estava segurando o riso.
Zarek permaneceu a encarando, em silêncio.
Até que ela não conseguiu mais conter. Um riso abafado cresceu até se tornar uma gargalhada sincera.
— O que você é? Um cachorro? — Ela disparou, limpando uma lágrima no canto do olho.
Ele não entendia o motivo da graça. Para ele, aquilo fazia sentido.
Zarek inclinou o crânio em confusão enquanto ela tentava se recompor, mas com o sorriso persistindo em seus lábios.
— Sair, é? — ponderou. — Certo… desde que sempre à vista, e até onde eu disser.
Zarek assentiu, aparentemente satisfeito.
E Zahara sorriu de canto e jogou algumas raízes na fogueira.
— Muito bem, então. Considere seu pedido registrado. Agora só falta cumprir sua parte.
Zarek observou o fogo consumir as raízes, enquanto as chamas dançavam no ar.
Assentiu Zarek, com seu crânio.
Zahara o encarou por um momento antes de se recostar, voltando a olhar para o céu estrelado.
— Então eu te dou o que estiver ao meu alcance — continuou ela, com a voz cada vez mais baixa — e você me ajuda a acabar com essa maldição.
•
O sol já começava a se pôr no horizonte quando Marko atravessava a trilha seca que conectava Keden ao deserto. O céu, tingido de tons dourados e alaranjados, projetava longas sombras sobre a terra árida, e a carroça rangia sob o peso da viagem.
Os cavalos avançavam em um ritmo constante com seus cascos levantando poeira fina no caminho. E Marko mantinha as rédeas firmes, assobiando baixinho uma melodia qualquer para passar o tempo, até que, ao longe, avistou uma figura parada à beira da estrada.
Mesmo antes de vê-la claramente, soube de quem se tratava.
— Hah… — suspirou, esboçando um sorriso.
Mas conforme se aproximava, algo o fez estreitar os olhos.
Zahara estava lá, com seu chapéu largo escondendo parte do rosto na penumbra e seu vestido claro, esperando… como se já soubesse que ele viria. No entanto, quando seus olhos percorreram seu corpo, Marko notou algo.
Havia faixas envolvendo parte de seu braço e seu dorso, se estendendo até onde a roupa cobria. Pequenos cortes e hematomas eram visíveis nas partes expostas de sua pele, denunciando que, apesar das aparências, ela havia passado por algo.
Marko sentiu seu sorriso murchar.
Freou levemente os cavalos, conduzindo a carroça até parar ao lado dela. Zahara não disse nada. Apenas acenou levemente com a cabeça e, sem cerimônia, subiu na parte de trás da carroça, carregando consigo sua mochila e a pequena bolsa de cintura.
Marko apenas observou, sentindo um gosto amargo descer por sua garganta.
Ele olhou de relance para dentro da carroça, hesitante.
— Você… — começou, a voz saindo mais cautelosa do que esperava — precisa de ajuda?
Por um momento, houve silêncio.
Zahara ainda estava se ajeitando entre os sacos de mercadorias. Foi quando ela apenas ergueu os olhos para ele e, então, com um leve movimento dos lábios, sorriu.
— Hummmm… sim.
Marko ergueu uma sobrancelha, surpreso pela resposta direta.
— Se não se importar — ela continuou, casualmente — vou pegar fiado parte da sua carne seca. Não me sobrou mantimento para a viagem de volta.
Marko piscou.
Não era exatamente a resposta que esperava.
Um segundo depois, bufou um riso pelas narinas, meneando a cabeça.
— Sempre tão prática, hein? — sussurrou.
E sem mais palavras, puxou levemente as rédeas, e os cavalos voltaram a se mover, e carroça seguiu seu caminho, rangendo suavemente conforme avançava pela trilha.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.