Índice de Capítulo

    Colin caminhava com Samantha a seu lado. A luz do sol poente lançava sombras longas e tristes sobre a cidade, revelando a pobreza que se escondia nas rachaduras das construções desgastadas.

    Cães esquálidos reviravam lixos em busca de restos, enquanto mendigos estendiam mãos trêmulas, implorando por uma moeda que pudesse sustentar suas almas por mais um dia.

    Mulheres de olhares distantes se ofereciam por dinheiro, seus sussurros de desespero se misturando ao vento frio que cortava a rua.

    Colin observava tudo com um olhar distante, a realidade da guerra contra Yonolondor pesando em seu coração. Ele havia planejado o conflito, uma estratégia cruel para que ambos os exércitos se aniquilassem mutuamente.

    Um suspiro pesado escapou de seus lábios enquanto ele murmurava para si que não deveria se preocupar.

    “Um rei não deve demonstrar arrependimento, não depois de vencer Yonolondor de maneira tão estratégica e formidável”, pensou.

    Ao se aproximar de uma casa imponente, um homem rechonchudo o aguardava, vestido com roupas que denunciavam sua nobreza.

    Com uma reverência exagerada, ele cumprimentou o rei Colin.

    — Foi uma surpresa e tanto ouvir que o senhor estava vindo tão cedo para cá…

    — Onde está Yonolondor? — perguntou Colin.

    O nobre, com um sorriso satisfeito, informou que Yonolondor estava preso no subsolo, cuidadosamente contido para que não pudesse se mover ou escapar.

    Colin foi conduzido pelos corredores sombrios da prisão. As paredes úmidas refletiam a luz trêmula das tochas, criando sombras dançantes que se contorciam como se estivessem vivas.

    Gritos abafados ecoavam ao longe, acompanhados por murmúrios e pedidos de socorro que se perdiam na escuridão.

    Samantha, mantendo-se perto de Colin, inclinou-se discretamente e cochichou:

    — Eles estão sendo torturados. Não quero te preocupar, mas sei discernir a disciplina de um soldado para uma pessoa comum. Essas pessoas aprisionadas aqui… elas não são soldados. 

    Colin franziu o cenho.

    — Quem são essas pessoas? — perguntou, sua voz baixa em meio ao som de correntes arrastando-se pelo chão.

    O nobre rechonchudo, que os guiava, respondeu com uma indiferença casual.

    — Ninguém que seja importante, apenas baderneiros, arruaceiros, algumas prostitutas e alcoólatras. Depois que a guerra terminou, as coisas saíram do controle, mas estamos ajeitando tudo — disse ele — criando um lugar digno para o senhor governar.

    Colin sentiu o peso de suas próprias decisões. Parte do caos que se desenrolava era consequência de suas ações. Esse era o fardo de governar.

    Eles chegaram à cela onde Yonolondor estava confinado. O homem que já fora poderoso agora jazia ferido, seu corpo marcado por arranhões e feridas abertas.

    Suas mãos e pés estavam acorrentados, e seu cabelo longo ocultava seu olhar.

    — Deixe-nos — ordenou Colin ao nobre, que prontamente se afastou.

    O silêncio que se seguiu era pesado, carregado com o peso de uma vitória que havia custado mais do que qualquer reino deveria pagar.

    Colin encarou Yonolondor, o homem que ele havia derrotado, e por um momento, a linha entre vencedor e vencido pareceu tênue.

    — Está acordado?

    Yonolondor ergueu a cabeça, encarando Colin nos olhos.

    — Você… — Seus olhos estavam tão inchados que ele mal enxergava.

    Colin ficou em cócoras.

    — Há quase um ano, você atacou Runyra e lutou contra minha esposa, né? Se fosse Ayla no meu lugar, você já estaria morto.

    Yonolondor tentou sorrir, mas suas feridas não deixaram.

    — Veio fazer isso no lugar dela…? Anda logo, termina com essa merda…

    Colin ficou de pé.

    — Eu soube do seu esforço. Mesmo depois de suas forças serem suprimidas, você batalhou sozinho por cinco dias e cinco noites. Um feito e tanto.

    — …

    — Vou libertá-lo.

    Sopreso, o cativo ergueu a cabeça.

    — Por quê?

    — Alexander está morto, o conflito com os nortenhos por parte de Ultan terminou, a guerra no Noroeste está resolvida e em breve o império do sul também cairá. Não importa para que lado olhe, seus aliados estão derrotados. Não sobrou ninguém para ajudar você.

    — … Não vai me libertar simplesmente… você quer que eu faça algo em troca…

    Com as mãos nos bolsos, Colin começou a andar pela cela, fitando as correntes, o sangue, a umidade nas paredes. — Alexander deve ter prometido terras a você, certo? Você tentou, na verdade, todos vocês tentaram, mas o continente não é de vocês para dividirem, ele é meu.

    Colin falou com tamanha convicção e autoridade que Yonolondor por um instante pensou ser verdade.

    — Você será liberto, receberá os primeiros socorros, roupas descentes e eu o aguardarei lá em cima com o gorducho.

    — … O que é isso? Quer que eu trabalhe para você?

    Indo para próximo de Yonolondor, Colin ficou em cócoras novamente, encarando-o nos olhos enquanto segurava seu cabelo.

    — Você está vivo porque eu permito. Não se esqueça de que atacou minha esposa, tentou usurpar as minhas terras. Sua vida não é mais sua, ela agora me pertence. Você é meu e eu faço o que quiser com você.

    Soltando o cabelo dele, Colin ergueu-se.

    — Vamos, Samantha, nosso amigo precisa de um tempo.

    Aqueles dois estavam caminhando para fora da cela, quando foram chamados.

    — Esperem! — eles se viraram. — Não sei o que o conde disse a você, mas ele está escondendo coisas. Pergunte sobre Naidush…

    — …

    Colin e Samantha deixaram a cela, o som da porta de ferro se fechando atrás deles ressoou pelo corredor. Subiram as escadas, cada passo ecoando contra a pedra fria, até encontrarem o nobre rechonchudo nas escadarias.

    Ele parecia nervoso, ajustando o colarinho de sua roupa fina enquanto esperava.

    — O que é Naidush? — Colin perguntou e o nobre engoliu em seco.

    — A situação com Naidush está quase resolvida, majestade — ele começou, mas foi interrompido por Colin.

    — Não esconda nada de mim — disse o rei, sua presença imponente fazendo o nobre recuar um passo.

    Tremendo ligeiramente, o nobre assentiu. — Contarei tudo, mas por favor, no escritório. É um assunto delicado.

    Colin concordou com um aceno, mas antes de seguir o nobre, ele se virou e deu uma ordem clara.

    — Antes de irmos, libertem Yonolondor. Limpem-no, curem suas feridas e alimentem-no. Não quero que ele seja mantido nessas condições por mais tempo.

    O nobre balbuciou um — sim, majestade — antes de se apressar à frente, guiando-os pelo labirinto de corredores até o escritório onde as verdades ocultas sobre Naidush seriam reveladas.


     Naidush é uma comunidade mista de anões e humanos que se manteve corajosamente como um bastião de liberdade desde a queda dos primeiros impérios do norte, há centenas de anos.

    Ao contrário de muitas cidades de arquitetura anã, Naidush foi construída na superfície, longe dos subterrâneos.

    A cidade foi fundada por um grupo de anões gananciosos, tentados por promessas de enormes jazidas de pedras preciosas, cantadas pelos bardos.

    As pedras preciosas jamais foram encontradas, mas os habitantes de Naidush detectaram indícios de ouro reluzindo nas águas dos rios, e logo os caçadores de fortuna se multiplicaram pelo lugar.

    No entanto, o ouro dos rios, retirado avidamente pelas peneiras dos viajantes que se alastravam como uma praga a cada dia, logo foi esgotado.

    De repente, Naidush se viu isolada e entregue à própria sorte, cortada das principais rotas comerciais.

    Boa parte dos habitantes mais antigos acabou dizimada pelas doenças que se proliferavam na região e vítimas de longas guerras de escaramuças contra as tribos de humanóides hostis e as criaturas atrozes que habitavam os vales.

    Os moradores resistiram e aprenderam a cultivar arroz no vale, capturar peixes e treinar patrulheiros para caçar monstros e derrotar inimigos longe da cidade.

    No entanto, mesmo para uma comunidade autossuficiente, a honra e o orgulho de seus habitantes sofreram recentemente um grave golpe.

    Um necromante, um homem que estava tentando trazer algo do abismo bem quando acontecia a guerra contra Yonolondor, foi encontrado e morto por soldados, mas não conseguiram parar sua invocação.

    Algo se libertou de lá, uma criatura que aparece principalmente à noite, levando terror à cidade.

    Por precaução, os habitantes que faziam fronteira com Naidush começaram a construir uma muralha mágica para se protegerem, deixando Naidush à sua própria sorte.

    Colin permanecia sentado, os braços cruzados sobre o peito, os olhos fixos no nobre que terminava a história.

    A sala estava mergulhada em um silêncio denso.

    Colin arqueou uma sobrancelha, absorvendo cada detalhe com uma expressão inabalável.

    — O que aconteceu depois que a muralha foi construída? — ele perguntou, a voz baixa.

    O nobre hesitou, visivelmente desconfortável.

    — Não sabemos ao certo, majestade. Alguns tentam escalar as muralhas para fugir, mas… lá dentro não há comida, não há exército. Os que conseguem escapar acabam nas ruas, mendigando. O índice de crimes aumentou drasticamente. Tivemos que tomar medidas mais… rigorosas.

    Colin permaneceu em silêncio. Ele sabia que suas esposas estavam sozinhas em Runyra, e havia prometido retornar em breve. Mas a crise em Naidush exigia uma ação imediata. As pessoas ali estavam desamparadas, e ele sabia que tinha que agir.

    — Vou ajudar Naidush — ele declarou. — Mas antes, vou escrever para minhas esposas. Elas precisam saber que ficarei fora por mais tempo do que o previsto.

    O nobre respirou aliviado, inclinando a cabeça em sinal de respeito.

    — Mu-muito obrigado, senhor! Não sabe o quanto isso significa para nós…

    Colin lançou-lhe um olhar firme.

    — Não me agradeça ainda. Vou resolver isso à minha maneira. E, acredite, não será nada agradável para quem deixou Naidush nesse estado.

    Nesse momento, a porta se abriu com um leve rangido, e Yonolondor surgiu, transformado. Antes desgrenhado e descuidado, ele agora trazia um ar de dignidade.

    Seu cabelo estava curto, suas vestes eram limpas, e ataduras cobriam os cortes recentes em seus braços e rosto. Mas havia algo novo em seus olhos: uma determinação que Colin imediatamente percebeu.

    Colin se levantou. — Está na hora de partirmos.

    — Para onde?” — perguntou Yonolondor.

    — Para Naidush. — Colin respondeu sem rodeios. — Mas antes, preciso de tinta, papel e uma pena. Ele olhou para o nobre com um ar de comando que não deixava espaço para discussão.

    O nobre se apressou em buscar os materiais, e Colin se sentou, escrevendo com a firmeza de alguém que sabia exatamente o que queria dizer.

    Yonolondor e Samantha ficaram em silêncio, observando. Quando terminou, Colin selou a carta e a entregou ao nobre, seu olhar penetrante deixando claro a importância daquela mensagem.

    — Essa carta precisa chegar a Runyra — disse ele, em tom autoritário. — Vou confiar isso a você. Não me decepcione.

    O nobre assentiu, o rosto sério, ciente do que estava em jogo. Colin virou-se para Yonolondor e se dirigiu à porta, os passos decididos.

    — Preciso da minha espada para ir até Naidush. — Yonolondor comentou enquanto caminhavam.

    — Por quê?” — Colin o questionou.

    — Sou um espadachim espiritual, o espírito na espada é poderoso. Ele pode ser útil.

    Colin assentiu com uma expressão calculista. — E como você sabia da situação em Naidush?

    Yonolondor parou por um momento, as lembranças de um passado distante emergindo.

    — Nasci lá. A situação é ruim há muito tempo. A coligação do Norte nunca se importou com Naidush por ficar próxima da fronteira com Rontes do Sul. Quando o rei Rontes IX morreu em Ultan, vi uma chance de elevar meu povo. Tomei o exército para mim… mas, aos poucos, me perdi no poder, no luxo, e esqueci minhas origens…

    Colin o observou, o olhar impenetrável.

    Yonolondor continuou, a voz cheia de arrependimento. — Então veio a guerra com Runyra, e Naidush foi ficando para trás. Agora, sem exército, sem nada… é o que chamam de jornada de redenção, não é?

    Colin fez uma pausa, os olhos duros avaliando cada palavra de Yonolondor. Ele finalmente assentiu, o rosto implacável.

    — Então vamos buscar a sua espada — declarou ele, sem hesitar.

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