Índice de Capítulo

    Anton e Aoth repousavam sobre a sacada de uma estalagem rústica, observando o despertar vibrante do vilarejo. Era um lugar em plena efervescência, onde cada canto pulsava com o ímpeto da construção.

    Trabalhadores moviam-se determinados, seus martelos ritmados contra o prego na madeira. Crianças corriam pelas vielas, suas gargalhadas cristalinas entrelaçando-se com os chamados dos mercadores e o bater de asas das pombas.

    Conversas animadas flutuavam no ar, carregadas pelo vento que trazia o aroma de terra revolvida e madeira recém-cortada.

    — Em quanto tempo ele nascerá? — perguntou Aoth sem encarar o irmão.

    — Ainda faltam cinco meses.

    — Entendi, é estranho imaginar que você largou tudo por uma mulher que se diz Santa… tsc… quanta bobagem. Éramos reis em Valéria e agora estamos aqui, sem títulos, sem dinheiro, jogados no meio das pessoas comuns.

    Anton deu de ombros.

    — O nosso tempo já passou, irmão. — Ele focou o olhar em duas crianças brincando, usando gravetos e fingindo serem espadas. — Alguns anos atrás consegui vencer Colin e seu grupo no torneio de seleção, mas hoje… bem… estou nesse império vivendo sobre suas regras. É irônico pensar em como as coisas terminaram assim.

    — Tsc… ele é só um aproveitador — cuspiu. — A rainha nos roubou e nos reduziu a isso… camponeses…

    — Pelo menos você ganhou um pedaço de terra e uma chance de recomeçar. As coisas escalaram demais para que eu ou você possamos fazer alguma coisa.

    Aoth assentiu. — Confia neles tanto assim? Nos Silva?

    Ele deu de ombros. — Eles reconheceram o meu sogro como um Lorde, minha cunhada é uma amiga próxima do rei, e todas essas pessoas confiam neles. É a primeira vez que a maioria delas consegue dormir sem sua vila ser atacada ou o esforço de seu trabalho ser tomado por saqueadores. Devia agarrar essa chance, irmão.

    — Você mudou, Anton. Bem, está na hora de ir, só me é estranho que você aceite que o nome dos Ironshield seja jogado na lama dessa forma.

    — Os Ultan, que foram o segundo maior império do continente, estão mortos, com todos os seus descendentes, mas continuamos aqui. Colin, a Santa, a rainha, é melhor deixar todos eles em paz. Se você for contra eles, acabará morto.

    — Eu não sou um idiota. Eles pararam o avanço dos Elfos Negros, conquistaram o Norte e agora o Sul. Só estou insatisfeito de que, depois de tudo, fomos reduzidos a nada.

    Anton deu tapas gentis nas costas do irmão.

    — Nossa família ganhou dinheiro com o comércio, não em guerras. A gente pode recomeçar, temos tempo. 

    Aoth assentiu. — É… acho que você tem razão. Alguma ideia de empreendimento em mente?

    — Tenho algumas. Vamos entrar, te conto enquanto tomamos um café.


    Arcos altos e elegantes se erguiam acima no corredor, a luz suave iluminando o caminho de mármore polido.

    As paredes eram adornadas com tapeçarias vibrantes que contavam histórias de glória do rei.

    Tobi empurrou a grande porta de carvalho. A madeira rangeu sob seu toque, revelando Meg e Hamald logo atrás dele.

    Assim que a porta se abriu, foram recebidos por uma onda de aplausos calorosos.

    Brighid, Ayla e todos os seus irmãos estavam alinhados, suas palmas se encontrando em um coro de “Surpresa!” que ressoou pelas paredes do palácio.

    Eles se lançaram em um abraço coletivo, um redemoinho de emoções e risadas. Meg, com um brilho de esperança nos olhos, perguntou:

    — O papai chegou?

    Ayla, com um sorriso tranquilizador, respondeu:

    — Seu pai está em uma missão importante agora, mas ele sempre escreve perguntando como vocês estão indo na prova de seleção. Por que não escreve para ele contando os detalhes? Ele ficará feliz de saber que vocês foram aprovados!

    A sugestão de Ayla trouxe um novo brilho aos olhos de Meg, e ela acenou com a cabeça.


    Colin avançava cautelosamente pelo subterrâneo, o túnel estreito restringindo seus movimentos. Seus pés descalços pressionavam contra o musgo esverdeado, a umidade fria subindo por entre seus dedos.

    O ar estava pesado, com o cheiro de terra e o som abafado de gotas de água ecoando nas profundezas.

    Quando ele e Morwyna passaram pelo arco final, a estreiteza do túnel deu lugar a uma galeria ampla. Era uma caverna misteriosa, onde pilhas de ossos de inúmeras criaturas formavam montanhas macabras.

    O local poderia ser um cemitério natural para as espécies do Subterrâneo ou talvez o covil abandonado de algum predador colossal.

    Todo o musgo havia desaparecido, substituído por uma terra árida e podre que se agarrava aos ossos como um manto fúnebre.

    Morwyna se aproximou de Colin.

    — Senhor… é um cemitério?

    Colin olhou ao redor, seus olhos se ajustando à escuridão.

    — Parece que sim — ele respondeu. — Vamos, acho que a gente consegue encontrar alguma coisa nesse lugar.

    Juntos, começaram a vasculhar entre os ossos, buscando materiais que pudessem ser úteis.


    Colin, após uma longa busca entre os restos de criaturas desconhecidas, finalmente encontra algo útil. Ele veste uma regata escura e desgastada, que parece ter resistido ao teste do tempo, e uma calça de pano também escura, que se ajusta surpreendentemente bem ao seu corpo. Para completar, ele encontra um par de botas que parecem ter sido feitas sob medida para ele.

    Morwyna, por outro lado, não tem a mesma sorte.

    As roupas que ela encontra são ou muito grandes, ou pequenas demais, mas ela faz o melhor com o que tem. Ela pega um moletom bege e, usando uma cinta, consegue ajustá-lo ao seu corpo, transformando-o em uma espécie de vestido que termina um pouco acima dos joelhos. As calças que ela encontra são extremamente justas, mas ela consegue vesti-las, embora com dificuldade.

    Ela também encontra sapatos que parecem servir.

    — Senhor, olha!

    Ela o chamou para ver o que descobriu atrás do cemitério. Eles se deparam com uma visão surpreendente: um oásis.

    Um lago cercado por uma relva de um verde intenso e vibrante.

    Morwyna se agacha à beira do lago, forma uma concha com as mãos e bebe da água.

    — Está… pura…

    Colin se aproxima cauteloso.

    Ele não pôde deixar de suspeitar que havia algo mais nesse lugar, algo que eles ainda não perceberam.

    — Deve haver alguma armadilha aqui — ele murmura para si.

    — O que tem de errado, senhor?

    — … Consegue congelar o lago?

    — Si-sim…

    Morwyna levanta as mãos e círculos mágicos começam a brilhar em suas palmas. Com um movimento suave, ela inicia o encantamento e o lago diante deles começa a congelar, a água cristalina transformando-se rapidamente em gelo sólido.

    Ela abaixa as mãos momentaneamente e um silêncio pesado cai sobre eles, apenas o som do gelo se expandindo é ouvido.

    Os olhos de Colin ficam fixos no lago, observando cada pequena mudança.

    De repente, o gelo começa a rachar e, com um estrondo, implode, lançando pedaços de gelo em todas as direções.

    Scrash!

    Um grito monstruoso ecoou, e uma criatura grotesca emerge das profundezas congeladas. É um gigante sem cabeça, com uma boca enorme no centro do peito e olhos esbugalhados de cada lado do ombro.

    Morwyna, tomada pelo medo, se encolhe atrás de Colin, que permanece imóvel. O frio do gelo foi tão intenso que queimou toda a pele do monstro.

    — Se-senhor!

    — Eu sei!

    Colin, com um gesto decidido, ergueu o dedo indicador e um chiado agudo cortou o silêncio. Raios negros começaram a se condensar, girando em espirais caóticas até formarem uma lança reluzente.

    Sem hesitar, Colin apontou o dedo diretamente para o monstro.

    Cabrum!

    O impacto foi instantâneo.

    A criatura não teve tempo nem de rugir; a lança perfurou seu corpo com um clarão escuro, como se engolisse sua existência em um único momento.

    O que restou do monstro tombou.

    “Caramba… não sabia que minha Árvore do céu estava tão forte.”

    — Então era isso… — disse ele caminhando sobre o gelo para observar a criatura. — Ele pegava provavelmente as pessoas ou criaturas desprevenidas e depois as matava, jogando os corpos no cemitério que vimos lá atrás.

    — Senhor, nós… vamos comer isso?

    — Espero que o gosto seja bom. A gente precisa de um banho primeiro… consegue aquecer a água do lago?

    Ela assentiu.

    — Ótimo, não sei quantos dias já se passaram, mas precisamos disso. Vamos aproveitar e lavar essas roupas que pegamos.

    — T-tá…

    As bochechas de Morwyna ganharam um tom rosado, quase tão vermelho quanto as frutas silvestres que cresciam nas bordas do lago.

    “Primeiro, ele me pede em casamento, e agora quer que a gente tome banho junto?”

    Virou-se de costas, apoiando as mãos trêmulas no rosto, sentindo o calor das próprias bochechas. Quando finalmente se virou, Colin já havia se despojado de suas vestes e mergulhado nas águas geladas do lago.

    — Que frio! Anda logo, Morwyna, vou congelar aqui!

    — Ma-mas… o senhor… quer que eu entre com você…?

    — Você não quer tirar a sujeira do corpo? Bom… se preferir, eu fico um tempo e depois você vem.

    Ainda envergonhada, Morwyna se virou, os pensamentos girando em sua cabeça como folhas ao vento.

    “E se a gente fizer outra coisa como…” Ela apoiou as mãos no rosto e balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos atrevidos.

    — E-eu vou, só… vou me trocar… — murmurou, buscando alguma privacidade atrás de uma enorme ossada próxima.

    Ela retornou à beira do lago, as roupas de baixo feitas de pano simples.

    Seu corpo arrancaria elogios de qualquer um. Seios fartos, cintura fina, quadris largos, belas pernas e nádegas proeminentes compunham uma verdadeira escultura viva. Contudo, Colin não deu muita importância.

    A vergonha ainda tingia seu rosto de um vermelho vivo, como se tivesse sido beijada pelo sol do meio-dia. Era a primeira vez que entrava em um lago com um homem.

    Com passos hesitantes, ela adentrou o lago gelado, cada movimento cauteloso enviando pequenas ondas pela superfície cristalina.

    “Isso está mesmo um gelo… como ele aguenta isso de maneira tão natural? É um usuário de pujança, né? Não sabia que o corpo deles era tão resistente.”

    No lago, ela estendeu as mãos e, com um sussurro suave, conjurou um círculo mágico que começou a brilhar com um calor reconfortante.

    O gelo ao redor deles derreteu lentamente, substituído por um clima morno e agradável que acariciava a pele.

    — Bem melhor! Deve fazer pelo menos uma semana que estamos perambulando por aí sujos desse jeito — disse Colin, um sorriso aliviado se formando em seus lábios. — Eu precisava disso.

    Morwyna manteve-se em silêncio, a vergonha e a curiosidade travaram uma batalha dentro dela.

    Finalmente, ela quebrou o silêncio com uma voz trêmula. — Se-senhor… por que tem mais de uma esposa? Sei que… alguns reis têm, mas… quais são os motivos do senhor…?

    “Tanta coisa para me perguntar e essa é a dúvida dela?”

    Colin nadou até a borda do lago para se escorar, estendendo os braços sobre a pedra fria.

    — Me casei com Brighid em uma cerimônia simples, onde só estava eu e ela. Com Ayla, foi por política, mas… a gente acabou se aproximando demais um do outro, e a política se transformou em amor, eu acho. De qualquer maneira, acabei cuidando delas e elas de mim, é difícil não amar algo que você se importa em cuidar.

    “Ele… tem cuidado de mim esse tempo todo, então… senhor Colin me ama? Mas… tão cedo?”

    — Então… o senhor me escolheu porque me ama…? — indagou Morwyna, suas bochechas tão quentes quanto a água aquecida pelo seu encanto.

    Colin ergueu uma sobrancelha.

    — Escolhi você?

    — Se for o senhor, eu… eu aceito… — disse Morwyna, um sorriso tímido surgindo em seu rosto enquanto afastava o cabelo para trás da orelha.

    Seus olhos brilhavam com uma luz nova.

    — Eu… meu pai nunca aprovaria isso, mas ele nunca me viu como uma Elfa, muito menos os outros Elfos, mas o senhor… enquanto buscava pelo senhor, eu ficava me imaginando que tipo de homem o senhor seria, e isso me assustava, pensando que seria um selvagem… do tipo que tomava o que queria para si…

    Ela pausou, a vergonha tingindo suas palavras.

    — As irmãs do mosteiro diziam que o senhor tomava as mulheres mais belas das terras que invadia. Que o senhor se deitava com toda mulher nobre que conhecia… e que… era por isso que o senhor tinha muitos filhos bastardos. — Sua voz falhou, e ela engoliu em seco. — Mas o senhor não é nada disso, não é um selvagem… estamos juntos há tanto tempo e o senhor não me tocou…

    “Do que ela está falando?”

    Desviando o olhar, ela continuou.

    — Acho que as pessoas inventaram muitas coisas sobre o senhor. Na verdade, o senhor é protetor, carinhoso, está sempre se preocupando comigo… senhor Colin… eu…

    As palavras seguintes saíram num grito desesperado, enquanto ela ficava ainda mais vermelha.

    — E-eu acho que também te amo!

    Colin a encarou, agora com ambas as sobrancelhas erguidas em surpresa.

    — O quê?

    — Mas eu… ainda não estou pronta para me entregar ao senhor… mesmo que estejamos sozinhos aqui, eu… preciso de mais tempo. O senhor é um mestiço, rei e inimigo do meu pai… seria uma desonra para os Elfos Negros se eu e o senhor…, mas não importa, eles nunca se preocuparam comigo. Não serei o brinquedo do meu pai ou do exército dele — ela declarou, colocando o punho cerrado sobre o peito. — Então, tudo bem, se for pelo senhor, eu largo tudo, me viro contra o meu pai, minha raça e juro que ficarei ao lado do senhor até o fim dos meus dias! Foi… foi por isso que vovô me mandou até aqui… ele via futuro na nossa aliança, e se o vovô confiava em você, então eu… eu também confio!

    Colin estreitou os olhos, ponderando cada palavra que ela havia dito.

    “Ela… espera, ela…”

    — Morwyna, você está confundindo… — Quando Colin pensou em contestar, ele se calou.

    “Ela pode ser uma idiota, mas ainda é uma princesa, certo? Filha do meu inimigo mais poderoso no momento. Posso tirar vantagem disso… talvez um cessar-fogo temporário ou coisa parecida. Ela ainda tem um irmão que está em guerra com minhas esposas, né? Bem, ela pode ser uma refém. Se bem que do jeito que ela fala, não acho que o pai dela se importaria se ela fosse uma refém de Runyra.”

    Eles continuaram em silêncio.

    “Estou pensando como o pai dela, né? Mas não importa, no momento, ela é só um objeto útil. Tsc… estou pensando como meu pai também, que saco!”

    — Senhor…

    “Não importa… tenho que manter minha mente afiada. Meu pai sempre está um passo a minha frente, preciso começar a pensar como ele, talvez assim eu consigo vencê-lo da próxima vez que nos encontrarmos. É por isso que ele sempre vence, ele está disposto a arriscar tudo… tenho que fazer como ele, ainda mais se quiser vencer alguém como Milveg.”

    Ele suspirou, coçando a nuca.

    “Não é hora de ser moralista aqui. A filha de Milveg cai de bandeja assim no meu colo. Eu seria um idiota se não tirasse proveito disso. Minha sorte é que ela é como Brighid, se apaixonou pelo primeiro cara que a tratou bem.”

    — Certo… — disse ele coçando a nuca. — Conto com você… eu acho…

    — Nem todos os Elfos são ruins, senhor Colin, garanto ao senhor que é uma minoria. Mesmo que… eles me odeiem, posso fazê-los ouvir o senhor, ainda continuo sendo uma princesa…

    “É nisso que estou apostando.”

    — Tá…

    — E-então, espere só mais um pouco… — Ela desviou o olhar, as bochechas quase queimando de vergonha. — Quando eu estiver pronta… avisarei, tudo bem…?

    — … tudo…

    — Obrigada… por me respeitar…

    — De nada… eu acho…

    “Ninguém nesse plano é normal… eu já deveria ter me acostumado com isso.”

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