Índice de Capítulo

    Eles se sentaram em um sofá desgastado na sala de estar decadente, cujos móveis e decoração já tinham visto dias melhores.

    A prima desapareceu por um momento, retornando dos fundos da casa com uma bandeja de chá. As folhas de chá-verde eram uma das poucas coisas que ainda cresciam naquela terra empobrecida.

    Ela se sentou em uma poltrona em frente a eles, seus olhos verdes cabisbaixos e cheios de tristeza. Com uma voz trêmula, ela começou a compartilhar a situação difícil que se abateu sobre o vilarejo desde a partida de Yonolondor.

    — As coisas não iam bem depois que você se foi — ela começou — mas conseguíamos nos virar. No entanto, criaturas começaram a aparecer de todos os cantos, monstros que nunca vimos antes. Os ataques se tornaram frequentes, e os rapazes do vilarejo sempre se colocavam na linha de frente para proteger o resto de nós. — Ela pausou, engolindo em seco antes de continuar. — Isso acabou custando a vida deles, inclusive a do meu marido…

    Enquanto ela falava, Eoard escutava tudo de trás de uma porta, agachado e cabisbaixo, suas emoções claramente visíveis em seu rosto jovem e perturbado.

    Ela continuou. — As pessoas continuam desaparecendo, agora mulheres e crianças. Dizem que bruxas envenenaram a nascente do rio, e os monstros continuam vindo. Tudo o que podemos fazer é nos esconder e rezar para que não nos levem…

    Colin assentiu. — Vou dar um jeito nisso! — ele afirmou com confiança. Olhando em volta, ele perguntou à prima. — Existe algum mapa da região?

    Ela balançou a cabeça tristemente. — Não, mapas, alguns móveis e até roupas foram usados nas lareiras para manter todos aquecidos no inverno…

    Colin suspirou profundamente, o peso da situação pesando sobre ele. A prima o encarou de cima a baixo, seus olhos verdes cheios de desconfiança e curiosidade.

    — Por que você está aqui? — ela perguntou, a voz trêmula. — Reis não se preocupavam, e nunca se preocuparam, com pessoas como nós. Então, por quê?

    Yonolondor sentiu o peso daquelas palavras, um lembrete doloroso de suas próprias falhas e omissões quando assumiu Rontes.

    Colin, por sua vez, olhou nos olhos da prima com sinceridade e respondeu: — Não sou como os outros. Eu cuidaria de todos vocês como se fossem parte da minha família.

    Ele se levantou, decisivo e acrescentando: — Vou dar uma olhada ao redor. Vamos, Samantha.

    A dupla deixou o quarto, deixando também Yonolondor ali, com a prima, sozinho e envergonhado por abandonar o lugar onde cresceu à própria sorte.

    A sala ficou em silêncio por um momento, o peso das palavras de Colin ainda pairando no ar.

    Com os dois sozinhos, Yonolondor tentou quebrar o silêncio pesado. — Kolsec era um bom homem — ele disse com sinceridade.

    A prima começou a chorar copiosamente, seu rosto marcado pela dor e pela saudade. Com a voz embargada, ela perguntou.

    — Por que você não voltou? Você era a pessoa mais forte da vila… Você prometeu que voltaria…

    Yonolondor olhou para o chão de madeira, consumido pela vergonha e pela culpa. Ele não soube responder, o peso de suas próprias escolhas pesando sobre ele.

    Ela continuou.

    — Dezenas de pessoas poderiam ter sido salvas. — A culpa remoía Yonolondor por dentro, e ele apoiou uma mão na testa, seus olhos se enchendo d’água.

    — Fui seduzido pelo poder… Assumo total responsabilidade por tudo isso — admitiu com pesar. — Vou consertar as coisas, eu juro…

    Ela olhou para ele com olhos cheios d’água e perguntou: — Se você tivesse tomado o norte, você teria voltado para o vilarejo ou pelo menos mandado ajuda?

    Yonolondor não respondeu, seu silêncio falando por si.

    A prima se levantou abruptamente e correu para os fundos da casa, enxugando as lágrimas enquanto se afastava.

    Eoard ainda estava atrás da porta, seu semblante cabisbaixo e silencioso, ouvindo cada palavra da dolorosa conversa.

    Lá fora, Colin e Samantha olhavam ao redor, observando a paisagem desoladora do vilarejo. Samantha franziu o cenho ao perceber a presença de várias manas pegajosas ao redor.

    — Há muita mana sombria por aqui — ela observou. — O que você quer fazer?

    Colin olhou para o riacho sujo e poluído que serpenteava pelo vilarejo. — Vou seguir o riacho até encontrar a nascente. Se houver alguma criatura ao redor, eu vou matá-la.

    Nesse momento, Yonolondor saiu da casa.

    — Também vou ajudar — afirmou ele. — Se conseguirmos eliminar todas as ameaças na redondeza, as pessoas poderão voltar a plantar e viver de sua própria subsistência.

    Colin assentiu. — É melhor nos separarmos e eliminarmos todas as ameaças ao redor.

    Ambos concordaram com o plano e seguiram caminhos distintos.


    Colin caminhou por horas, seguindo o riacho que serpenteava por entre as terras desoladas do vilarejo. O riacho o conduziu até um alto morro envolto por uma névoa densa e enigmática.

    Ele se abaixou na margem do lago formado pelas águas do riacho e a experimentou.

    “O gosto está forte… a nascente deve estar próxima.”

    A visibilidade era baixa devido à névoa espessa, e o ambiente ao redor era sombrio e silencioso. A grama estava morta e pisoteada, o silêncio dos animais era perturbador, e ocasionalmente ele sentia o inquietante cheiro de sangue no ar.

    Seus instintos estavam aprimorados ao extremo; mesmo estando distante, ele sentia a presença da fonte de mana sombria de forma palpável, guiando-o instintivamente na direção certa.

    Determinado, Colin continuou subindo a montanha até encontrar uma caverna escondida de onde o riacho nascia.

    O cheiro de morte que emanava da caverna era nauseante. Apesar disso, um sorriso sutil surgiu em seu rosto enquanto ele avançava.

    Colin concentrou sua energia e conjurou um orbe elétrico, uma esfera pulsante de energia elétrica que iluminou a escuridão da caverna.

    Ele avançou cautelosamente para o fundo, observando atentamente os detalhes ao seu redor.

    O interior da caverna estava repleto de fungos que se alimentavam da matéria orgânica de cadáveres em decomposição.

    Os fungos cresciam rapidamente, rompendo a matéria e consumindo os cadáveres, alimentando-se da imundície e da morte.

    Conforme amadureciam, os fungos expelem esporos que se espalhavam com a mais leve brisa, dando origem a novos fungos e perpetuando o ciclo vicioso de decomposição e crescimento.

    A caverna inteira estava infestada por esses fungos grotescos e mortíferos.

    “Essa infestação pode estar contaminando a água do riacho, mas… quem está trazendo os cadáveres para dentro da caverna?”

    Um arrepio súbito percorreu a espinha de Colin, alertando seus instintos. Ele saltou para trás rapidamente, evitando por pouco uma clava que se lançou na direção dele.

    Bam!

    Seu orbe elétrico iluminou a figura grotesca que o atacava: um Gumori.

    Colin lembrava-se de ter lido sobre essas criaturas horrendas em um livro antigo na biblioteca de Runyra. Os Gumoris eram considerados os mais hediondos e perversos de toda a espécie gigante.

    Seus corpos deformados e grotescos refletiam suas condutas vis. Alguns possuíam traços faciais distribuídos aleatoriamente ao redor de suas enrugadas e deformadas cabeças, enquanto outros tinham membros de tamanhos e formatos desproporcionais. Seus terríveis urros ressoavam a cada vez que respiravam através de suas bocas deformadas.

    Além de sua aparência repulsiva, os Gumoris eram enormes, com cerca de quatro metros e meio de altura. Eles ficavam nus e de sua genitália exalava um pus fétido, tornando-os ainda mais repugnantes e ameaçadores.

    — Então é você? — zombou. — Acho que você é a coisa mais feia que eu já vi na vida.

    O Gumori avançou ferozmente na direção de Colin, girando seu tacape pesado em um arco amplo e ameaçador. Com agilidade, o errante esquivou-se em um salto ágil, e em seguida, agachou-se e deu um passo rápido para o lado.

    Ele parecia dançar habilmente em meio aos movimentos brutos e desajeitados da criatura grotesca.

    — Pessoas que não são usuárias de árvores teriam mesmo dificuldade contra você. Talvez eu mesmo tivesse, um ano atrás.

    No momento em que o Gumori avançou novamente, buscando atingir Colin com seu tacape, o orbe de energia que o seguia se transformou instantaneamente em uma espada de raios reluzentes.

    Cabrum!

    Com um ribombar poderoso, a espada de raios atravessou o peito do Gumori, deixando um buraco fumegante em seu lugar. A criatura soltou seu tacape e caiu pesadamente no chão, derrotada e morta.

    Colin se sentou em uma pedra próxima. Subitamente, um círculo mágico se abriu bem à sua frente. Uma matilha de lobos elétricos surgiu do círculo mágico, avançando rapidamente em direção ao cadáver do Gumori caído.

    Os lobos elétricos começaram a devorar o cadáver da criatura grotesca, eliminando qualquer vestígio da ameaça que o Gumori representava.

    — É melhor que minhas expectativas se mantenham baixas. No meu nível atual, duvido que apareça alguém forte para me enfrentar.

    Ele observou atentamente os fungos que infestavam a caverna.

    — Hora de dar um jeito nisso.

    Ele estendeu o braço direito e tocou a parede da caverna. As tatuagens mágicas em seu braço começaram a brilhar intensamente, emitindo uma luz poderosa.

    À medida que a luz se intensificava, os fungos ao redor da caverna começaram a murchar e se desprender das paredes, caindo inertes no chão da caverna.

    Os lobos elétricos avançaram contra o restante dos fungos e dos cadáveres, limpando a caverna da infestação que a assolava.

    Colin se levantou da pedra e caminhou até o riacho, fazendo uma concha com as mãos e bebendo a água fresca e quase cristalina.

    Sentindo-se revigorado e com a sensação de dever cumprido, ele começou a descer a montanha.

    À medida que ele descia, até a névoa que envolvia a montanha se dissipou, revelando o cenário claro e ensolarado.

    Levou algumas horas e, quando finalmente chegou ao vilarejo, foi recebido por uma cena alegre e animada. Crianças estavam brincando na margem do riacho, jogando água umas nas outras, enquanto suas mães, surpresas e aliviadas, levantavam os vestidos para correrem pela margem e se juntar à diversão.

    Colin sorriu satisfeito.

    Ele voltou para a casa da prima de Yonolondor, retirando sua capa e a jogando em um canto.

    — Tem alguém em casa? — ele perguntou. — Yonolondor, Samantha, vocês já chegaram?

    Escondido atrás da porta, Eoard estava observando tudo. Ao ouvir a voz de Colin, o garoto saiu correndo, passando pelo corredor e pela mãe.

    Ela foi até a sala e viu Colin sentado no sofá.

    — Você matou a bruxa? — ela perguntou com ansiedade.

    — Não era uma bruxa, mas o problema foi resolvido.

    A mulher não conseguiu conter suas emoções e começou a chorar copiosamente, repetindo “obrigada” várias vezes, aliviada e agradecida.

    Yonolondor foi o primeiro a chegar, sua capa manchada de sangue. Poucos minutos depois, Samantha apareceu, suas roupas impecáveis, sem um único arranhão.

    — Lidei com alguns grupos de trolls — disse ela com um sorriso astuto — e também peguei tudo de valor que eles tinham.

    Yonolondor, esfregando o suor e a sujeira do combate, acrescentou: — Encontrei mais daqueles sapos-gigantes e um grupo de goblins. Preciso de um banho urgente.

    Samantha não perdeu a oportunidade de zombar.

    — Talvez você devesse treinar para ser um lutador de longa distância.

    Yonolondor retrucou: — Você tem sorte de ser uma transmutadora eficiente.

    A prima de Yonolondor, aliviada e emocionada ao ver o trio de volta e seguro.

    “Acho que a morte de tantos amigos e companheiros não foi em vão.”

    Nota