Índice de Capítulo

    Próximo às montanhas, o vilarejo de Everspring era uma pintura de harmonia e trabalho árduo. Homens e mulheres, unidos por um passado que desejavam esquecer, esforçavam-se juntos na construção de uma comunidade pacífica.

    Os homens, com ferramentas em mãos, dedicavam-se a construir e reparar, enquanto as mulheres estendiam roupas coloridas que dançavam ao sabor do vento fresco.

    As crianças, alheias às memórias da guerra contra Runyra, entregavam-se às brincadeiras inocentes, enchendo o ar com suas risadas.

    Os comércios, com suas portas e janelas se abrindo para um novo dia, acolhiam os nortenhos que haviam encontrado refúgio naquelas terras.

    Alguns desses corações, marcados pelas cicatrizes da guerra, foram até a capital buscar conhecimento na recém-inaugurada universidade de Runyra, ansiosos por um futuro promissor, já que era isso que aquela cidade prometia.

    Recomeço.

    À beira da floresta, duas crianças, Lys e Jorin, brincavam despreocupadas. Lys, com um sussurro arcano que aprendera nos livros da Santa, encantou sua ave de papel, que dançou no céu antes de fugir para o mato.

    O pequeno Jorin correu atrás dela, mas ao recuperá-la, seu olhar encontrou algo que fez seu sangue gelar: um grupo de Elfos Negros, com sorrisos malévolos, emergia da floresta.

    — Sejam rápidos, o alvo é Brag, o amputador — disse um dos Elfos, desembainhando a espada.

    Jorin, tomado pelo medo, deixou a ave cair e correu para o vilarejo, gritando por seus pais.

    Os moradores, alertados pelo pânico na voz do garoto, viraram-se para a floresta e viram a ameaça se aproximando. Dez Elfos Negros avançavam em uma velocidade impressionante, suas lâminas separando cabeças de corpos, enquanto outros conjuravam bolas de fogo que atingiam as residências próximas.

    — Brag! — berravam os Elfos. — Onde está você, cretino?

    O vilarejo de Everspring estava mergulhado em caos, caos absoluto.

    Os Elfos Negros, como algozes de um filme de terror, se espalhavam pelas ruas, agarrando mulheres e arrastando-as para lugares escuros, massacrando os homens e nem mesmo as crianças eram poupadas.  

    Mas, como um raio de esperança, Brag surgiu. Seus olhos, ardendo em cólera, varreram o cenário caos, a raiva queimando em seu peito.

    Ele era o Lorde protetor daquelas terras, um título que ganhou da própria rainha.

    Ele não permitiria que seu povo fosse massacrado.

    Desembainhando sua espada, Brag a banhou com mana, a lâmina cintilando em intenso poder, a luz, iluminando as cicatrizes de seu rosto.

    Ele se aproximou do líder dos Elfos Negros, a lâmina em riste.

    — Quem os mandou aqui? — Brag perguntou, sua voz carregada de ódio.

    O Elfo girou a espada e sorriu.

    — Cortesia do verdadeiro imperador do continente, Milveg. Ele deseja ver este vilarejo reduzido a cinzas e a sua cabeça na ponta de uma lança, humano!

    Brag e o Elfo se encararam, e então, como se o próprio mundo segurasse a respiração, eles partiram para o combate.

    Ting! Ting! Ting!

    As espadas se cruzaram, faíscas voando entorno. Brag, com sua força e a habilidade que adquiriu depois de tantas batalhas, investiu contra o Elfo, mas este se esquivou com a agilidade natural de um soldado.

    — Você não é tão bom quanto dizem os boatos — zombou o Elfo, ainda trocando golpes intensos com o brutamontes.

    Crunch!

    Brag sentiu a lâmina inimiga rasgar seu abdômen, mas a dor só aumentou sua determinação. Ele revidou, sua espada encontrando o ombro do Elfo.

    Swish!

    Sangue escuro jorrou, mas o Elfo não cedeu. Ele sorriu, os olhos brilhando com uma crueldade insana, a mesma que todos os Elfos pareciam carregar.

    — Um golpe de sorte, humano!

    O vilarejo assistia, impotente, enquanto suas casas eram incendiadas e suas vidas ceifadas. Brag sabia que não podia falhar.

    Ele era a última esperança, o único que tinha forças para resistir.

    Com um último esforço, Brag desferiu um golpe certeiro. A lâmina atravessou o peito do Elfo, e ele caiu de joelhos. Mas antes de sucumbir, o Elfo sussurrou:

    — Milveg não será detido.

    Brag cambaleou, a visão turva.

    O ar pareceu vibrar quando os dez Elfos Negros desapareceram, como se estivessem derretendo em sombras.

    Até mesmo o Elfo que Brag havia derrotado se desfez, deixando para trás uma gosma escura que se espalhou pelo chão.

    Um dos habitantes, curioso, tocou a substância e constatou que aquilo era lama, mas uma lama viscosa.

    A poucos metros dali, sob a copa de uma árvore, um Elfo solitário estava sentado.

    Seu cabelo escuro estava partido ao meio, e sua pele morena estava escondida pelo verde das folhas. Mas o que realmente o diferenciava dos outros Elfos negros eram seus olhos.

    Não eram vermelho sangue como os de seus companheiros, mas sim amarelos como ouro líquido.

    Ele segurava uma maçã nas mãos, mordendo-a com indiferença.

    — É… Eles foram rápidos dessa vez. Melhor ir logo, o estrago aqui já foi feito.


    Yonolondor atravessou os portões de Runyra, uma multidão seguindo seus passos. Mulheres e crianças caminhavam atrás dele.

    Os soldados de Runyra, com suas armaduras negras reluzentes, lançavam olhares inquisitivos, seus cenhos franzidos, esculpidos pela desconfiança.

    Tuly veio dos fundos.

    — Me acompanhe, por favor — solicitou, sua voz firme, mas não desprovida de gentileza.

    Yonolondor hesitou, seu olhar varrendo o mar de rostos que dependiam dele.

    — Eles serão bem cuidados, não se preocupe — assegurou Tuly, percebendo a preocupação que pesava sobre o forasteiro.

    Com um nó na garganta, Yonolondor acenou para seu povo e seguiu Tuly. Juntos, adentraram o palácio opulento de Runyra, onde os corredores eram adornados com tapeçarias e quadros gloriosos de seu rei.

    Cada pintura era uma janela para as batalhas de Colin, narrativas visuais de suas vitórias, deixando-o com uma aura grandiosa.

    Ao chegar a uma sala repleta de murmúrios e o aroma de chá, Yonolondor foi instruído a entrar.

    Lá dentro, quatro mulheres discutiam assuntos de estado.

    Brighid, Cykna, Alunys e Ayla, estavam reunidas em conversas sérias entorno de uma mesa redonda de carvalho.

    Yonolondor sentiu um calafrio de intimidação percorrer sua espinha, aquela aura que se abateu sobre ele quando as viu quase o mandou direto ao chão.

    A única pessoa que conheceu capaz de causar isso nele foi o próprio rei de Runyra.

    — Yonolondor… — Ayla comentou enquanto saboreava seu chá. — Já faz um tempo, não é? Espero que não destrua nada desta vez.

    Com reverência, Yonolondor ajoelhou-se, a cabeça baixa em respeito.

    — Peço perdão, senhora… naquele tempo, eu…

    Ela acenou com a mão, interrompendo-o.

    — Não se preocupe, meu marido me avisou sobre sua chegada e que você agora está do nosso lado. Passado é passado, não se preocupe com o que aconteceu. — Ela apoiou a xícara na mesa. — Bem… antes existia Noron, Alexander, os nortenhos… agora todos estão mortos. Você é bem sortudo.

    Yanolondor entendeu o recado. Aquela não foi uma ameaça velada, foi direta como um soco no estômago.

    — Senhor Colin está… — ele começou, a voz trêmula.

    — Em uma missão — Ayla completou cruzando as pernas e ajeitando o vestido escuro. — Mas ele avisou que você viria. Não se preocupe com ele. Meu marido sabe se cuidar. Agora, já que está aqui, por que não se junta a nós?

    Engolindo o nervosismo, Yonolondor tomou assento entre as mulheres, ainda com a cabeça inclinada, um gesto de humildade misturado a medo.

    Cykna lançou um olhar avaliador a Yonolondor e, com um toque de desdém, comentou:

    — Pelos boatos, pensei que fosse mais alto… Enfim, leia isso. — Ela estendeu um relatório detalhado.

    Ayla, com a serenidade de uma líder nata, falou:

    — O ducado de Alunys está em reconstrução; não posso me dar ao luxo de dispersar minhas forças. O contingente principal deve permanecer aqui já que a guerra com os Elfos Negros ainda não terminou.

    Brighid, cuja voz normalmente era doce, agora carregava um peso amargo.

    — Existia um grupo especial para missões… delicadas. Uma tragédia aconteceu, você deve imaginar o tipo de tragédia. Bem, estamos reformulando esse grupo e você, Yonolondor, agora pertence a ele.

    Yonolondor apenas acenou.

    Ele sabia que sua vida estava nas mãos delas, e não havia espaço para questionamentos.

    — O que as senhoras… desejam que eu faça, exatamente…?

    Alunys, com um gesto suave, entregou-lhe um envelope selado.

    — Os Elfos Negros mudaram suas táticas; agora, eles buscam a qualidade, não a quantidade. Temos sofrido com ataques isolados de soldados poderosos. Os ataques duram alguns minutos, mas é o suficiente para grandes baixas.

    Yonolondor o abriu e no envelope, rostos e nomes estavam meticulosamente desenhados.

    — Nossos informantes disseram que estes são os que nos causam maior dor de cabeça. Sua equipe irá caçá-los.

    — Equipe? — Yonolondor murmurou, confuso.

    Alunys se levantou. — Por favor, me siga. Vou apresentá-los…

    Yonolondor, obediente, seguiu-a para fora da sala, aliviado por deixar para trás a opressão daquelas presenças dominadoras.

    Alunys, a Elfa à sua frente, parecia frágil em comparação com as outras, mas Yonolondor sabia que sua delicadeza era enganosa, como todos os companheiros do rei.

    — Eles são… peculiares — Alunys avisou, sem olhar para trás. — Peço que tenha paciência e siga as ordens do líder.

    Ao abrir a porta, Yonolondor foi recebido por uma cena caótica: uma pandoriana raposa perseguindo um rato, um jovem ruivo afiando sua espada com um olhar severo, uma mulher de cabelos escuros abraçando as pernas e olhando ao redor com medo, um garoto bocejando com os braços cruzados, e um homem relaxado deitado no chão.

    — Esta é sua equipe — anunciou Alunys. — Leona, Kurth, Lettini, Eden e o líder, Josan. Eles serão seus companheiros nesta jornada. Josan está ciente de tudo, siga suas ordens.

    Yonolondor observou cada um deles, notando a diversidade de personalidades. A sinergia entre eles parecia improvável, mas ali estava, uma equipe de assassinos formada para caçar outros assassinos.

    “Onde foi que me meti…”


    O campo, verde como esmeralda e vasto como uma pradaria, se estendia até onde os olhos podiam ver, coberto por um tapete de grama macia e pontilhado por flores silvestres tão belas que pareciam existir somente ali.

    Uma brisa leve soprava, fazendo as folhas das árvores ao redor dançarem, trazendo o aroma fresco da natureza.

    O sol brilhava no alto, banhando a paisagem com uma luz dourada, e o som dos pássaros cantando enchia o ar de uma melodia pacífica.

    De repente, o céu se encheu de um rugido ensurdecedor, e o campo foi rasgado por explosões.

    Boom! Boom! Boom!

    O chão tremeu violentamente, a terra se abriu e o fogo se ergueu em colunas furiosas.

    Um forte cheiro de enxofre e queimado destruiu a fragrância das flores, e o ar se encheu de cinzas e faíscas.

    A cada nova explosão, o fogo lambia o céu, e fragmentos de gelo caíam como punhais, cravando-se no solo queimado.

    No meio desse inferno, Colin se destacava com um sorriso no rosto.

    Ele cruzou os braços na frente do rosto, defendendo-se de uma lança de fogo que se aproximava rapidamente.

    Booom!

    Seu corpo musculoso estava à mostra, sem camisa, apenas de bermudas, e brilhava com o suor que escorria, traçando linhas ao longo de seus músculos.

    Do outro lado, Morwyna estava concentrada.

    Vestia uma camisa escura que ia até o umbigo e shorts curtos, que deixavam à mostra suas curvas e sua pele bronzeada.

    — Você tem bons movimentos — disse ele, alisando o cabelo molhado de suor para trás. — E você disse que não gosta de lutar, imagine se gostasse.

    Ela limpou o suor da testa.

    — Não é que eu não goste… só acho estranho, mas não é ruim. — Envergonhada, ela desviou o olhar. — Acho que passei a gostar por causa do senhor…

    — Você sentiu algo de diferente como quando era criança?

    Morwyna encarou as palmas das mãos.

    — Não… nenhum poder oculto, nada… — Ela o encarou. — Acha que perdi a capacidade de ser um oráculo?

    — Acho que não. Daquela vez você se sentiu ameaçada, certo? Podemos tentar alcançar isso levando você ao limite.

    Cabisbaixa, ela desviou o olhar.

    — Não sei controlar aquilo… e se eu acabar machucando o senhor?

    — Não vai me machucar. — Ele ergueu o indicador. — Por um momento, imagine que somos inimigos mortais. Lutarei para matar você, e você pode se machucar, mas não vou parar até que esteja ao menos… desmaiada. 

    — … bem… parece um pouco arriscado…

    — Eu tive uma mestra… Lina… ela quebrou os meus ossos centenas de vezes até que eu me fortalecesse e adentrasse o covil dos vampiros para salvar duas garotinhas, e mesmo assim não foi o suficiente. Não precisa se preocupar, consigo curá-la de algo sério demais.

    — Eu… ouvi algo assim… — ela disse. — Disseram que o senhor… massacrou todos os vampiros e adiou a queda de Ultan.

    Colin deu de ombros.

    — Parte disso é verdade, a outra parte… bem, está pronta?

    Ela não tinha dúvida de que ele conseguisse lutar para matá-la. Morwyna só não sabia se o contrário seria possível.

    — Senhor, eu…

    — Preciso de você usando todo seu poder — disse, seus olhos frios como o inverno. — Não se esqueça, se o seu pai vencer a guerra, será o fim, e você sabe o que ele fará com você, é isso que quer?

    Fechando os olhos de maneira agressiva, ela balançou a cabeça, afastando aqueles pensamentos.

    — Então, chega de desculpas, seja a rainha que preciso que seja.

    — Rainha… eu não acho que—

    Ele deu um peteleco na testa dela e ela se fastou com um grunhido, colocando as mãos onde havia sido atingida.

    — Sem desculpas, Morwyna. Você é forte demais para ter tanta insegurança.

    Ela ainda tinha aquele ar tímido, envergonhado, o evitando de encará-lo nos olhos sempre que possível.

    Colin alisou a testa e suspirou.

    — Olha… Você pode ser a mais talentosa dos Elfos, a mais inteligente, a mais poderosa da linhagem… mas se ninguém te enxerga, nada disso importa. Aprendi que o mundo não recompensa o mérito em silêncio, recompensa quem grita valor em meio ao barulho.

    Ela cruzou os braços e desviou o olhar.

    — Mesmo assim, não sei se eu consigo… acho que não nasci para ser uma rainha ou liderar… os Elfos negros não gostariam de mim no comando…

    — Você tem duas opções — continuou Colin. — Ser lembrada ou esquecida. Não é sobre agradar, é sobre dominar.
    Dominar a narrativa… as pessoas, ou quem será dominada será você. Esse mundo não foi feito para os discretos, Morwyna. Foi feito para quem tem coragem de se destacar.

    Ele ergueu a mão, afastando uma mecha de cabelo dela para detrás da orelha.

    — Eu consigo te colocar no topo, mas você tem que querer também. Confio em você, Morwyna, você está aqui comigo porque é especial. Não me decepcione.

    Suspirando, ela abriu olhos faiscando em determinação.

    — Certo! — Ela ficou em guarda.

    — Ótimo! — Faíscas carmesim rodeavam o corpo dele. — Não precisa se segurar, meu plano simulado vai resistir, não importa o que aconteça.

    — Tá!

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