Índice de Capítulo

    Colin e Morwyna estavam sentados frente a frente, envoltos pela penumbra, seus corpos cobertos por uma camada espessa de lama seca.

    Entre eles, Morwyna estendia as mãos, as chamas dançando suavemente em suas palmas, uma frágil tentativa de combater o frio que os envolvia.

    A luz das chamas refletia em seus olhos cansados, revelando a exaustão que ela tentava esconder. Atrás deles, o lago de lama se estendia, quieto e sombrio.

    Colin sentia o peso do tempo sobre seus ombros, uma carga invisível que parecia crescer a cada minuto. Ele não conseguia calcular quantos dias haviam se passado desde que foram lançados naquele lugar sombrio, mas sabia que cada momento sem comida, água ou descanso os aproximava perigosamente do fim.

    Ele havia resistido por dias sem ingerir nada, confiando em seu corpo, mas a fome era uma presença constante, um vazio que latejava em seu estômago e ameaçava nublar sua mente.

    A preocupação nos olhos de Morwyna era nítida, uma sombra de exaustão que pairava sobre ela como uma nuvem escura.

    Mesmo assim, ela persistia, canalizando sua mana para manter as chamas acesas, ignorando suas próprias necessidades em favor do homem que passara a enxergar não apenas como líder, mas como alguém em quem podia confiar.

    — Não precisa usar sua magia em mim — disse Colin, interrompendo o silêncio tenso que os envolvia. — Use-a somente em você.

    Morwyna baixou os olhos, suas mãos tremendo levemente enquanto as chamas vacilavam. — Senhor… me perdoe por não… atender às suas expectativas…

    Colin balançou a cabeça, um gesto gentil.

    — A culpa não é sua por estar com fome. Fique aqui. Eu vou caçar.

    Sem hesitação, Colin tirou a camisa, revelando um torso marcado por cicatrizes e sujeira. Ele mergulhou na lama, a água enlameada chegando até seu abdômen, fria e pesada.

    Morwyna quis impedi-lo, suas mãos se estendendo como se pudesse puxá-lo de volta, mas a fome e a fraqueza a paralisaram. Ela assistiu, seus olhos cheios de apreensão, enquanto ele avançava pelo lago.

    — Senhor… por favor… se cuide — ela alertou, sua voz trêmula, carregada de uma preocupação que não conseguia esconder.

    Colin olhou para trás por um instante, seus olhos encontrando os dela. — Eu vou ficar bem.

    E então, ele continuou, desaparecendo gradualmente na névoa que pairava sobre a lama, deixando Morwyna sozinha com suas chamas vacilantes e seus pensamentos inquietos.


    “Isso está começando a ficar claustrofóbico,” pensou, avançando o lamaçal. “Preciso alcançar logo a superfície, Brighid e Ayla devem estar com problemas… tcs… que saco…”

    Colin sentiu olhos o mirarem, uma presença indistinta no fundo do lago de lama.

    Ele se voltou na direção do observador invisível.

    — Já faz um tempo que está aí. Por que não se mostra, amiguinho?

    Do lamaçal emergiu uma criatura horrível, emitindo um grito que ecoava como o grasnar de um abutre. 

    Era o monstruoso horror de gancho. Sua cabeça assemelhava-se à de um abutre, enquanto seu torso lembrava o de um enorme besouro, coberto por um exoesqueleto pontiagudo e sinistro. Braços e pernas longos terminavam em garras curvadas e afiadas, prontas para dilacerar qualquer oponente.

    Colin se preparou para o confronto, no entanto, ao seu redor, mais horrores de gancho surgiram do lodo fétido, um bando aterrador de criaturas sedentas por sangue, somando um total de dez.

    O grito de Morwyna ecoou atrás dele,

    — Senhor! — A lama ia até seu busto.

    “Essa idiota, o que ela faz aqui?”

    — Devia ter ficado aquecida na fogueira.

    — Eu sei mas… eu não podia deixar o senhor correr perigo enquanto eu…

    — Entendi, só assista.

    — Mas eu posso ajudar…

    — Não precisa gastar mana com isso, eu resolvo.

    Morwyna engoliu em seco, mas assentiu e ficou quieta, apenas observando.

    As criaturas monstruosas, com quase quatro metros de altura, avançavam rapidamente pelo lamaçal, suas garras curvadas prontas para dilacerar tudo que estivesse em seu caminho.

    “Não deve ser tão difícil. Parte da minha força continua selada, mas deve ser o suficiente.”

    Colin, enfrentando o desafio, saltou por cima de um dos ganchos e desferiu um soco certeiro no rosto de uma das criaturas, mas sua força parecia ineficaz.

    “Merda!”

    Outra criatura se aproximou pelo flanco, forçando Colin a recuar e usar seu círculo mágico como apoio para escapar do ataque que veio rasgando pelo flanco.  

    Woosh!

    “Essa sensação de não depender da força… isso é torturante…”

    Concentrando-se, ele conjurou uma lança de raios e a lançou com precisão em direção a uma das criaturas, mas o golpe superficial apenas arranhou o exoesqueleto do monstro.

    “Porcaria! Eu não devia ter negligenciado tanto a minha árvore-do-céu!”

    Colin sempre confiou na árvore-do-céu para potencializar seus ataques físicos, mas sua falta de treino estava cobrando seu preço.

    Ele sabia que não poderia arriscar ataques caóticos e destrutivos no ambiente confinado do subterrâneo, onde um descuido poderia causar um colapso fatal. E, pior ainda, poderia colocar Morwyna em perigo.

    Saltando habilmente para trás, ele se esquivou de outro golpe de gancho que passou zunindo perigosamente perto de sua orelha.

    Ele teria que ser esperto.

    “Será como nos velhos tempos então, né?”

    Colin permaneceu em silêncio absoluto, sem emitir sequer um suspiro, enquanto observava atentamente as criaturas ao seu redor.

    As monstruosidades também ficaram imóveis, suas cabeças se virando lentamente para captar qualquer sinal de som.

    “Eles são cegos… Os olhos e as pernas… elas parecem ser bem frágeis.”

    Concentrando sua mana, ele conjurou uma alabarda de raios carmesim e a lançou com precisão em direção a uma das criaturas. Porém, em um reflexo surpreendente, a criatura rapidamente posicionou seus ganchos na frente, bloqueando o golpe e evitando o pior.

    Cabrum!

    Um estrondo alto de trovão ecoou, deixando as criaturas momentaneamente atordoadas e surdas.

    O rugido furioso das aberrações fez a água do lamaçal tremular, enquanto elas balançavam seus ganchos descontroladamente.

    Apesar do resultado inesperado, Colin viu uma oportunidade. Determinado, ele conjurou uma adaga e envolveu seu corpo com raios dourados.

    Esquivando-se dos ganchos da primeira criatura, ele saltou habilmente, cravando a adaga no olho do monstro. Usando o corpo da criatura como apoio, ele se impulsionou em direção ao próximo inimigo, transformando sua adaga em uma espada longa e cravando-a na testa da criatura.

    Crunch!

    No entanto, a criatura seguinte estava em um frenesi furioso, desferindo um golpe pesado que atingiu Colin em cheio. Por sorte, ele conseguiu se defender com sua espada de raios, mas o impacto foi forte o suficiente para fazê-lo quicar na lama antes de afundar.

    — Senhor Colin! — gritou Morwyna, mas tapou imediatamente a boca com as mãos, contendo qualquer som que pudesse atrair mais perigo.

    Colin, agora submerso, ficou apenas com os olhos acima da lama, observando as criaturas ainda em frenesi ao seu redor. Ele sentiu a dor latejante em seu braço, mas ignorou-a, concentrando-se apenas na batalha.

    “Vocês não gostam de barulho alto, né?”

    Erguendo-se parcialmente da água, ele conjurou uma esfera de raios carmesim e a lançou em direção a uma das criaturas.

    No entanto, antes que o feitiço pudesse atingir seu alvo, um trovão poderoso ressoou pelo ambiente, ensurdecendo a todos.

    CABRUM!

    O som ensurdecedor também correu por parte dos corredores quilométricos do subterrâneo, despertando algumas criaturas monstruosas, mas que por sorte estavam longe demais.

    Colin concentrou sua energia, imbuindo seu corpo com raios negros que brilhavam com uma sinistra luminosidade. Com um gesto habilidoso, ele conjurou uma alabarda imponente, ela tinha quase três metros de comprimento.

    Com um sorriso no rosto, o mesmo sorriso assustador que caracterizava uma batalha satisfatória, Colin avançou.

    Seus movimentos eram fluidos e precisos, cortando o rosto de uma criatura e esquivando-se dos ganchos com maestria, defendendo-se dos golpes fatais com o cabo de sua alabarda.

    A dor latejante em seus braços só o instigava a continuar.

    Em um ritmo frenético de movimentos, Colin desferiu golpes rápidos e perfeitos, alternando entre ataques e defesas. A alabarda transformou-se em duas espadas de raios negros, permitindo-lhe uma versatilidade ainda maior no combate.

    Ele rebateu um dos ganchos e decepou a cabeça de uma das criaturas, antes de saltar para trás, esquivando-se de outro ataque.

    “Isso é melhor que matar um monte de goblins!”

    — Continuem lutando, demônios! — Seu sorriso maior que seu rosto.

    As espadas de Colin então se fundiram em uma lança que se alongou rapidamente, perfurando o corpo da criatura de ponta a ponta.

    Com um movimento ágil, ele desfez a lança em um ribombar ensurdecedor, deixando as criaturas atordoadas novamente.

    Aproveitando o momento de vulnerabilidade, Colin dobrou os joelhos e saltou por cima de outro monstro, conjurando uma espada de raios carmesim que se cravou profundamente na testa da criatura, atravessando-a até sair pela papada.

    Crunch!

    Com um movimento fluído, a espada de raios carmesim se desfez em faíscas luminosas, os raios se acumulando em torno do braço direito de Colin.

    Seu sorriso se alargou, assumindo uma expressão assassina, enquanto ele dobrava os joelhos em preparação para o próximo ataque.

    Com um salto poderoso, Colin avançou na direção de outro monstro, a energia pulsante em seu braço direito, aumentando sua força e destreza.

    Crunch!

    Com um golpe brutal, ele atingiu o ouvido da criatura com toda a sua força, o impacto tão poderoso que os miolos do monstro foram arremessados para fora pelo outro lado.

    Utilizando os passos fantasmas, Colin se moveu rapidamente para outro adversário, concentrando sua energia no punho. Com um soco preciso e devastador, ele atingiu o bico da criatura, afundando-o diretamente no crânio do monstro.

    Crunch!

    O golpe foi tão eficaz que o corpo da criatura caiu inerte na lama, derrotada.

    Colin estava tão entorpecido pela adrenalina da batalha que mal sentia a dor em seu braço quebrado e seus dedos tortos, pendurados de maneira desajeitada. Apesar de seus ferimentos, ainda restavam três criaturas.

    No entanto, antes que pudesse avançar, três lanças de fogo atravessaram o ar, atingindo os crânios das criaturas restantes.

    Crunch! Crunch! Crunch!

    Surpreso, Colin virou-se e viu Morwyna ao longe, com as mãos estendidas. Seus olhos estavam marejados de lágrimas.

    — Eu disse para você não se envolver! — Colin berrou, irritado.

    Com a voz engrolada pelas lágrimas, Morwyna respondeu. — Olha o estado do senhor… seu braço, sua cabeça… o senhor está todo machucado!

    Foi então que Colin percebeu finalmente a extensão de seus ferimentos.

    “Merda… eu me empolguei.”

    Ele suspirou e, com a mão não ferida, coçou a nuca, sentindo-se desconfortável com a visão dos próprios machucados.

    Ver Morwyna tão chorosa o fez lembrar de Brighid, e como ela sempre estava preocupada com ele. Seu jeito cuidadoso sempre o deixava com a guarda baixa.

    — Não precisa se preocupar comigo… vai ficar tudo bem… — Colin murmurou, um lampejo de remorso em sua voz.

    Morwyna limpou as lágrimas com as costas da mão e assentiu, seu rosto ainda expressando preocupação e alívio ao mesmo tempo.

    — Tá…

    Aos poucos, os ferimentos dele começaram a se curar.

    — Espero que a carne dessas criaturas seja boa.

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