Índice de Capítulo

    As tochas mal iluminavam as paredes de blocos que pareciam ter sido colocados ali há séculos. A umidade penetrante e o cheiro de mofo sugeriam que aquele era um lugar raramente visitado pelos vivos.

    No entanto, a quietude do corredor era interrompida pelo som de passos firmes ecoando contra o piso de pedra. À medida que uma figura solitária avançava, as chamas das tochas tremeluziam nervosamente à sua passagem.

    Finalmente, a silhueta alcançou uma porta de madeira antiga, cujos sulcos e entalhes marcavam toda sua extensão.

    Com um empurrão decidido, a porta rangeu em protesto, abrindo-se para revelar uma dúzia de pessoas envoltas em capas se reunindo.

    A luz das tochas lançava sombras longas e sinistras sobre seus rostos, ocultando suas expressões.

    O interior parecia uma cripta esquecida, com colunas de pedra robusta enfeitando o perímetro do lugar. A atmosfera era solene e misteriosa, o silêncio apenas quebrado pelo farfalhar dos mantos.

    No centro do recinto, uma mesa de pedra se impunha, rodeada por algumas cadeiras esculpidas com o mesmo material frio e sombrio.

    — Até que enfim você chegou, Yenerack — disse um dos encapuzados.

    Jogando a touca para trás, Yenerack apressou e se sentou na cadeira.

    — Sabem que sou ocupado, mas o que vocês querem?

    Um deles jogou o livro de Brighid na mesa, que, ao bater, levantou poeira.

    — Você disse que iria encontrá-la, mas soubemos que ela está em Runyra vivendo com o filho do traidor que se tornou Rei.

    Yenerack suspirou, alisando a testa.

    — Acreditei em Coen e ele me enganou também, tá bem? Não tenho culpa.

    — Como assim não tem? — indagou uma mulher. — Ele tentou nos exterminar séculos atrás e você faz acordo com ele, além de que uma das filhas dele andou matando alguns dos nossos.

    — Devíamos ter matado todos os Bëoranar quando tivemos a chance. — Um deles jogou o capuz para trás, revelando seu cabelo ruivo, longo e suas orelhas pontudas. — Você também deveria ter feito algo quando percebeu que o garoto era um deles, Betidor.

    Nos fundos, estava o líder do vilarejo da estrada, o homem com quem Colin fez um contrato para matar o Bakurak. Ele não parecia um velho, estava mais jovial como se tivesse rejuvenescido.

    — Vocês agem como se o garoto não tivesse sido útil para todos nós. Ele matou um dos pandorianos de Coen, isso com certeza o enfraqueceu.

    — E do que adianta? — disse um deles. — Coen é ardiloso, ele deve estar pensando em algo maior além de derrubar o véu. Todos os Bëoranar são uma ameaça, principalmente por sua habilidade de absorção de mana.

    — Há mais deles vindo — disse outro encapuzado. — O protegido de Betidor, Colin, está procriando como um coelho.

    — Ele é imune à maldição? — indagou outro, surpreso.

    — Celae deve tê-la quebrado para o garoto.

    Após esta frase, todos eles ficaram reflexivos.

    — Esse rei de Runyra é louco, soube que ele também é um monarca da pujança. Ele está procriando com uma fada e uma meia-elfa da neve que tem um ser do plano superior como pandoriano. Toda essa corja é perigosa demais.

    Betidor acendeu um cigarro.

    — O garoto ficou grande demais para podermos fazer algo. Nossa melhor chance é ficarmos quietos e observarmos.

    Silêncio se seguiu, até que um deles se manifestou, afastando a touca.

    — É isso que dá deixar esses velhos no comando — disse Saeliel, um rapaz de cabelo branco, olhos azuis e orelhas enfeitadas de piercings.

    — Que tal votarmos — disse um deles.

    — Votar? Para continuarmos quietos? — zombou Saeliel. — Sugiro que cada um faça o que quiser. Vocês, velhos que morrem de medo dos Bëoranar, podem continuar se escondendo, e fingirei que não foi culpa de vocês que a situação chegou a esse ponto pela sua negligência.

    Soprando cigarro para o alto, Betidor ergueu-se.

    — Os Elfos negros saíram da toca e começaram sua matança — disse. — Sem falar que a energia do abismo fica mais forte a cada dia. Além disso, a Encruzilhada quer trazer Alucard de volta. Não faz mais sentido essa organização existir, já que esse mundo se encaminha para o seu fim.

    Saeliel começou a gargalhar, atraindo a atenção de todos eles. Após alguns segundos, ele enxugou as lágrimas no canto dos olhos.

    — Certo, certo — disse ele abanando uma das mãos. — Eu mesmo darei um jeito na linhagem amaldiçoada dos Bëoranar, depois caçarei os Elfos negros e por último darei um jeito nos membros da encruzilhada.

    — Você vai morrer, garoto — disse Yenerack. — Mas se quer tanto assim desperdiçar sua vida, vá em frente.

    — Então, me permitem agir? — Ninguém disse mais nada. — Vou considerar que esse seja um, sim, mas e então quem vai comigo?

    Três levantaram a mão, dois homens e uma mulher.

    — É melhor agir agora do que não agir — disse um deles.

    — Depois do massacre dos errantes, — disse outro — nossa organização foi criada para obtermos todas as sete essências, mas Coen foi mais rápido.

    — Bom, — Yenerack ergueu ambas as mãos em rendição — estou fora. Continuarei no norte, vendendo armas ante-magia aos outros continentes e aproveitando minha vida até o fim do mundo.

    O ar rachou e estilhaçou-se. Sem olhar para trás, Yenerack adentrou e o portal fechou.

    — Isso mesmo, menos um covarde! — exclamou Saeliel. — E quanto a você, Betidor?

    — Façam o que quiserem, não me envolverei nesse plano suicida.

    — Ótimo, outro covarde indo embora.

    — Quando fundamos isso, — Betidor apagou o cigarro na mesa — conseguimos frear os Bëoranar por um tempo, e até mesmo Coen fugiu de nós, indo para outro plano, foi quando pensávamos que havíamos ganho. Porém, Coen deixou as filhas nesse plano sendo cuidadas pelas Moiras, mais do nosso pessoal morreu nas mãos de outras criaturas. Antes de Coen, éramos cerca de 500 pessoas. Depois do massacre, caímos para 100, e hoje mal somos 50.

    — Esse Colin dos Bëoranar — disse outro velho. — Ele não foi amaldiçoado como nós. Em alguns séculos, se ele continuar procriando, os Bëoranar serão os únicos errantes que restarão.

    — Quem liga para toda essa merda? — zombou Saeliel. — Então foi por isso que ninguém fez nada? Medo? O que foi, já estamos vivos há séculos e mesmo assim vocês têm medo de morrer… são mesmo uma piada.

    Saeliel ergueu o braço direito e suas tatuagens brilharam.

    — Vamos, pessoal, me recuso a ficar mais um minuto com esses covardes!

    Um portal se abriu e, junto de Saeliel, mais três membros desapareceram, deixando um silêncio sufocante quebrado por Betidor.

    — Não culpem a impulsividade do garoto — disse. — Ele é jovem, além disso, ele viu Coen assassinar sua família. O garoto está com raiva.

    — Acha que ele consegue? — perguntou um velho.

    — Acabar com tudo que está por vir? Duvido muito, mas ele pode dar dor de cabeça.

    Colin estava de pé em cima da cabeça de um dragão conjurado enquanto a criatura alada rasgava os céus.

    O mundo abaixo era um borrão de brancos e azuis, uma vastidão congelada que se estendia até onde os olhos podiam ver. De repente, com um movimento estudado, Colin se impulsionou para fora do crânio do dragão.

    No instante seguinte, o majestoso ser alado começou a se desfazer em milhares de partículas luminosas, desaparecendo no ar como se jamais tivesse existido.

    “O rastro da mana de Samantha está perto!”

    O ar gélido assobiava em seus ouvidos enquanto ele caía, cada vez mais rápido, em direção à terra congelada abaixo.

    Boom!

    Então, com um estrondo que ecoou por entre as montanhas cobertas de neve, Colin atingiu o solo, a força do impacto enviando nuvens de neve cristalina pelos ares.

    Ele se levantou, sacudindo a brancura gelada de seu manto, vapor quente escapando de seus lábios a cada respiração.

    — Isso não foi nem um pouco sutil.

    À frente, as silhuetas de tendas emergiam dentre a neblina gelada. Com passos resolutos, Colin se dirigiu em direção a elas, deixando pegadas profundas na neve imaculada.

    — Parado aí! — bradou um dos Orcs aproximando-se em cima de um lobo gigante. Ele apontava uma lança para Colin. — Quem é você? Identifique-se!

    — Sou Colin, minha subordinada, Samantha, ela está aqui, não está?

    O orc o encarou de cima a baixo. — Você é o rei de Runyra?

    — Sim, sou eu — disse com convicção.

    — Certo, me siga! — O orc pegou uma trombeta da cinta e assoprou.

    Fuooon!

    Os orcs se aglomeravam nas sombras das tendas, suas vozes guturais e murmúrios formando um zumbido constante.

    Muitos deles, criaturas de pele áspera e olhos ferozes, nunca haviam visto Ultan, o antigo imperador, cujo nome e lenda eram entoados no passado em canções e contos ao redor das fogueiras.

    No entanto, ali estava Colin, um completo desconhecido que teve uma ascensão meteórica ao trono, e ele havia viajado de terras distantes em resposta ao chamado dos orcs que sempre foram menosprezados, principalmente pelos humanos.

    Os orcs, cujo respeito era conquistado através da força e da bravura, observavam atentamente enquanto Colin adentrava seu território.

    Ele personificava tudo o que os orcs valorizavam: altura imponente, músculos robustos e uma aura opressora que instintivamente fazia os corações mais fracos tremerem de medo.

    Conforme Colin avançava pela rua coberta de gelo, os orcs se alinhavam em seu caminho. Um após o outro, eles cerravam os punhos com vigor e os batiam contra o peito em um gesto de respeito e reverência.

    Bam! Bam! Bam!

    O som ressoava pelo vilarejo como um tambor, marcando a chegada de um líder, um guerreiro digno do título de majestade.

    Em silêncio, Colin continuou, seu olhar afiado percorrendo a multidão até que parou logo à frente. Samantha e os outros estavam bem agasalhados esperando a chegada de seu rei.

    — Eles gostaram de você — disse Samantha. — Kodogog tá te esperando lá dentro, vamos!

    Colin cumprimentou seus companheiros com um aceno de cabeça e seguiu Samantha para dentro da tenda.

    — Irmão Colin! — Kodogog ergueu o chifre com hidromel assim que botou os olhos nele. — Está maior, o que andou comendo?

    — Nada de mais — respondeu Colin com um sorriso de canto.

    — Venha aqui dar um abraço no seu irmão, haha!

    Kodogog foi até ele e o abraçou, apertado a ponto de tirá-lo do chão.

    “Merda! Kodogog continua tendo essa força toda?”

    — Irmã Samantha me ajudou a convencer as tribos de orcs. — Ele colocou Colin no chão. — Vai mesmo fornecer terras para todos nós?

    Colin alisou os ombros. — Sim, claro, mas me responda uma coisa, preferem ficar aqui com esse gelo todo? Orcs são nômades, certo?

    Indo até os fundos, Kodogog pegou um chifre cheio de hidromel e o entregou nas mãos de Colin.

    — O que tem em mente, irmão?

    Colin deu um gole na bebida. — O continente é enorme e as guerras milenares tiraram a vida de muitas criaturas, deixando o vazio. O território hostil, ele também é enorme, quase do tamanho de um país. Posso reservar algo assim aos orcs, mas não aqui.

    — Longe do gelo, irmão Colin? E onde seria?

    — Em Rontes do Sul. Ela está tomada por monstros agora, mas assim que eu voltar, prepararei para partir e livrar aquelas terras de demônios. Soube que é um país montanhoso e quente. Podem prosperar lá.

    — É claro que aceitamos! — exclamou o Orc. — Quando partimos?

    — Não precisam se preocupar, eu resolvo isso. Quando as coisas se ajeitarem, escrevo para vocês.

    Bam!

    Kodogog deu um tapinha amigável nas costas de Colin.

    — Nada disso, nós vamos com você, irmão. O povo orc ficará grato de lutar ao lado do imperador, seria uma honra! Avisarei a todas as tribos sobre isso.

    — Certo — disse Colin. — Quantos Orcs vivem aqui no Noroeste?

    — Cerca de cinco mil — disse Samantha.

    — Ótimo, é um número pequeno, Runyra consegue comportar.

    — Tem outra coisa — continuou Samantha. — O negócio com os gigantes está parcialmente resolvido.

    Colin ergueu uma das sobrancelhas. — Parcialmente?

    — Alguns deles não o reconhecem como imperador e solicitam falar diretamente com você. Não são todos, isso vem da tribo mais numerosa deles. O rei é velho, disse ter seu próprio meio para reconhecer outro homem… é melhor falar com ele.

    Suspirando, Colin coçou a nuca. — Ótimo, só mais isso e o Norte estará totalmente pacificado. Me leve até ele, Samantha.

    — Kodogog também vai! — exclamou o Orc.

    — Não precisa, a viagem daqui até Runyra é longa. Avise as tribos para partirem o mais breve possível. Fale com Dasken, encontro vocês lá.

    Relutante, o orc cedeu. — Certo, obrigado, irmão Colin — ele bateu o punho cerrado no peito. — Os orcs nunca esquecerão sua generosidade conosco!

    Sem dizer mais nada, Kodogog deixou a tenda.

    — Sabe o que esse gigante quer, não sabe? — indagou Samantha, massageando o ombro.

    — Claro que sei! — disse empolgado. — Desde que voltei do plano astral que não entro em uma briga. Preciso desenferrujar!

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