Índice de Capítulo

    Colin estava recostado em uma cerca antiga, os olhos fixos em duas crianças que corriam alegremente atrás de uma galinha no pasto distante.

    Um sorriso suave adornava seu rosto, e uma sensação de paz indescritível o envolvia, fazendo com que uma saudade profunda de sua casa e de seus filhos o preenchesse.

    O som de passos suaves quebrou sua contemplação, e ele virou a cabeça para ver Eoard, filho de Janeleth, se aproximando timidamente.

    O garoto parecia nervoso, suas mãos tremiam ligeiramente. Seu olhar era de admiração e apreensão diante da imponência de Colin.

    — Eoard… algum problema? — Colin inquiriu, quebrando o silêncio.

    O garoto começou a suar, mas finalmente reuniu coragem e exclamou: — Como fico forte como você?

    Um breve silêncio se seguiu, até que Colin sorriu gentilmente e respondeu:

    — Por que não se aproxima? Ficar gritando daí pode machucar a garganta.

    O garoto engoliu em seco e se aproximou, ficando ao lado de Colin e seguindo o olhar deste em direção às crianças brincando com a galinha.

    — Por que quer ficar forte como eu?

    Cabisbaixo, Eoard respondeu. — Quero proteger minha mãe e os outros…

    Colin assentiu

    — É um bom motivo, mas você vai ter que trabalhar duro para isso.

    — Eu faço! — afirmou o garoto, determinado.

    Colin então apontou com o queixo para as crianças mais velhas no pasto e perguntou: — Acha que consegue ganhar delas?

    Eoard franziu os lábios e desviou o olhar. Colin, com um sorriso, bagunçou o cabelo do garoto.

    — Se treinar, tenho certeza que consegue. Tenho um filho da sua idade, sabia?

    Os olhos de Eoard brilharam. — Sério?

    Colin assentiu.

    — Ele tem treinado bastante. Não é porque é meu filho que as coisas serão fáceis para ele.

    Com um olhar reflexivo, Colin continuou.

    — Proteger as pessoas é difícil, garoto. A dor física não será nada comparada à dor mental, e mesmo assim você não poderá voltar atrás, porque é isso que escolheu. Quer ser forte mesmo sabendo de tudo isso?

    Eoard ficou pensativo.

    — Meu pai era fraco… — sussurrou. — Por isso ele morreu…

    — Ei! — Colin interrompeu, firme. — Seu pai morreu para te salvar, não foi? Isso está longe de ser fraco, nunca mais diga isso!

    O garoto engoliu em seco e murmurou:

    — Desculpa…

    Colin acariciou o cabelo dele.

    — Morrer por quem você se importa é a mais sublime das forças, nunca se esqueça disso.

    O menino o encarou com olhos cheios de admiração. Colin se agachou, pegou dois gravetos e os ofereceu ao garoto.

    — Vem, acho que consigo te ensinar uma coisa ou outra.

    — Mas com gravetos? A gente não vai usar espada?

    Tac!

    Gentilmente, Colin bateu com o graveto na testa do menino.

    — Um passo de cada vez.

    Eles começaram a brincar, trocando golpes de gravetos, enquanto Janeleth observava tudo ao longe, seu coração transbordando de alegria.

    Fazia muito tempo que Eoard não se aproximava assim das pessoas, e vê-lo junto do rei de tudo aquilo era ainda mais surpreendente.

    Samantha surgiu silenciosamente por trás de Janeleth, fazendo-a dar um pequeno salto de surpresa.

    — Ele sempre foi bom com crianças — comentou Samantha.

    Janeleth desviou o olhar, sua expressão endurecendo.

    — Ouvi coisas horríveis sobre ele no passado, senhorita Samantha. Mesmo aqui, neste fim de mundo, as notícias chegam…

    Samantha se aproximou, seus olhos fixos nos dois lá fora.

    — Colin pode ser impiedoso com seus inimigos — ela começou — mas você sabe o que ele fez pelos nortenhos? Assim que a guerra terminou, ele se certificou de que tivessem comida e usou o dinheiro da coroa para reconstruir suas vilas. E o mesmo está acontecendo aqui. Veja como o vilarejo aos poucos ganha vida, cor.

    Ela pausou, olhando novamente para Colin.

    — Depois de centenas de anos de guerra e desolação, Colin está começando a levar esperança aos quatro cantos deste continente. Você deveria acreditar nele, Janeleth. Sei que minha visão pode ser enviesada por sermos amigos há tanto tempo, mas Colin é o homem mais forte do continente. Não importa o inimigo que enfrente, ele nunca perderá.

    Janeleth voltou os olhos para a cena, e lágrimas se formaram em seus olhos ao ver seu filho sorrindo enquanto brincava com o rei de Runyra.

    — Será que os deuses o mandaram para encerrar esse ciclo? — ela sussurrou.

    — Talvez… — Samantha murmurou, colocando uma mão reconfortante no ombro de Janeleth. — Vamos, ajudo você a preparar o jantar.


    Morwyna estava montada em seu imponente Wyvern, com seu cabelo e vestes ondulando ao vento como bandeiras.

    O cordão que seu avô a havia entregado vibrava intensamente, indicando que ela estava próxima de seu objetivo. Ela inclinou-se para o Wyvern e murmurou na língua dos Elfos Negros que era hora de descer.

    O poderoso animal respondeu com um grunhido profundo e mergulhou rapidamente em direção ao solo. À medida que se aproximava, estendeu suas enormes asas e pousou suavemente próximo ao vilarejo.

    As crianças da vila, curiosas e fascinadas, se aproximaram timidamente. Morwyna, um pouco sem jeito, disse:

    — Oi… — As crianças, em um misto de surpresa e excitação, correram para chamar suas mães.

    Enquanto isso, Colin estava na casa de Jaleneth, reunido com os moradores locais em volta da mesa, desfrutando de uma refeição.

    Toc! Toc! Toc!

    O ambiente foi abruptamente interrompido por batidas urgentes na porta. Uma das mulheres alertou que uma estranha havia chegado montada em um Wyvern. Todos saíram apressadamente para investigar.

    Morwyna, ainda um pouco tímida e claramente nervosa, tentou se explicar.

    — Na-não vim para machucar ninguém. Quero falar com um homem chamado Colin…

    Do fundo do grupo, Colin se adiantou e se identificou como o procurado.

    — Colin? Sou eu.

    Quando Morwyna pôs os olhos nele, seu corpo inteiro reagiu instintivamente ao perigo. Qualquer pessoa com habilidades mágicas poderia sentir a tensão no ar; aquele homem era claramente perigoso.

    O próprio Wyvern de Morwyna, sentindo a tensão, rugiu nervosamente e recuou alguns passos.

    Ainda trêmula e suando frio, Morwyna tentou se explicar.

    — Cruzei o continente para encontrá-lo…

    Colin deu um passo à frente, intrigado.

    — Por quê?

    — Você não sabe o que está acontecendo? — ela questionou, ainda suando frio.

    — Acontecendo o quê?


    Rian estava sentado diante de uma maca onde repousava um corpo sem o braço direito. Ele segurava um frasco esverdeado contra a luz, encarando o líquido que parecia conter a própria essência da morte.

    Alisou o cabelo para trás e levantou-se, retirando a tampa do frasco. Rian lembrava-se claramente do dia em que conheceu Colin.

    Ele estava preso em uma árvore, frágil e desnutrido, enquanto Colin jazia em uma jaula suspensa, seu corpo tão magro que Rian não conseguia entender como ele havia sobrevivido por tanto tempo.

    Aquele dia assombrava seus pesadelos.

    Depois desse encontro traumático, Rian vagou pelas florestas, dormindo nas copas das árvores para se manter seguro dos soldados. A caça nunca foi um problema para ele, uma habilidade que adquiriu ainda jovem em seu vilarejo.

    Um dia, ele avistou uma bela carruagem abandonada. Os donos pareciam distraídos e o fato de usarem batina os tornava inofensivos aos seus olhos.

    Ao adentrar a carruagem, Rian procurou por itens de valor. No entanto, antes de sair, uma voz o chamou.

    — Procurando por algo, garoto?

    Rian se virou abruptamente e cogitou atacá-lo, mas o sacerdote ofereceu-lhe comida, pão fresco que estava comendo.

    — Está com fome, né? Bem, o gosto está divino, seria triste se você me atacasse com essa faca… iria contaminar algo tão gostoso com sangue… Eu sou Alexander, e você?

    O garoto estava receoso em aceitar, até que pegou um pedaço oferecido por Alexander, devorando o pão com uma ferocidade que só a fome poderia proporcionar.

    — Tenho uma casa grande onde cuido de crianças indigentes como você. Posso apresentar a você se quiser.

    Rian tinha um rosto bem feminino, delicado. Até seu corpo se parecia assim e isso sempre lhe rendeu problemas, ainda mais para um garoto tão belo.

    A proposta daquele homem o deixou desconfiado, mas diferente das outras pessoas que aproveitavam dele, as palavras de Alexander pareciam genuínas.

    Segurando o resto do pão com as mãos, Rian analisou o sacerdote e ficou pensativo por um tempo.

    — Como sei que posso confiar em você?

    Alexander deu de ombros. — Não sabe, vai ter que acreditar nas minhas palavras.

    — Tá, eu irei.

    A partir daquele encontro, a vida de Rian mudou para sempre.

    Ele foi introduzido à religião de Thitorea e, por meio de rituais conduzidos por Alexander, ganhou poder e força, a ponto de não só se proteger, mas também proteger os outros.

    De todas as crianças que Alexander cuidara, ele se destacou, se tornando o braço direito do grande pontífice. Rian passou a fazer missões sozinho, ele protegia os peregrinos de bandidos e sempre se dispôs a ser solícito com quem precisava de ajuda, até que um dia suas funções mudaram radicalmente.

    Certo dia, Rian entrou no quarto de Alexander, que perguntou:

    — Qual é a sua missão aqui, garoto?

    Sem jeito, Rian respondeu: — Ajudar o senhor.

    — Você acredita em mim, Rian?

    Rian assentiu. — Sim, senhor.

    — Você está aqui para me ajudar, e eu estou aqui para cumprir uma missão ainda mais importante. Fui incumbido de purificar esse plano… tudo isso para nenhuma criança precisar passar pelo que você passou.

    — … O senhor fala com a deusa Thitorea?

    — Não… os segredos que possuo são reservados a um grupo seleto de pessoas, e você uma delas. O que estamos fazendo aqui é preparar o caminho para a vinda do único e verdadeiro deus, Drez’gan, o deus dos mortos. Você me ajudaria nisso, Rian? Me ajudaria a trazer paz a esse mundo impiedoso?

    O jovem sacerdote deu um passo à frente, determinado.

    — O senhor já ajudou centenas de pessoas como eu, as deu um lar, um propósito. Se o senhor acha que esse é o jeito certo de pacificar o continente… não, pacificar o mundo, então confio no senhor!

    Foi uma decisão sem volta.

    A guerra contra Runyra ficou mais intensa, e Rian se encontrou com Colin no território hostil, um encontro que abalou sua mente.

    Como aquele garoto ainda estava vivo? E por que as pessoas confiam nele e não em Alexander? O que havia de errado?

    Notícias chegavam de todos os cantos, as pessoas estavam insatisfeitas com o pontífice, escravos estavam se revoltando, acreditando que Runyra estava certa e clamando para que Colin os libertasse.

    As crenças e dogmas de Rian haviam sido colocadas em xeque, ele não acreditava que estava do lado errado, até que Alexander o convocou para uma reunião.

    O pontífice invocou um plano simulado raro, somente magos extremamente poderosos haviam o visto.

    Rian olhou para baixo e parecia estar no meio do espaço sideral, vendo estrelas, planetas, galáxias.

    — Que lugar é esse, senhor?

    — É um plano que tem muitos nomes, mas é o que está nele que importa. Está em dúvida sobre sua fé, não está?

    — …

    Na frente dele estava uma esfera negra, flutuando à deriva.

    — Isso é o Lithium — disse Alexander. — Não sei responder ao certo o que é, nem como ele foi criado. Especulam ser um fragmento perdido que se desprendeu do Deus que criou todos os deuses quando o véu caiu, outros dizem ser somente uma falha no tecido da realidade, mas uma coisa é fato, essa coisa consegue mostrar o futuro, o seu futuro. Por que não a toca?

    Alexander caminhou até a esfera e a encarou.

    — Eu… posso mesmo?

    — Vá em frente. 

    Woosh!

    Rian se viu subitamente em um cenário de devastação: uma cidade em ruínas. O som ensurdecedor de canhões ecoava pelo ar, mas eram de uma potência muito além do que ele já tinha ouvido falar.

    Estes canhões eram móveis, guiados por humanos em seus interiores.

    Soldados trajando uniformes estranhos empunhavam armas que disparavam projéteis capazes de atravessar paredes espessas.

    Num piscar de olhos, Rian se encontrou caído no chão, cercado pelo caos e desespero. Carruagens de ferro com rodas de borracha estavam viradas e destruídas, e humanos corriam em todas as direções em busca de segurança.

    Arranha-céus de vidro se erguiam imponentes ao redor, encobertos por uma espessa nuvem de fumaça. Maquinários de guerra voavam pelo céu, disparando rajadas de projéteis. No entanto, estes não eram direcionados a ele, mas sim ao homem que caminhava decididamente em sua direção.

    Os olhos de Rian se arregalaram de terror ao reconhecer Colin. Seus olhos estavam ardentes e sedentos por sangue, e ele avançava sem se abalar pelos tiros de canhão e projéteis que choviam sobre ele.

    Instintivamente, Rian olhou para sua mão direita e viu um pingente com uma pequena pedra escarlate. Foi então que, dominado pelo choque da visão, Rian caiu para trás, retornando bruscamente à sua realidade.

    — O que foi isso? — disse ofegante. — Eu vi Colin em um lugar estranho e parece que estávamos lutando…

    — Runyra está se aproximando — respondeu Alexander. — E nossa guerra com ela é inevitável, por isso eu trouxe você aqui. Sua fé tem que se fortalecer, porque estou preparando uma missão que só você poderá cumprir.

    — Missão?

    — Há um portal sendo construído, um portal que permitirá a passagem dos companheiros do nosso senhor. Você garantirá que seja finalizado, pode fazer isso?

    Após todas essas lembranças, Rian estava de volta ao quarto. O cadáver sem braço estava à sua frente e o frasco ainda estava em sua mão.

    — Colin é um inimigo — murmurou. — Ele está no caminho, ele está impedindo esse mundo de ser salvo.

    Suspirando, Rian tomou todo o líquido do frasco. 

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