Capítulo 1: A saída
O aroma fresco da grama preenchia o ar, e as sombras acolhedoras das árvores ofereciam um alívio do sol escaldante. Porém, havia algo ainda mais especial pairando no ambiente.
Era mais do que apenas a beleza da natureza; era a união de pessoas dispostas a enfrentar juntas os desafios que a vida lhes apresentava.
Ali, naquele lugar onde a colaboração vencia a adversidade, uma pergunta pairava no ar: “onde se poderia encontrar essa felicidade tão profunda?”
A resposta, de maneira simples, residia a leste do reino de Eldoria, relativamente próxima da segurança das muralhas.
Era ali que o tão ansiado refúgio, batizado de Vale Verde, se erguia em todo o seu esplendor.
Nesse pacífico lugar, um jovem se via angustiado, em meio a vários outros de sua idade.
— Será que um dia seremos atacados? — dizia o jovem de baixa estatura, não condizendo com a idade que tinha.
— Não diga besteiras a essa hora da manhã, Viore — retrucou o rapaz de cabelos castanhos ao seu lado.
— Concordo, já não basta termos que carregar essas toras pesadas de um lado para o outro todos os dias… — protestava um dos garotos. Seus cabelos loiros, que brilhavam como o sol, não refletiam sua energia, pois sua postura desleixada e voz sonolenta ofuscavam todo o seu brilho.
— Além do mais, por que alguém iria querer atacar essa vila patética? — continuava o sonolento rapaz.
— Vai saber… melhor não dar chance ao azar. Vou me mudar para a cidade o quanto antes. Espero que não sintam muita saudade, hehe.
Um velho homem se aproximou do grupo de jovens, como se estivesse aguardando sua vez de falar.
— Viore, do que tem tanto medo? Se estivéssemos em uma vila comum, eu até entenderia, mas aqui, como sabe, estamos próximos à capital. Quem seria maluco de atacar um lugar tão próximo à morada do Rei? Sem falar que aqui temos o jovem Aron, tenho certeza que sabe que ele nos defenderia caso algo ocorresse.
— Senhor, Orlin? — exclamou o jovem, surpreso com a aparição repentina do velho. — Eu sei muito bem de tudo isso, também sei das habilidades do mano Aron, mas, senhor Orlin, eu não sou igual a ele… não consigo me defender sozinho.
A expressão de Orlin suavizou. Por um instante, pareceu ouvir não apenas a voz de Viore, mas também as inseguranças de muitos outros jovens do vilarejo.
— Hahaha! Não seja assim. Viore, coragem não é ausência de medo. É a escolha de seguir mesmo com ele. Além disso, você pretende abandonar seus pais só por um medo que talvez nunca se concretize?
Os outros dois jovens presentes riram, deixando o alvo das risadas extremamente constrangido por demonstrar sua ingenuidade.
— Você sabe que eu nunca faria isso! — exclamava com uma expressão envergonhada em sua face.
— Certo, certo. Falando nisso, onde está o jovem Aron?
— Ele tá se preparando pra ir a cidade.
— Oh! Então ele finalmente vai utilizar os ofícios de comerciante que eu o ensinei por todo esse tempo? — O velho homem pulava de alegria.
Sua expressão, que transbordava em felicidade, foi abruptamente interrompida pela resposta do pequeno jovem:
— Claro que não, haha. Ele vai acompanhar o Shalton como seu segurança.
A felicidade do senhor se desvaneceu de repente, cedendo lugar a uma raiva profunda, que mais se assemelhava a uma indignação intensa.
— O quê? Como ele ousa virar aprendiz daquele velho picareta!? A ele vai ver só, vou falar tudo o que esse merdinha precisa ouvir!
— Eu não acho que seja esse o motivo… — murmurou o jovem, enquanto o velho se afastava em direção ao centro da vila a passos largos.
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No centro da vila, caixas eram empilhadas na carroça de Shalton. O velho homem, de testa franzida e paciência escassa, observava cada movimento como se lidasse com artefatos mágicos.
— Aaaaah! — gritou, com um tom que atravessaria até pedra.
O grito estridente machucaria facilmente as orelhas de qualquer humano ou não-humano que tivesse uma audição melhorada.
— O que aconteceu, senhor Shalton? — indagou o jovem com preocupação, sem entender o que poderia ter dado errado, apesar de todos os cuidados que havia tomado.
— E se essa caixa cheia de objetos frágeis que você colocou no topo de todas as outras mercadorias acabar caindo, aan?. Na vida eu acredito que haja limites para tudo, Aron, até mesmo pra burrice. Seu antigo mestre não te ensinou nem isso?
— Calma, mestre? Como assim mestr… — Aron tentou perguntar, mas foi interrompido por um bramido feroz, mais próximo do rugido de uma fera do que de um ser humano.
— AAAH! Então era aqui que você estava!
A voz cortou o ar como uma lâmina. Aron se virou assustado, apenas para ver Orlin marchando com os olhos em chamas.
— S-Senhor Orlin!? O que está fazendo aqu…
— SHALTON! — trovejou Orlin, apontando um dedo trêmulo, mas firme. — Não basta tentar surrupiar meu discípulo, ainda tem a ousadia de zombar de meus ensinamentos?
Ele avançou alguns passos, o rosto vermelho de indignação.
— Já que gosta tanto de falar sobre limites, aqui vai um pra você guardar até o fim da vida: Até a paciência de um velho tem um fim. E a minha acaba de chegar lá…
O clima ficava pesado, mesmo Aron não tendo a menor ideia do porquê.
— Ora, ora, Senhor Orlin, por favor, tenha modos e não faça todo esse estardalhaço no centro da vila. Os moradores querem descansar. — dizia com uma expressão de deboche em seu rosto quase palpável.
— Seu merdinha… Saiba que você nunca roubará meu promissor aprendiz. Eu entendo que sua velhice possa estar o incomodando, mas tentar roubar meu aprendiz é simplesmente muito baixo… até mesmo pra você… — A expressão no rosto do velho Orlin parecia a de alguém segurando o riso em um funeral, tamanho era o esforço que fazia para conter as gargalhadas.
— Seu desgraçado! Acha que só porque é um pouco mais alto que eu, suas habilidades também são!? Há limites para tamanha petulância, ORLIN!
— Já chega, vocês dois! — Aron interrompia a discussão entre os velhos, que mais parecia uma briga entre crianças. —Até quando pretendem ficar disputando por algo que nem existe!?
Os velhos, agora com os olhos fixados em Aron, perguntavam ao mesmo tempo:
— Como assim?
— Que? — indagou Aron, questionando os velhos: — “Como assim” o que?
Os velhos olharam para Aron com expressões de surpresa. Orlin coçou a cabeça, enquanto Shalton arqueou uma sobrancelha em confusão.
— Mas… você não tinha me pedido para ensiná-lo sobre o valor correto das moedas do reino de Eldoria? — perguntou Orlin.
— Foi, mas apenas porque quero fazer algumas compras na capital, e não queria ser enganado.
— E quanto a mim!? Você me pediu para ensiná-lo como avaliar o preço de pedras preciosas.
Aron deu de ombros com um sorriso.
— Bom, isso também foi porque eu não queria ser enganado pelos vendedores gananciosos da capital.
Os velhos mestres trocaram olhares perplexos antes de finalmente cederem a risadas sinceras, como se tivessem percebido a ironia de sua disputa anterior.
— É realmente, vejo que você nasceu para ser um guerreiro; um mercador jamais deixaria tantos mal-entendidos à solta.
— Achei que já tivesse percebido isso, senhor Orlin — dizia Aron com um sorriso no rosto.
Após um momento, Shalton, cansado de toda aquela discussão e percebendo que sua teimosia poderia custar a preciosa luz do sol que necessitava para chegar à capital, finalmente tomava uma decisão firme:
— Vamos indo, Aron. Deixe esse velho para trás, temos que aproveitar a luz do sol enquanto podemos.
Aron concordava com um aceno de cabeça.
Os preparativos estavam prontos; todas as mercadorias estavam na carroça, e Shalton estava prestes a chicotear o cavalo à sua frente quando ouvira:
— Eiiii!
“Que merda, mais tempo perdido”, pensava Shalton.
— Viore? Tomás? Lúcio? O que fazem aqui? — perguntava Aron.
— Ora, “o que fazemos aqui”, viemos nos despedir — respondeu Viore com um sorriso inocente no rosto.
— Despedir? Tá insinuando que eu vou morrer nessa viagem? — Um olhar maléfico aparecia no rosto de Aron, que o direcionava a Viore.
— C-claro q-que não — dizia Viore, tremendo de medo.
— Já chega, Aron! — A voz antes sonolenta, agora estava desperta. Era Lúcio, que parecia não gostar do comportamento de Aron, devolvendo-o com um olhar determinado em seu rosto.
O clima ficava pesado, pois todos sabiam que Aron era o grande protetor da vila, tendo-a defendido várias vezes de bandidos bêbados. No entanto, ele nunca estava sozinho; outro corajoso guerreiro sempre lutava ao seu lado, esse alguém era Lúcio.
Embora Lúcio não se comparasse a Aron, ainda era um valente guerreiro. Mesmo que a vila não sofresse ataques constantes, ninguém queria arriscar perder seus únicos protetores.
— Aaah — Aron suspirou. — Como sempre, você continua muito chato quando o assunto é o Viore, não é, Lúcio? Deixe eu me divertir um pouco antes de passar horas sentado em uma carroça.
Uma sensação de alívio envolveu todos os presentes.
— N-não diga besteiras, só não gosto de ver você intimidando os mais fracos.
— Sei…
Após o breve momento de reconciliação, Shalton não conseguia mais conter sua impaciência. Cruzou os braços, soltou um suspiro frustrado e começou a bater as pernas repetidas vezes no piso da carroça, incapaz de permanecer em silêncio.
— Se já acabaram com o showzinho, temos que partir… — dizia Shalton, suas veias quase saltando de sua cabeça de tanta raiva.
— Eita! É verdade, vamos indo, velho. — Aron ajeitava-se na carroça e dirigia seu olhar para Viore, dizendo:
— Vou trazer presentes, aguarde ansioso.
Os olhos do pequeno Viore se enchiam de brilho, e ele acenava com a cabeça
— Ótimo! — Aron olhava para os outros a volta e complementava:
— E não se preocupem, não me esqueci de nenhum de vocês. Vou trazer coisas de acordo com os interesses de cada um. Mas já vou adiantando, Lúcio, prepare-se para receber uma enxada nova. — Um sorriso travesso dançava em seus lábios.
— Ei… qual é, Aron. Somos parceiros né? Você sabe que eu preciso de uma espada nova… — Lúcio implorava com os olhos.
— Vou pensar no seu caso. Talvez eles tenham uma enxada de combate… hehe. — dizia enquanto a carroça já estava em movimento.
— Não… por favor… não!!!
— HA HA HA HA HA!
A última coisa que Lúcio escutou de Aron foi nada além de sua risada diabólica, que ecoava cada vez mais distante, até que, o silêncio reinou novamente.
Aron e Shalton deixaram a vila para trás e finalmente seguiram em sua jornada.

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