Capítulo 425 - Oráculo.
Cikshusalal, a esposa de Milveg, permanecia tranquila, mas seu olhar de desprezo não abandonava seu rosto.
Ela estava deitada em uma maca de madeira, nua e vulnerável, enquanto o mago louco desenhava um intricado círculo mágico em sua barriga.
Milveg observava a cena sem demonstrar expressão alguma. — Se acalme, Cikshusalal — sussurrou o mago, sua voz carregada de urgência. — As coisas ficarão bem. Este é o caminho para nossa ascensão.
Ela ergueu uma sobrancelha, desafiadora. — Você tem certeza disso, Milveg? Será que os Elfos realmente nos elevarão? Ou estamos apenas brincando com forças que não compreendemos?
Milveg engoliu em seco. — Eu confio no velho.
— … É melhor que ele saiba o que está fazendo.
O ritual começou. Palavras antigas foram entoadas, e Cikshusalal gritou de dor enquanto sua carne era preenchida por uma mana poderosa. O cômodo tremeu, e uma ventania furiosa varreu o local, fazendo as velas tremularem e os móveis se moverem.
Cikshusalal flutuava, os cabelos esvoaçando, os olhos arregalados, e acima dela, o orbe com as entidades também flutuavam.
A Elfa berrou, tão alto que os vidros da sala estilhaçaram.
Seu corpo parecia uma vela prestes a se apagar. Milveg, impotente, assistia à transformação da mulher.
O mago continuou o encantamento, e tudo começou a girar. Fragmentos de memórias e visões passaram diante dos olhos de Milveg. Ele sentiu a energia mágica pulsando, mas nem mesmo ousou se aproximar.
O poder era avassalador.
— Desgraçados! — disse ela, mas sua voz soou tão gutural que gelou a espinha. — Quando eu me libertar, vocês serão destruídos!
— Eles são meus! — sua voz se alterou novamente, ficando mais grossa. — Quem pensam que são para me manter preso nesse corpo?
— Eu estava lá quando a magia foi criada, mago, esse corpo fraco não vai me segurar! — Os olhos dela focaram em Milveg, então um sorriso assustador se abriu. — As estrelas já me disseram o que aguarda vocês, vermezinhos!
Embora o espetáculo fosse aterrorizante, Milveg assistia sem esboçar reação alguma.
— Já estou terminando! — berrou o mago, suando da cabeça aos pés.
Finalmente, o mago concluiu o ritual e o orbe estourou. Cikshusalal caiu graciosamente na maca de madeira, exausta e ofegante. Milveg se aproximou, cobrindo seu corpo com o manto real.
O ar estava carregado de magia, e eles aguardavam ansiosos para ver os resultados daquele ato desesperado.
— Funcionou? — indagou ela, ofegante.
— Foi perfeito! — disse o mago, empolgado. — A criança que carrega, terá o poder do oráculo, tenho certeza!
O tempo avançou inexoravelmente, e o dia do parto chegou como uma sombra sobre o reino dos Elfos Negros. Milveg, o príncipe, esperava ansiosamente nos corredores do castelo, enquanto Cikshusalal, sua esposa, era conduzida ao quarto de parto.
Os murmúrios dos sacerdotes ecoavam pelas paredes de pedra.
No entanto, nem tudo saiu como Milveg havia planejado. Seu primeiro filho, tão esperado, veio ao mundo, mas dez minutos depois, partiu desta vida.
O choro do bebê foi substituído pelo silêncio, e o reino inteiro ficou em choque.
Cikshusalal, ao segurar o corpo inerte do filho, nunca mais foi a mesma.
Seus olhos perderam o brilho, e sua alma parecia ter se fragmentado naquele momento.
Nos anos que se seguiram, Cikshusalal se tornou uma figura enigmática no castelo. Ela vagava pelos corredores escuros durante a noite, cabelos desgrenhados, rindo estridentemente para o vazio.
Os criados cochichavam sobre sua loucura, e os nobres evitavam seu olhar.
Uma década se passou, e a rainha não tinha mais controle sobre si mesma. Seu riso ecoava pelos salões, perturbando até os guardas mais destemidos.
Milveg, por sua vez, não desistiria. O sangue dela era o mais puro dos Elfos Negros, e ele estava determinado a cumprir a profecia.
Sem o consentimento de Cikshusalal, ele a engravidou novamente. Mas, como antes, o novo filho nasceu morto. E o próximo, e o próximo.
A cada tentativa fracassada, Milveg sentia o peso da responsabilidade e a dor de sua esposa.
Para evitar que os boatos se espalhassem pelo reino, Milveg tomou uma decisão drástica. Ele acorrentou Cikshusalal em seu quarto, onde ela permanecia em um estado de torpor.
Ele a visitava para gerar uma nova gestação, e a magia ancestral fluía entre eles. Mas todos os filhos nasciam sem vida, e o quarto de Cikshusalal havia se tornado um túmulo silencioso.
Enquanto isso, a situação dos Elfos Negros se deteriorava.
O rei continuava seus ataques, esgotando os cofres públicos, aumentando os impostos e mergulhando o povo em uma era de miséria.
Após duas décadas de desespero e tentativas fracassadas, o primeiro filho de Milveg nasceu com vida.
Um menino, frágil e pequeno, que foi entregue aos cuidados das babás do castelo. Aquele dia foi celebrado com pompa, mas a alegria de Milveg estava manchada pela sombra do passado.
O quarto de Cikshusalal era um lugar sombrio, pontuado por velas tremeluzentes.
As chamas dançavam nas paredes de pedra, criando sombras grotescas.
O ar estava impregnado de magia e desespero.
Milveg adentrou o aposento, os passos ecoando no silêncio opressivo.
Sua esposa estava lá, em um estado decadente. A beleza que um dia a caracterizara havia desaparecido.
Ela estava magra, os olhos fundos e sem brilho.
Diferente da loucura que a consumira por anos, Cikshusalal estava consciente. Seus olhos se fixaram em Milveg, e ele sentiu o peso de sua acusação.
— Então você voltou… — zombou Milveg, despojando-se das vestes reais. — Não precisa se preocupar, o nosso sonho de elevar os Elfos Negros começou. Não tem por que parar agora.
Cikshusalal ergueu o queixo, a raiva faiscando em seus olhos. — Você mentiu para mim! — acusou, a voz trêmula de emoção. — O seu mago e você… aquela coisa que nasceu não vai elevar os Elfos, vai destruí-los! Senti isso enquanto aquela… coisa saía de mim…
Milveg riu baixinho, como se estivesse diante de uma criança petulante.
— Quer se fazer de inocente agora? Ambos concordamos com isso. O poder dos Elfos está ligado à sua vida, e você é o sacrifício necessário.
— Você passou dos limites há décadas! — Cikshusalal avançou, os dedos trêmulos apontando para ele. — Me transformou em um objeto para os seus objetivos. Nem sequer se preocupa de verdade comigo… você nunca me amou!
As palavras dela atingiram Milveg como punhais. Ele se aproximou, o rosto a centímetros do dela.
— Olhe para você — sussurrou. — Parece uma bruxa do pântano. Só está viva porque ainda pode me dar mais filhos. Se não fosse por isso, eu já teria jogado seu cadáver em uma latrina qualquer.
— Desgraçado!
Ela avançou, tentando agarrar o pescoço dele, mas um golpe das costas da mão de Milveg a derrubou, arrancando-lhe alguns dentes.
— É melhor você não tentar nada.
No chão, Cikshusalal apoiava a mão na boca ensanguentada.
— O que continua fazendo aí? Vá para a cama, não aguento ficar nesse chiqueiro por muito tempo. Não quero ter que forçar você de novo.
Meses mais tarde, Cikshusalal engravidou novamente, e algo raro aconteceu. O círculo em sua barriga, o mesmo que o mago louco desenhou, estava lá.
Toda sua gestação foi dolorosa e cruel. Assim que sua filha nasceu, Cikshusalal estava irreconhecível. Seus braços eram tão finos quanto os de uma caveira, sua respiração era pesada, e ela mal conseguia sair da cama.
Mesmo naquele estado deplorável, Milveg queria continuar com a criação de sua linhagem, mas ele não conseguia mais se manter ereto.
Seu membro permanecia flácido todas as vezes que ele estava prestes a se deitar com uma mulher.
Sentado em uma cadeira, Milveg observava Cikshusalal dormir, até que ela abriu os olhos, esboçando um sorriso de canto.
— Você me amaldiçoou… — disse ele, irritado.
Ela não conseguia sequer falar, então sorriu, até que gargalhou baixinho.
Seu rosto ficou eternizado daquela forma quando a vida não mais habitava aquele corpo. A morte dela abalou todo o reino, menos Milveg, que estava focado em seu projeto de poder.
As crianças cresceram com uma educação extremamente rígida; ele até mesmo as levou para a guerra, fazendo questão de que presenciassem os horrores, mas aos poucos ele perdeu o interesse em seus próprios filhos.
Mesmo que tivesse sacrificado sua esposa, seu projeto de poder parecia ter falhado. Seu filho evitava confrontos, e sua filha era tímida demais para fazer qualquer coisa.
Não importava o quão castigados fossem, isso parecia não mudar.
Milveg adentrou uma cabana, seus filhos atrás dele.
— Pai! Venha ver seus netos!
Myvraid saiu dos fundos, enxugando as mãos em um avental. Ele havia sido banido para longe por seu filho mais velho, e esta era a primeira vez que sabia que tinha netos, mas ele ficou interessado em toda história e seus informantes lhe disseram tudo meses mais tarde.
Milveg não disse mais nada, apenas deu as costas, deixando as crianças ali.
Myvraid cuidou deles com carinho, como um pai deve fazer. Ensinou-lhes a cultura dos Elfos, sua literatura, seu legado, e, durante um bom tempo, foi assim que viveram.
No entanto, mesmo longe dos holofotes, a trama política seguia.
O rei se sentia ameaçado por todos os lados, e até mesmo ouvia sobre estarem planejando atentar contra sua vida.
Tudo mudou quando seu filho mais velho foi assassinado por envenenamento. Com tantos querendo a queda do rei, era impossível imaginar quem teria atentado contra a vida de seu primogênito.
Sem ter a quem culpar, o rei voltou seus olhos para aquele que assumiria seu lugar se seus filhos ou ele perdesse o trono, seu irmão.
Não havia prova de que Milveg tivesse tramado algo, mas o rei precisava culpar alguém pela morte de seu filho. Ele decidiu que Milveg sofreria como ele, seus filhos quem pagariam.
Assim que os filhos de seu irmão estivessem mortos, o rei planejava tomar as rédeas de toda situação, matando o próprio irmão.
Ele mandou seus espiões buscarem por seu paradeiro, até os encontrarem. Quando descobriu que seu pai estava cuidando de seus sobrinhos, sua mente se encheu de suposições.
Teriam eles se alinhado para derrubá-lo do poder?
Já estava decidido, o Rei cuidaria dos sobrinhos com as próprias mãos. Do lado de fora, ele via a cabana cercada por baixa vegetação, então avançou, batendo na porta.
— Filho? — Foi Myvraid quem atendeu. — O que faz aqui?
Ele perguntou, mas antes que pudesse entender a situação, o Rei avançou, a ira em seus olhos.
— Onde estão as crianças? — disse o Rei, sua voz um trovão ameaçador.
Myvraid, apesar da fragilidade de sua idade, posicionou-se entre o Rei e as crianças, Ghindrion e Morwyna, que observavam a cena com olhos arregalados de terror.
— Não! Eles são apenas crianças! — gritou o velho, mas o Rei o empurrou com uma força brutal, derrubando-o ao chão.
As crianças correram para o avô caído, seus soluços enchendo o ar enquanto tentavam protegê-lo com seus pequenos corpos.
— Deixa ele em pa-
Bam!
O pequeno Ghindrion foi golpeado no estômago, abraçando o abdômen enquanto caía no chão.
— Ghindrion! — Morwyna correu até ele, mas foi lançada longe por um tapa.
Paft!
O Rei, cego pela fúria, começou a espancar Ghindrion, cada golpe um eco de sua loucura.
— É isso que Milveg queria esconder? — O rei abriu um sorriso sinistro. — Todos aqueles rituais serviram para quê, afinal? Vocês são dois inúteis!
Bam! Bam! Bam!
Os ossos do pequeno eram triturados impiedosamente a cada golpe.
— Para! Por favor, para! — Morwyna gritou, mas suas palavras foram abafadas pela violência. Então, algo dentro dela estalou, e seus olhos se tornaram brancos como a neve, uma tempestade de magia poderosa emanando de seu ser.
O ar ao redor começou a vibrar com a intensidade de sua energia, e seu cabelo flutuava ao redor de sua cabeça como se estivesse submersa em águas invisíveis.
— Fica longe dele!
Com um grito de poder, ela liberou sua magia e o Rei foi lançado para fora da cabana, atravessando as paredes como se fossem feitas de papel.
Boom!
Ele derrapou no chão, mas levantou-se, os braços cruzados protegendo o rosto, um sorriso insano brotando em seus lábios.
— Quem é você? — o Rei exigiu, a excitação tingindo sua voz.
Morwyna, ainda com os olhos brancos pulsando com chamas etéreas, caminhou para fora da cabana destruída. Ela sorriu para o Rei, um sorriso que era, ao mesmo tempo, belo e terrível.
— Você é bem forte para sequer ter se arranhado com isso — ela disse, sua voz ressoando com uma autoridade que não parecia humana. — Estou empolgada, criatura de orelhas pontudas, não me decepcione!
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