Índice de Capítulo

    A catedral mal suportava tanta gente, os fiéis enchiam cada banco com olhares ansiosos e sussurros preocupados. O sacerdote, conhecido por sua pontualidade, estava atrasado, e a inquietação crescia.

    Então, como uma resposta às preces silenciosas, ele surgiu na entrada do santuário, um livro antigo preso sob o braço.

    Ele caminhou até o púlpito com passos que ressoavam contra o silêncio expectante.

    — Irmãos e irmãs — começou ele, sua voz firme ecoando pelas abóbadas de pedra. — Tive um sonho. — Ele levantou o livro, mostrando-o à congregação.

    Era o primeiro volume de Brighid ensinando a usar magia.

    — Assim como as páginas deste livro se viram, nossas vidas e nossa fé também estão em constante mudança.

    Com reverência, ele colocou o livro no púlpito.

    — Este é um texto sagrado de Brighid, a Santa de Valéria. Aqui, nessas escrituras, estão ensinamentos que transformarão o mundo. Tenho certeza de que daqui a cinco, dez anos, nós seremos seres evoluídos graças ao livro, graças a Santa de Valéria.

    Se aproximando dos fiéis, ele contou-lhes sobre sua jornada até a santa, como ele a encontrou entre as crianças enfermas, curando-as com uma magia que era, ao mesmo tempo, poderosa e gentil.

    — Eu duvidei, — admitiu ele — mas ela estava lá, tão real quanto qualquer um de nós.

    Então veio um silêncio contemplativo.

    — Naquela mesma noite, meu coração se encheu de dúvidas e eu busquei por respostas. Foi então que sonhei com a deusa da neve, sua presença fria e pura.

    As pessoas arregalaram os olhos só de ouvir o testemunho.

    — Mas à medida que ela se aproximava para perto de mim, seus braços estendidos como se fosse me proteger neles, vi que era Brighid. — Ele fez uma pausa, olhando para os rostos atentos diante dele. — É um sinal, meus amigos. A deusa veio para curar nosso mundo, embora sob um novo nome.

    Cochichos e murmúrios começaram.

    — Isso é um milagre! — proclamou ele com paixão. — Uma verdadeira deusa caminha entre nós, simples mortais! Conseguem perceber? A deusa veio para nos salvar!

    — Meus irmãos! — continuou o sacerdote, sua voz crescendo com fervor. — A deusa não nos abandonou. Ela veio em outra forma, outra casca, para nos salvar. Antes de se revelar, ela escolheu o rei Colin e a rainha Ayla para preparar o caminho!

    Ele olhou para a congregação, cada rosto pendurado em suas palavras.

    — Então, ela apareceu entre nós, operando milagres, trazendo cura e esperança. E mais, ela veio para gerar frutos neste mundo, escolhendo o rei Colin como seu consorte e abençoando-nos com três novos milagres em forma de crianças!

    O sacerdote estava chorando de paixão, inflamando os sentimentos dos fiéis.

    — A deusa caminha com Colin — ele proclamou — e assim devemos nós também seguirmos seu exemplo. Pois foi Colin quem trouxe paz, segurança e prosperidade. O mesmo homem escolhido pela deusa como seu marido é um guerreiro, um conquistador! Somos privilegiados por testemunhar tais maravilhas em nossa era!

    As lágrimas fluíam livremente agora, não apenas de tristeza, mas de alegria.

    — Espalhem a palavra — disse ele, erguendo a voz para que todos ouvissem. — Contem aos outros fiéis que nossa deusa está aqui para nos salvar. Ela veio na casca de Brighid, e é nosso dever honrá-la e recebê-la!

    E assim, com corações cheios e olhos brilhantes, os fiéis deixaram a catedral, carregando consigo a mensagem de salvação e a promessa de uma nova era sob a bênção da deusa encarnada.


    Gerrard e Bill estavam parados à porta, hesitantes.

    A sala estava silenciosa, exceto pelo som suave das páginas sendo viradas por Brighid, que estava profundamente absorta em sua leitura.

    Eles trocaram olhares, compartilhando uma relutância em interromper, mas a curiosidade queimava mais forte do que a timidez.

    Finalmente, Brighid levantou os olhos, e seu olhar pousou sobre eles. Um sorriso caloroso se espalhou por seu rosto, dissipando qualquer sombra de dúvida que eles tivessem.

    — Podem entrar, não se acanhem — ela disse, sua voz tão convidativa quanto o gesto de sua mão.

    Eles entraram, um livro desgastado em mãos. Gerrard, com uma voz trêmula, quebrou o silêncio.

    — Mamãe… encontramos algo… e estamos um pouco confusos.

    Ela estendeu a mão, e Bill, com um leve tremor, passou o livro para ela. Seus olhos dançaram pelas capas gastas e ela riu suavemente.

    — Ah, vejo que encontraram meu velho compêndio de magia. Esse é antigo… acho que foi escrito quando eu estava na ilha das fadas. — Ela pousou seus olhos sobre eles. — Estão estudando magia?

    — Estávamos tentando… — Bill começou, mas as palavras se perderam.

    — Praticar magia? — Brighid completou por ele, seus olhos brilhando com um misto de surpresa e orgulho.

    Os dois assentiram.

    Com um gesto gracioso, Brighid colocou o livro sobre a mesa e deu dois tapinhas na cadeira grande o suficiente para ambos.

    — Venham — ela incentivou. — Posso ensinar-lhes a despertar seus dons. Mas depois, terão que seguir as instruções deste livro à risca.

    Eles se aproximaram, e enquanto se sentavam, um sorriso luminoso iluminou o quarto.

    — Se conseguirem, — Brighid continuou — quando terminarem, haverá mais para aprender. Eu mesma garanto cuidar da segunda fase de seu aprendizado.

    A alegria deles era palpável.

    — Sério? — perguntaram empolgados, seus olhos brilhando.

    — Sim! Agora, prestem atenção, começarei com o básico, tá bem?

    — Tá!


    Ayla ajustou o decote de seu vestido com delicadeza, um gesto tão maternal quanto a amamentação que acabara de concluir.

    Com suavidade, ela colocou seu filho no berço, o coração cheio de um amor que só uma mãe conhece.

    Toc! Toc! Toc!

    As batidas na porta a trouxeram de volta à realidade, e ela se virou para receber Tobi, Meg e Hamald, suas expressões nervosas prenunciavam um assunto sério.

    — O que houve? — Ayla perguntou, a preocupação tingindo sua voz.

    Tobi deu um passo à frente, a determinação em seus olhos lutando contra o nervosismo.

    — Decidimos — ele começou — que vamos participar da prova de seleção.

    Ela franziu o cenho.

    — De jeito nenhum!

    Meg interveio, sua confiança transbordando. — Estamos prontos, nossas habilidades com a espada melhoraram muito! — ela insistiu, enquanto Hamald adicionava:

    — E alcançamos o nível um em nossas árvores de mana!

    Ayla manteve-se firme.

    — Nível um? Isso não é suficiente — ela disse, mas Tobi não desistiu.

    — Por favor, mãe — ele implorou. — Queremos que você… que a mãe Brighid e o pai se orgulhem de nós…

    Ayla sentiu o peso da responsabilidade e do amor.

    Ela cruzou os braços, ponderando, antes de finalmente ceder.

    — É isso que vocês querem? — ela perguntou, e eles assentiram com uma convicção que derreteu suas últimas resistências.

    Ela foi até a escrivaninha, escreveu uma carta e a entregou a Tobi.

    — Levem isso a Valagorn — ela instruiu. — Peçam que ele os treine.

    Um abraço coletivo se seguiu.

    — A gente não vai decepcionar a senhora! — afirmou Tobi.

    Foi então que Ayla começou a contemplar o paradoxo de ser mãe.

    Era um papel que ela desempenhava com uma dedicação instintiva, mas os contornos emocionais desse amor eram, às vezes, um enigma.

    Ela cuidava das crianças com uma proteção feroz, mas a ideia de ser uma das figuras maternas centrais em suas vidas ainda a surpreendia.

    Como poderia um amor tão profundo e incondicional ser também uma fonte de tanta incerteza?

    Ela sabia dos perigos da prova de seleção, das provações que seus filhos enfrentariam. Ayla entendia que cada desafio era uma chama que poderia forjar o caráter ou consumir o espírito.

    Mas a ideia de ser a barreira entre seus filhos e seus sonhos era insuportável.

    Ela não queria ser a tempestade que apagava as estrelas de suas ambições. Então, com um coração pesado, ela escolheu ser a brisa que alimentava suas chamas, não o vento que as extinguia.

    — Se apressem — ela disse com um sorriso. — Valagorn é um homem ocupado.

    Eles saíram correndo, e a rainha ficou ali, sorrindo feito boba.

    Ayla estava imersa em seus pensamentos quando a voz de Jane cortou o silêncio.

    — Até uma megera como você consegue amar algo — disse Jane, com um sorriso irônico que não alcançava os olhos.

    A meia Elfa se virou e viu Jane sentada casualmente na mesa, com a postura despojada.

    — Espero que tenha vindo me trazer boas notícias.

    Jane assentiu, um brilho astuto em seus olhos.

    — Começou. As pessoas estão “espalhando a palavra” — ela revelou, sua voz baixa e ardilosa.

    Com um movimento teatral, Jane balançou uma carta selada.

    — Isabella escreveu — ela disse, um sorriso enigmático se formando. — São notícias dos Elfos Negros, notícias que certamente vão te interessar.

    A jovem mãe pegou a carta e abriu o selo.

    “Querida Rainha Ayla,

    Espero que esta carta a encontre bem e segura. É com um coração pesado que me dirijo a vossa majestade para relatar eventos alarmantes que estão acontecendo próximas às nossas fronteiras.

    Os Elfos Negros, sob uma organização sem precedentes, estão avançando rapidamente pelo oeste. As forças que combatem essa ameaça estão sofrendo terríveis baixas, e há sinais de que o exército inimigo conseguiu se dividir e avançar em duas frentes distintas.

    As forças do Sul estão sob o comando de Miogve, um assassino experiente e responsável por inúmeros atos horrendos, principalmente contra fêmeas humanas. Seus métodos são brutais e sua crueldade não conhece limites.

    No Norte, as tropas estão sendo lideradas por Ghindrion, o filho mais velho de Milveg, o rei dos Elfos Negros.

    Suas intenções e objetivos parecem estar diretamente ligados ao rei de Runyra. Segundo minhas fontes, a ordem que receberam é clara e direta: encontrar e assassinar o rei Colin.

    Minha querida rainha, sinto um profundo temor pela segurança de vossa majestade, de Brighid e de toda a família real. Os Elfos Negros são conhecidos por sua crueldade e seus atos vis podem alcançar qualquer patamar.

    Esta é, sem dúvida, uma batalha que deve ser travada com extrema cautela.

    Os Elfos Negros são mestres na arte da magia, e muitos dos que avançam impiedosamente pelo oeste participaram das invasões e dos massacres que assolaram o continente séculos atrás.

    Suas habilidades mágicas são uma ameaça real e devem ser levadas em consideração em qualquer estratégia defensiva ou contra-ataque.

    Peço que tome as precauções necessárias e reforce as defesas de Runyra. A situação é grave e exige uma resposta rápida e eficaz.

    Estou fazendo todo o possível para manter vossa majestade informada.

    Que Brighid, a Santa de Valéria, proteja vossa majestade e nosso amado reino de qualquer mal que possa nos assolar.

    Com respeito e lealdade,

    Isabella.”

    — Pela sua cara, não deve ser nada bom — provocou Jane.

    — Onde Colin está? Já faz uma semana que ele se foi e disse que não ia demorar, tem alguma notícia?

    Jane não perderia a chance de alfinetá-la.

    — Provavelmente aproveitando a vida sem você para torrar a paciência.

    — Não é hora para suas gracinhas, súcubo, você consegue se comunicar com ele mesmo à distância, né?

    Jane deu de ombros. — Consigo, mas seu maridinho está longe demais para que eu possa me comunicar com ele. — Ela abriu um sorriso sedutor. — É engraçado como Colinzinho faz o que quer com você, mesmo assim, quando ele voltar, vai tratá-lo como se nada tivesse acontecido, o mesmo com a outra bonitinha. É um poder e tanto que ele tem sobre vocês, não acha?

    A filha de Ayla começou a chorar e ela a pegou no colo.

    — Calma, calma, a mamãe está aqui — A criança parou de chorar só de ouvir a voz dela. — O que continua fazendo aqui? Pegue a carta e a entregue para Tuly. Ele é o líder da guarda, é hora de mostrar serviço.

    — Claro, mais alguma coisa, “majestade”?

    — Yuki e aqueles dois que fazem missões com ele, diga que estou os convocando. Também escreva para Brag, Cymuel e Leerstrom, diga para que suas fronteiras sejam fortalecidas.

    — Assim seja feita vossa vontade — Jane zombou, fazendo uma reverência e deixando o quarto.

    Sua filha começou a puxar o decote de seu vestido e Ayla o puxou de lado, dando início à amamentação enquanto andava de um lado para o outro no quarto.

    — Colin… onde você está…?

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota