Índice de Capítulo

    Morwyna sabia que não podia se dar ao luxo de se preocupar com Colin; o verme gigante avançava em sua direção, a miríade de braços golpeando o chão com fúria, seus ferrões venenosos vibrando em antecipação.

    Com uma agilidade sobrenatural, ela bateu palmas e mergulhou na terra, emergindo no teto da caverna, de cabeça para baixo.

    “Calma, Morwyna, é só fazer como vovô ensinou.”

    Seu semblante tímido havia desaparecido, substituído por uma expressão de determinação feroz.

    Ainda suspensa, ela conjurou duas armas formidáveis: uma alabarda gigante de gelo e, ao seu lado, uma alabarda igualmente imensa de fogo.

    O verme, usando suas dezenas de rostos grotescos, procurou freneticamente por ela, até que seus olhos se fixaram na figura invertida de Morwyna no teto.

    — Não vou te deixar fugir, cadela de orelhas pontudas!

    — Não estou fugindo!

    Sem hesitar, ela lançou a alabarda de gelo, que desceu como um meteoro congelante, cravando-se no verme e espalhando um frio mortal que tudo petrificava.

    “Agora, o segundo passo!”

    Em seguida, com um movimento gracioso, ela arremessou a alabarda de fogo, que derreteu o gelo em um instante, liberando uma explosão ensurdecedora de vapor.

    Booom!

    As ruínas ao redor, já corroídas pelo tempo e pela batalha, desmoronaram em poeira ante o poder que havia sido desencadeado.

    O chão tremeu como um animal ferido, rachando-se em linhas profundas até abrir um abismo colossal que engoliu o que outrora fora um lago tranquilo. Mas a vitória não pertencia a ela ainda.

    Da terra partida emergiu o verme gigante, seu corpo imenso contorcido de dor, escamas negras cobertas por feridas abertas e carne carbonizada.

    A criatura soltou um rugido ensurdecedor, um som que ecoava tanto agonia quanto ódio puro. Seus olhos ardiam com uma fúria renovada enquanto se fixavam em Morwyna, como brasas vivas em busca de vingança.

    — Chega de jogos — sibilou o monstro, sua voz um coro dissonante de raiva e sofrimento. — Você vai pagar por cada ferida, Elfa!

    Morwyna sentiu um calafrio percorrer sua espinha, mas manteve o rosto impassível.

    “Resistiu a isso? Esse seu corpo é mesmo incrível!” pensou, os lábios curvados em um sorriso tenso. “Vovô sempre acreditou em mim e em Ghindrion, então tenho que acreditar também!”

    Com a graça silenciosa de uma pantera, ela se lançou do teto onde estivera, girando no ar e fazendo seu selo de dedos antes de tocar o solo.

    — Ergam-se!

    No momento em que seus pés tocaram a terra, um círculo mágico irrompeu sob ela, brilhando com runas antigas que pulsavam em um ritmo quase vivo.

    Do chão, como se fossem filhos da própria terra, ergueram-se golems de pedra maciça, suas formas brutais avançando com passos pesados que faziam o solo tremer.

    O verme, em sua fúria cega, atacou sem hesitar.

    Suas miríades de garras e ferrões retalharam os golems, reduzindo-os a fragmentos de pedra. Mas as criaturas eram incansáveis, reconstituindo-se a cada golpe, avançando novamente como marionetes movidas por uma vontade implacável.

    Morwyna observava tudo com olhos calculistas, avaliando cada movimento do monstro.

    “A pele dele é a coisa mais resistente que já vi… Então, atacarei com minha combinação máxima!”

    Com as palmas unidas e os olhos fechados, ela mergulhou em um estado de concentração absoluta. Uma gota de sangue escorreu lentamente pelo nariz, manchando o canto de seus lábios.

    O esforço era visível em cada linha tensa de seu rosto, em cada músculo de seu corpo trêmulo.

    O verme, alheio ao verdadeiro perigo que se formava, continuava a destruir os golems.

    — Sua vadia covarde! Pare de se esconder atrás dessas coisas!

    “Eu não sou covarde! Não mais!”

    Morwyna começou a recitar seu encantamento.

    Ritka zulka nalot, mira zarot soret e dos soret, lika risilit. Eskon pir, eskon lika, eskon… mori!

    Suas mãos se abriram de súbito, irradiando um calor avassalador que distorcia o ar ao redor, como miragens dançantes sob um sol inclemente. Das pontas de seus dedos emergiu uma flecha de fogo, mas aquilo não era uma simples labareda — era algo vivo, pulsante, moldado por sua pura vontade.

    “Talvez isso ainda não seja o suficiente para matar essa coisa! Não importa, só tenho que continuar atacando!”

    A chama cortou o espaço com um silvo agudo, traçando uma linha ardente no ar, deixando para trás um rastro luminoso que parecia queimar até mesmo a própria escuridão.

    Assim que tocou o verme, a flecha explodiu em um redemoinho voraz de chamas, envolvendo-o em um abraço infernal.

    O calor era tão intenso que o próprio ar parecia derreter, e os gritos do monstro ecoavam como trovões distorcidos. Os golems avançavam sem cessar, suas espadas de pedra tentando perfurar a carne endurecida da criatura, mas era o fogo que causava o maior estrago.

    Com os olhos ainda fechados, Morwyna parecia estar em um estado de transe profundo, como se o mundo exterior tivesse desaparecido completamente.

    O caos ao redor — os rugidos do verme, o calor escaldante das chamas, o som da batalha distante — tudo aquilo era apenas um eco distante para ela. Sua mente estava imersa em uma calma transcendental, um oceano de serenidade onde cada movimento seu fluía com precisão absoluta.

    Ela sentia o poder vibrando dentro de si, não como algo selvagem ou incontrolável, mas como uma força harmoniosa que respondia ao mais leve toque de sua vontade. Era como se o próprio universo estivesse alinhado à sua essência naquele momento.

    Seus braços se moviam com graça deliberada, traçando arcos no ar como uma maestrina conduzindo uma sinfonia invisível. Cada gesto era carregado de propósito, e a energia que emanava dela pulsava em ondas visíveis, fazendo o ar tremeluzir como se refletisse o calor de um sol interior.

    Morwyna não precisava ver; ela sentia. Sentia o peso do poder em suas mãos, a conexão com as forças elementais que agora dançavam sob seu comando.

    Os golems de pedra, suas criações silenciosas e leais, começaram a se mover em resposta aos seus gestos.

    Eles se afastaram do centro, posicionando-se em um círculo perfeito ao redor do verme colossal. Não havia hesitação em seus movimentos, como se fossem extensões diretas da própria vontade de Morwyna.

    Um por um, eles deram as mãos, unindo-se em uma corrente ininterrupta. Seus corpos de pedra começaram a brilhar com um calor intenso, fundindo-se lentamente uns aos outros. A fusão era hipnotizante, como se as próprias rochas ganhassem vida nova, transformando-se em uma muralha alta e sólida que cercava completamente o monstro.

    O fogo que antes dançava livre agora era contido, preso dentro daquela barreira impenetrável. O calor aumentou exponencialmente, e o espaço interno transformou-se em um forno infernal, onde as chamas rugiam como bestas enjauladas, incapazes de escapar.

    “Calma, Morwyna, só mais um pouco!”

    Seus olhos, vermelhos como sangue vivo, se abriram, presenciando aquele poder imenso. O fogo gritava e ela estava hipnotizada com sua própria habilidade, mas manteve o foco.

    O redemoinho de fogo engrossou, transformando-se em um forno primordial e o verme se contorcia em agonia, suas escamas negras começando a derreter e escorrer como cera sob o calor insuportável.

    A aura dela era assustadora, quase divina naquele momento.

    A temperatura no redemoinho ultrapassava os 2000 °C, suficiente para fundir titânio e reduzir ossos a cinzas. As paredes de terra que sustentavam o redemoinho começaram a rachar e carbonizar, incapazes de suportar o calor infernal.

    Com um gesto final, Morwyna fortaleceu a barreira de terra, selando o verme dentro do inferno que ela havia criado.

    Era o fim.

    Exausta, ela caiu de joelhos, o suor misturando-se ao sangue em seu rosto. A redoma de terra que ela havia conjurado estilhaçou-se como vidro sob a pressão, revelando apenas cinzas onde o verme gigante estivera.

    Morwyna respirava com dificuldade, cada inspiração uma luta contra o peso de seu próprio corpo.

    — Eu… venci…? — murmurou, a voz fraca e rouca. Tentou levantar-se, mas suas forças a abandonaram completamente.

    “Merda… eu… só preciso recuperar o fôlego.”

    Seu corpo desabou.

    Morwyna estava deitada no chão, incapaz de mover um único músculo. Seu corpo parecia feito de chumbo, e cada tentativa de levantar-se era recebida apenas com uma dor surda que percorria seus membros exaustos.

    A visão começava a falhar, como se o mundo ao redor estivesse sendo engolido por uma névoa densa e cinzenta.

    Ela piscou repetidamente, tentando focar os olhos, mas tudo parecia distante, desfocado.

    “Não posso desmaiar agora… eu tenho… que continuar sendo útil…”

    Então, através da bruma que turvava sua consciência, ela o viu.

    Lá estava ele, seu avô, parado à sua frente com aquele sorriso tranquilo e orgulhoso que sempre conseguia acalmar seus medos quando era criança.

    Ele vestia as mesmas roupas simples que usava nos dias em que treinavam juntos — calças de linho marrom e uma túnica desgastada pelo tempo.

    — Vovô…? — A palavra saiu como um sussurro rouco, quase inaudível. Morwyna queria estender a mão para tocá-lo, para ter certeza de que ele era real, mas nem mesmo isso ela conseguia fazer. — É você?

    O homem assentiu suavemente, inclinando-se sobre ela com aquele olhar cheio de amor e compreensão que só ele sabia dar.

    — Você lutou bem, minha pequena guerreira — disse ele, sua voz grave e reconfortante, como uma melodia antiga que ela não ouvia há anos. — Estou orgulhoso.

    Morwyna sentiu lágrimas escorrerem pelo canto dos olhos, misturando-se ao sangue e ao suor em seu rosto.

    — Eu… eu não sou mais aquela covarde — murmurou ela, mais para si mesma do que para ele. — Não serei mais um peso morto…

    O avô sorriu novamente, dessa vez com uma ternura que partia o coração.

    — Você já fez o suficiente, minha querida. Agora, deixe o rei de Runyra cuidar do resto. Descanse. Você merece isso.

    As palavras dele eram tão suaves, tão carinhosas, que Morwyna sentiu um peso enorme ser retirado de seus ombros.

    Era como se finalmente pudesse soltar tudo o que vinha carregando desde o início — o medo, a culpa, a responsabilidade.

    — Colin… — Ela repetiu o nome, sentindo um alívio profundo ao imaginar que ele estaria ali para terminar aquilo. 

    Seus olhos começaram a se fechar lentamente, pesados demais para permanecerem abertos.

    A última coisa que viu foi o rosto do avô, iluminado por aquele sorriso eterno, antes que a escuridão a envolvesse completamente.

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