Capítulo 9 - Propósitos e Maldições
Uma brisa suave descia dos céus e corria pelos corredores do palácio, acariciando o rosto de Zahara, que se viu sentada sobre o corrimão do corredor.
Seus olhos se voltaram ao redor, observando enquanto as pessoas começavam a aparecer, saindo das portas e ramificações e seguindo o seu rumo. Todos elegantemente trajados com roupas da mais alta qualidade. Soldados, empregadas e outros, todos ornados ou tecidos em aço reluzente e linho fino.
Zahara franziu a testa, estranhando a atmosfera, até que sentiu algo puxar a barra de seu vestido.
— Mana? — disse uma pequena garotinha, que a encarava com seus olhos enormes e brilhantes.
Ela também estava com um belo vestido, e seus pequenos cabelos cacheados haviam sido amarrados em tranças, assim como os de Zahara.
Assim que os olhos de Zahara se encontraram com os dela, foi como se sua consciência voltasse para si.
— Su… cadê o velho?
A jovem garota apenas pôs o dedinho entre os lábios, pedindo discrição, como se estivesse agindo sigilosamente.
— Shhh~ vem… vamos brincar! — sussurrou enquanto começava a agarrar e puxar a sua mão.
E ela apenas se deixou levar, não resistindo de forma alguma, enquanto os passos de ambas ecoavam pelos corredores.
A moçoila logo se soltou de sua mão e correu à sua frente.
— Vem me pegar! — gritou, rindo, enquanto dobrava o corredor à direita.
E Zahara deu um sinuoso sorriso de canto de lábios, enquanto acelerava os seus passos para acompanhar os dela.
Assim que ela chegou à esquina do corredor, ela havia a perdido de vista, fazendo-a trocar o sorriso de seu rosto por uma expressão de confusão.
Ao voltar a desviar sua atenção ao seu redor, as pessoas que antes transitavam sem parar haviam desaparecido sem aviso, e o ambiente pareceu estar encoberto por uma estranha névoa acinzentada que flutuava pelo ambiente, ondulando suavemente.
Zahara hesitou por um instante, mas avançou atraída por uma porta entreaberta que chamava a sua atenção.
Ela empurrou a porta devagar, revelando uma ampla sala iluminada por um brilho dourado fraco, que parecia emanar de velas dispostas ao longo de uma larga mesa que parecia se estender pela sala até perder-se na penumbra. Sobre ela, havia um prato tapado com um cloche de prata, e inúmeras cadeiras ladeavam-na, mas todas estavam vagas, com nem mesmo uma pessoa sequer.
Zahara se aproximou do prato com curiosidade, e ao levantar a tampa de prata, ele estava vazio, e um sussurro abafado ecoou pela sala, seguido de pequenos passos rápidos atrás dela, vindo da mesma entrada da qual ela veio.
— Su…? — questionou, enquanto se virava rapidamente.
Mas, sem resposta.
E então ela caminhou em direção à porta e olhou para os dois lados do corredor. De alguma forma, o ambiente parecia ter mudado, e os corredores pareciam muito mais profundos do que antes, pulsando com uma energia que a fazia sentir-se menor a cada passo e um som baixinho começou a ecoar ao longe, a guiando pelo caminho.
Zahara sentiu um aperto no peito enquanto se aproximava.
— Su…? — chamou novamente, mas com sua voz parecendo abafada em seus ouvidos.
E o som das batidas soavam, sincronizados com as batidas de seu coração, cada vez mais intensamente e mais ensurdecedor, quanto mais próximo ela chegava de uma enorme porta ao final do corredor, que parecia tremular a cada batida.
Zahara parou diante dela, sentindo uma presença pesada, quase sufocante, do outro lado. Sua mão foi ao encontro da maçaneta, quase que instintivamente, sentindo uma sensação de que algo estava a observando e um arrepio percorreu sua espinha.
O som das batidas cresceu até se tornar insuportável, e no instante em que girou a maçaneta, Zahara acordou com um suspiro ofegante.
Seu coração martelava contra o peito em um ritmo frenético. No entanto, seu rosto permanecia sereno, quase indiferente, como se já tivesse se acostumado com a sensação inquietante de ser arrancada de um sonho turbulento.
Seus olhos vaguearam pelo teto de madeira acima dela, onde as sombras das cortinas dançavam suavemente à luz filtrada do amanhecer. Ela permaneceu assim por alguns minutos, ouvindo, sem foco, o som abafado dos pássaros que cantavam do lado de fora da janela.
Após um suspiro profundo, Zahara deslizou as pernas para fora da cama e sentou-se à sua beira, espreguiçando-se devagar. Seus braços se estenderam, o corpo enrijeceu por um momento, e então ela relaxou, permitindo que a sensação de cansaço se dissipasse.
Em seguida, levantou-se com os pés descalços afundando levemente no tapete e caminhou até uma janela oposta à cama, enquadrada por cortinas de tecido leve, que dançavam suavemente com a brisa.
Ela as abriu, e observou os céus e a floresta por um curto período, até que seguiu para fora do quarto, rumo a outra porta, que dava acesso ao pequeno escritório que mantinha em casa.
Ao abrir a porta, constatou que Zarek ainda permanecia desacordado, posicionado novamente sobre a cômoda onde ela havia o colocado. Ela permaneceu ali por alguns instantes, observando-o, antes de fechar a porta sem fazer barulho.
Ela pegou um pequeno balde e uma toalha que mantinha pendurada próxima à porta dos fundos e se retirou para tomar o seu banho, em seguida pondo um vestido simples que pegou de um pequeno baú aos pés da cama, onde Zahara guardava suas roupas. Então, se dirigiu até a cozinha, uma pequena área separada da sala principal, com um fogão de pedra. Pegou uma panela e ferveu água, usando-a para fazer o seu chá, que bebeu com um único pedaço de pão, que restou em suas prateleiras.
Ao término de sua refeição, ela foi então ao escritório.
Seus olhos imediatamente pousaram sobre os papéis e livros espalhados na mesa, com a luz do ambiente externo mal iluminando a sala. Ela se direcionou à lareira e acendeu o fogo com algumas batidas de pedras sobre musgo seco, que se incendiou rapidamente e colocou um caldeirão de ferro sobre a lareira. Do lado, sobre a mesa abarrotada de livros e papéis, ela começou a separar cuidadosamente alguns ingredientes.
Ela despejou água no caldeirão, observando-a borbulhar à medida que aquecia. Em seguida, apanhou um punhado de folhas, que secavam em redes suspensas pela sala, e as triturou em um almofariz de pedra, liberando um aroma pungente que parecia encher o ambiente.
— Base estável — murmurou para si mesma, jogando as folhas trituradas na água.
O líquido assumiu um tom esverdeado enquanto ela mexia com uma longa colher de madeira.
Do outro lado da mesa, repousava um pequeno frasco contendo uma substância cinzenta e pastosa — a massa cerebral de um pútrido, colhida em uma de suas expedições. Zahara abriu o frasco e um cheiro acre e metálico a fez contrair a borda de seu nariz por um instante.
Ela usou uma colher para transferir uma pequena quantidade para o caldeirão. Assim que a substância tocou o líquido, este começou a brilhar com uma luz discreta.
Por último, Zahara pegou um punhado de pó, e o polvilhou sobre a mistura, fazendo uma leve fumaça subir, mexendo a mistura mais uma vez, até, lentamente, o líquido adquirir uma tonalidade púrpura acinzentada.
E então, finalmente, transferiu cuidadosamente o líquido para frascos de vidro e os pôs enfileirados na mesa.
— Vai ter que bastar… — murmurou, observando os frascos.
Ela ficou novamente estática por um momento enquanto observava a monotonia do quarto.
Zahara ergueu os olhos, direcionando-os para a cômoda de Zarek, e o tédio parecia começar a incomodar o seu peito cada vez que olhava para ele.
— Ainda não vai acordar? — murmurou, enquanto se aproximava calmamente dele.
Ela pôs sua mão sobre sua testa e luzes emanaram suavemente de sua imposição de mãos, como se a energia fluísse a partir dela.
Por um momento, pareceu que Zarek reagia, com seus tentáculos tremulando levemente, mas logo voltaram à imobilidade.
— A marca te nocauteou para valer, né? — disse Zahara, afastando a mão com um suspiro entediado. — Você vai acabar me atrasando.
Seus olhos o encararam por uns segundos, com um sinuoso bico em seus lábios, como se tentasse segurar um protesto silencioso. Até que sua testa se franziu, refletindo sobre o que ela mesma acabara de dizer.
— Me atrasando… — Seu rosto se virou vagarosamente em direção a um calendário pendurado na porta do quarto. — Maldição! Eu quase me esqueci!
Disse, levando uma de suas mãos à testa e deixando seus dedos deslizarem até os cabelos, puxando-os levemente enquanto pensava.
— Essa semana de cão… — resmungou enquanto sentia um nó apertar-se em seu estômago enquanto sua mente reorganizou rapidamente os passos que precisava tomar.
Ela se direcionou para a mesa e começou a enfiar os frascos que acabara de fazer dentro da bolsa. Em seguida, ela abriu um compartimento sob a mesa e retirou uma pequena bolsa de couro. A mesma que o chefe da vila havia lhe dado como forma de pagamento, e olhou para o seu interior desconfiadamente.
— Se continuar assim, vou acabar vendendo os sapatos — resmungou para si mesma, com um pequeno sorriso surgindo em seu rosto, como se zombasse de si mesma, enquanto cogitava a possibilidade. Mas logo a ideia desapareceu de sua mente, voltando a ficar inexpressiva.
Sua mente vagueou por um momento em seus pequenos dilemas, quando lembrou de uma cena do seu sonho que a fez sentir um suave aconchego.
Ela apanhou seu caderno de anotações e balançou suavemente as suas páginas, como se tentasse fazer algo cair, mas nada veio.
Zahara franziu uma de suas sobrancelhas enquanto balançava o livro com um pouco mais de força, depois o abrindo e o foleando de folha em folha rapidamente, tentando procurar impacientemente por aquilo que estava faltando.
O olho direito de Zahara voltou a entrar em colapso, com sua pálpebra tremendo nervosamente. Em resposta, ela pôs a sua mão sobre o seu olho para acalmar os seus nervos.
Zahara lançou um olhar de desconfiança para Zarek, com os dedos tamborilando contra a borda do caderno.
— Depois vamos ter uma conversa sobre mexer nas minhas coisas… — murmurou, apertando o caderno contra o peito como se estivesse o protegendo.
Ela se afastou com passos lentos e parou no meio do quarto com seus olhos varrendo o espaço, pensativa.
— Falando nisso… — começou, enquanto esfregava a nuca distraidamente. — Se ele acordar logo depois que eu sair, vai ficar muito tempo sozinho.
A ideia pairou no ar por um momento enquanto seu olhar permanecia perdido em algum ponto do chão. Sua mente começou a organizar os problemas em forma de listas, até que ergueu o rosto, como se tivesse acabado de chegar a uma conclusão.
Seus olhos foram então ao encontro de Zarek pela última vez, enquanto abria um sorriso sádico de orelha a orelha.
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