Em uma noite de sábado, eu estava de varde: não saía mais com Lily para jantar. Sacrificando o tempo em troca de relaxamento, resolvi assistir a um filme na sala com Andor. Mesmo que não reagisse, só queria fazer o que ele gostava. Tive que carregá-lo até o sofá e encher de almofadas para que não ficasse com postura torta. Afinal, eu não queria ver sua boca torta para o leste. Com um saco de pipocas em uma asa, mandei sinal na TV, e coloquei o filme favorito dele. O programa era sobre uma capivara agiota de 90 anos que fugia da polícia e facções (embora nonsense, não posso negar que era bom). E incrivelmente, a capivara velha dava muitos tiros a bandidos com sua bengala mágica, que se transformava em um fuzil. Andor devia estar amando o filme! Ele não franzia a sobrancelhas, então era óbvia sua curtição. A cada vítima que a idosa fazia, colocava pipoca na boca de meu filho, que mastigava um pouco e esquecia de engolir. Tal diversão durou três quartos de hora…
    De repente, uma crise me pediu para fazer outra experiência. Não sei explicar… fui possuído, sensação nostálgica. Tentei contornar, mas aquele espírito voltou. Era uma emergência! Não havia razão para tal, mas tinha certeza que era emergencial!
    — Ah, minha nossa! Eu preciso de experiências! Eu preciso de provas! Eu preciso confirmar! Eu, eu…
    Sem demora, carreguei Andor para dormir, enrolei com o lençol e tranquei seu quarto, não lembro o motivo. Imediatamente corri ao freezer. Que decepção. Fiquei olhando as gavetas congelantes por vários segundos: não havia mais carne universal, apenas refrigerante e bebidas alcoólicas. De raiva, meu estômago e a saliva gritou, e se tornou meu cérebro. Respondi aos seus comandos, sem contestar.
    Desliguei a TV, a capivara agiota não iria aparecer na tela, muito menos atirar com sua bengala mágica. Comecei a beber várias e várias garrafas de bebida para acalmar o demônio que me possuía. Deu um relaxamento bem gostoso, não nego. Embora não era aquilo que a minha obsessão pedia. Me negava, tremendo todas as penas. Olhei no espelho e minha pupila era apenas a cabeça de um alfinete. Eu não reconhecia aquele outro frango que me imitava. Não, aquilo não era eu. Assim, fui ao banheiro, vomitei para esvaziar a barriga, pesado por bebidas. No caminho do corredor destranquei o quarto. Era a ordem que recebi.
    Eu humano, ordeno a você…
    Abri de leve a porta. Um leve ronco e um leve sorriso… o ar ambiente também era leve, como se tivesse sarin, monóxido de carbono ou qualquer outro perfume.
    E após semanas em silêncio, Andor lançou algumas palavras, em oratória perfeita:
    — Obrigado por vir brincar comigo.
    Não vi a expressão de seu rosto. Não tive coragem em ligar a luz.
    Há uma grande lacuna no que narrarei a seguir, pois apenas me recordo de alguns lapsos. Mas foi um banquete tão grande que o vinho vermelho alagou a mesa de jantar, que escorria para o chão. Garfadas enormes, muita bebida. Bebi até secar todo o chão. É sujo? E daí? Era o ápice das minhas experiências. NUNCA COMI NADA TÃO MARAVILHOSO! Tinha uma textura suculenta, lembrava cogumelos Paris. Como eu poderia me expressar ao sabor? Ah, o sabor… não havia nenhum tipo de grão, nenhum tipo de fruto que se chegava perto de sua natureza divina. Cada garfada era uma viagem de foguete ao paraíso, que rapidamente despencava ao inferno: esplêndido. Dessa forma, berrava palavras sem conteúdo com esse bombardeio de dopamina em meu cérebro de noz, e jogava os restos na toalha de mesa. Juntei tantos restos duros e incomíveis (embora saborosos, poderia aproveitar para fazer caldos de molhos), que decidi amarrar as pontas da toalha e arremessar da varanda à caçamba de lixo. Continuei, degustei felizmente o restante. E não suportei, minha alma pesava mais que meu corpo. Caí no chão sem mais nada. Foi a única vez que não cacarejei antes do amanhecer.
    Acordei de ressaca, como vocês humanos falam. O saco com restos desapareceu, o lixeiro havia passado? As cadeiras viradas e o chão encardido. Me levantei, com enorme dificuldade, pois estava me sentindo mais pesado. Quando olhei o relógio… onze da manhã! Não restava tempo para ir ao parque com meu fiel amigo. Fui até seu quarto, mas ele não estava lá. O ar já não estava tão leve. Chamei por todos os cômodos, mas apenas o vazio respondeu. Achei que ele tinha ido brincar. Desci a rua, gritando o seu nome. A minha voz foi diminuindo, o suor excessivo, a mobilidade é difícil. A cada dezena de passos, me apoio em um poste, segurando a barriga.
    Até que veio aquele famoso efeito eufórico, onde surgiu as memórias…


    …De uma vida normal de humano. Até que um dia acordou num salão trancado, com outros humanos. Não era possível saber os motivos do confinamento. Só tinha que comer ração e encher a gordura. Na sala havia janelas baixas, onde ofereciam o vasilhame com o alimento. Comer, comer, quem pesava mais recebeu prêmios (a bonificação era mais comida). Um belo dia, um grupo de raposas, de roupas esquisitas, entraram na sala com um boi magro. Cada raposa apontou a certas. Um dos dedos indicadores das raposas viam em minha direção. Logo, me enfiaram numa jaula ainda menor, quase um cubo com arestas de apenas 1 metro… O ser que me guia se negou. Obviamente o boi magro repreendeu com alguns coices. Apagou a visão
    Os olhos abrem novamente. Ainda estava na jaula. Recebeu comida, mas de qualidade duvidosa: uma dor de barriga na certa. E as memórias ficaram monótonas. Mas certo dia, as raposas o descartaram numa caçamba de lixo. Antes de ficar tudo preto, vi de relance o rosto da Lily, a que trabalhei junto naquele supermercado, não sei por quê.
    E ficou escuro por uma quase eternidade.
    Finalmente um feixe de brilho me ofuscou um pouco. É melhor para respirar. Vejo um bicho de penas brancas tentando tirar da caçamba. Deu um banho quente, comida gostosa e vestimentas alegres. O filme da capivara. Nisso, o efeito começou a sumir aos poucos… só apareceu o parque…


    Era muito legal ir ao parque! Logo pensei “o Andor pode estar lá no parque!”. Ofegantemente andei até lá. Em poucas quadras ouvi risadas, um rangido do balanço do playground. Sim, é ele.


    Não tinha ninguém lá.


    Assim, me ajoelhei na calçada. A última experiência foi um sucesso. Foi a primeira vez que não vomitei.
    E agora tenho a mesma doença de Andor: inexpressão ou dor.

    Nota