Capítulo 446 - Tentativa e erro.
As rainhas de Runyra sobrevoavam a imensidão verdejante da ilha montadas sobre um majestoso pandoriano, um dragão colossal, cujas asas, ao se abrirem, pareciam tocar os céus, projetando sobre a terra uma sombra tão vasta quanto uma nuvem tempestuosa.
O vento corria entre seus cabelos, emoldurando seus rostos com mechas dançantes, enquanto seus olhos varriam o horizonte abaixo, buscando qualquer indício de vida, qualquer sinal de que não estavam sozinhas.
O dragão planava, como se o próprio ar o sustentasse com reverência.
Com um movimento lento, começou a recolher as asas, descendo em espiral até pousar com leveza sobre um vasto campo de grama alta, que se curvou sob seu peso como se a terra inteira se curvasse em saudação.
Num salto ágil, Brighid e Ayla desceram de suas selas, aterrissando com leveza sobre a relva úmida. Brighid, imediatamente, entrou em estado de alerta.
Seus olhos brilharam com um fulgor sutil, como se pequenas chamas esmeralda dançassem em suas írises, enquanto ativava sua habilidade de análise.
Ela varreu o ar com o olhar, buscando vestígios, qualquer resquício de energia vital.
— Essa ilha é enorme, Brighid — disse Ayla, cruzando os braços enquanto observava o horizonte quase infinito de florestas, colinas e vales escondidos. — Podemos levar dias… semanas, talvez, para encontrar essas fadas, se é que ainda estão aqui.
Brighid engoliu em seco, os dedos apertando levemente a bainha de sua espada. — Eu sei… mas são o meu povo. Não posso simplesmente desistir deles…
Ayla suspirou, coçando a nuca com um gesto pensativo. Depois de um breve silêncio, assentiu. — Tá bom… vamos andar por aí. Quem sabe a sorte não decide sorrir pra nós hoje, né?
— Obrigada…
— Não precisa me agradecer por tudo. Vamos, temos que encontrar as fadas fugitivas.
Elas seguiram em frente, caminhando entre arbustos e trilhas naturais, o som dos passos abafado pela grama espessa.
Brighid mantinha o olhar fixo no chão, nos detalhes — uma folha pisada, um galho quebrado, qualquer coisa fora do lugar.
De repente, parou. Inclinou o rosto, franzindo o nariz.
— Você sente isso? — perguntou, virando-se para Ayla. — Tem um cheiro… de comida sendo assada. Fumaça, manteiga, algo dourado no fogo…
Ayla inspirou fundo, erguendo uma sobrancelha.
— Consegue mesmo sentir tudo isso? Eu… não sinto mana nenhuma por perto.
Sem responder, Brighid seguiu o aroma, movendo-se com a cautela de uma caçadora.
A vegetação se abria à sua frente, revelando, entre árvores antigas e raízes retorcidas, uma pequena vila escondida. As casas eram feitas de madeira envelhecida e telhados de folhas entrelaçadas, humildes, mas cheias de charme — como se tivessem crescido diretamente da terra.
Portas entreabertas, janelas com cortinas esvoaçantes, mas nenhum sinal de quem as habitava.
Elas se aproximaram com passos silenciosos. Ao entrarem numa das cabanas, foram recebidas por um aroma reconfortante de café recém-passado, pão quente, algo defumado no fogo.
A lareira ainda emitia brasas avermelhadas, e sobre a mesa, uma xícara fumegava, como se alguém tivesse acabado de sair.
— Isso é estranho — murmurou Ayla, examinando os detalhes. — Tudo aqui parece… recente. Como se a vida tivesse sido interrompida no meio de um suspiro. Mas o rastro de mana… sumiu. Totalmente. Devia haver ao menos um eco, uma assinatura mágica no ar. Mas não tem nada.
Brighid concordou, seus olhos estreitando-se enquanto percorria o cômodo. Tocou a borda da mesa, sentindo a energia residual do toque de alguém. E então, como um raio silencioso, sentiu.
— Ayla! — sussurrou, virando-se para a porta. — Por aqui. Tem alguém.
Elas saíram com cautela, e foi então que o silêncio se quebrou.
Das árvores, dos buracos nas raízes, dos telhados e arbustos, pequenas figuras começaram a emergir — fadas.
Delicadas, etéreas, com asas translúcidas que cintilavam como cristal ao sol. Seus olhos, grandes e brilhantes, fitavam as duas mulheres com uma mistura de curiosidade, desconfiança.
No centro do grupo, uma fada maior — mais resplandecente, envolta em um manto de luz suave — voou adiante.
Seus olhos se arregalaram ao reconhecer o rosto de Brighid. Um instante de silêncio. E então, um grito cortou o ar, carregado de emoção.
— Brighid! — exclamou, as asas batendo rapidamente. — É você… é minha filha!
Num movimento rápido, ela desceu e se lançou nos braços de Brighid, envolvendo-a em um abraço apertado, como se temesse que ela fosse desaparecer novamente.
Brighid, por um momento, pareceu congelar, mas logo envolveu a mãe com força, os olhos marejados, a respiração trêmula.
— Mãe… eu tô aqui. Eu tô bem.
As outras fadas, ao reconhecerem o rosto de Brighid começaram a voar em círculo ao redor delas, suas vozes se misturando em um coro de murmúrios emocionados.
— É ela! É a filha de Yasael!
— Pelos ventos sagrados, ela voltou!
— E trouxe alguém consigo…
Uma delas, mais ousada, voou até Ayla, circulando-a com olhos curiosos. Outras a seguiram, tocando levemente seus cabelos brancos, admirando a cor pálida de sua pele, murmurando sobre seus olhos amarelos como ouro derretido, sobre sua postura forte, nobre até.
— Gente, calma — Brighid riu, segurando o braço de Ayla com um sorriso tímido. — Ela não está acostumada com tanta atenção. Deixem ela respirar.
As fadas se afastaram com um leve zumbido, algumas se desculpando com risos cristalinos.
— Vamos — disse Brighid, olhando para sua mãe, ainda segurando suas mãos. — Precisamos conversar. Há tanto que você precisa saber… e eu preciso saber de vocês. O que aconteceu aqui? Por que vocês se esconderam mesmo depois do ataque?
— Vamos para a praça das Raízes. Lá, todos poderão se reunir. E você, minha filha… finalmente, você voltou para casa, é um alívio saber que está viva, bem, e nossa, está ainda mais bonita! — Yasael logo arregalou os olhos. — E as as crianças, as crianças…
— Estão bem, mãe, não se preocupe, vou te contar tudo.
A pequena praça principal da vila das fadas estava repleta de luzes cintilantes e murmúrios curiosos. Ayla, Brighid e as fadas se reuniram em um círculo, as pequenas criaturas flutuando ao redor com seus olhos brilhando, curiosos.
Brighid, de pé no centro, começou a contar tudo o que havia acontecido desde que deixou a ilha. Histórias iam e vinham até que ela se estabeleceu como rainha, agora uma Santa venerada por centenas.
As fadas ouviram atentamente, impressionadas com a magnitude dos eventos que Brighid descrevia. No entanto, a mãe de Brighid manteve uma expressão de ceticismo, principalmente quando falavam de Colin.
Quando o momento de pausa veio, ela decidiu questionar, o questionamento de uma mãe preocupada com a filha.
— Mas, filha, esse rapaz com quem se casou, Colin, é mesmo um bom marido para você? — perguntou a mãe dela, levantando uma sobrancelha. — Primeiro, você e Ayla são casadas com o mesmo homem, algo que pode ser comum para os Elfos que ele e sua amiga descendem, mas não é nada comum para nós, fadas. E depois, por que ele parece estar sempre longe quando as coisas começam a ficar mais sérias? Ele devia estar aqui, com a família, protegendo suas esposas e seus filhos, é a responsabilidade dele como homem. Seu pai teria tido uma conversinha com esse rapaz!
Brighid suspirou, compreendendo as preocupações de sua mãe.
— Colin é muito ocupado, mãe — respondeu. — Ele também está se fortalecendo para nos proteger ainda mais… O peso que carrego é amenizado por tantas pessoas incríveis que me rodeiam. Já Colin, muitas vezes, faz as coisas sozinho, mas ele sempre nos deixa seguras, cercadas de pessoas em quem podemos confiar e que podem nos proteger quando ele não pode.
A mãe de Brighid manteve seu olhar desconfiado, balançando a cabeça lentamente.
— Eu ainda não sei se posso confiar nele — murmurou ela.
Ayla, que até então havia permanecido em silêncio, se intrometeu com firmeza. A devoção quase mística que ela tinha em relação a ele não a deixaria quieta após ver seu homem ser atacado dessa forma.
— Colin é um marido maravilhoso, um excelente pai e um rei melhor ainda — afirmou Ayla. — Ele libertou os Elfos da floresta, acabou com a escravidão, pacificou o Norte, trouxe paz às terras de Ultan e até mesmo conseguiu livrar o plano astral do devorador de deuses. Sem ele, não só Runyra estaria perdida, mas todo o continente.
A convicção dela era convincente.
— Se a senhora se contentar com esses detalhes pequenos, verá que sua filha se casou com um imperador, um homem maravilhoso. Ele escolheu sua filha para dar seguimento à sua linhagem, seus netos terão o sangue do homem mais poderoso desse plano. Os deuses sorriem para a senhora, sorriem para mim, para as fadas, sua filha e eu fomos abençoadas.
Depois de sua fala que soou como uma pregação, a mãe de Brighid ponderou as palavras de Ayla, sua expressão suavizando um pouco.
— Olhando por esse lado, talvez… ele não seja tão ruim, afinal… — admitiu ela.
Brighid aproveitou a deixa para continuar.
— Mãe, pessoal, vim aqui para fazer algo importante — disse ela. — Ayla e eu estamos desenvolvendo uma nova magia, uma magia capaz de fazer essa ilha… flutuar!
As fadas ficaram impressionadas, trocando olhares surpresos.
— Isso… é mesmo possível? — perguntou uma das fadas, os olhos arregalados de incredulidade.
— Queremos testar isso nesta ilha — explicou Brighid. — Essa técnica, se for bem-sucedida, pode manter todos em segurança. Mas para isso, precisamos saber se há mais fadas além de vocês aqui.
Uma das fadas mais velhas se adiantou, seu semblante cabisbaixo.
— Boa parte das nossas irmãs e irmãos morreram no ataque da salamandra de fogo. Restam pouco menos de cinquenta de nós agora…
Brighid assentiu.
— É um número pequeno, mas suficiente para tentarmos algo grandioso — disse ela. — Essa magia pode criar um refúgio, um plano B caso tudo dê errado.
— Queremos garantir que, nenhum louco posso vir aqui e destruir o seu lar novamente. Este é o nosso principal objetivo. — Ayla completou, confiante.
As fadas se entreolharam, um misto de esperança e receio em seus olhares. Depois de alguns momentos de silêncio, a mãe de Brighid deu um passo à frente.
— Se isso pode nos proteger, então faremos o possível para ajudar — declarou ela. — Confiaremos em vocês!
A noite sem lua envolvia a clareira na floresta em uma escuridão absoluta, iluminada apenas pelo brilho tênue das estrelas.
No centro da clareira, um acampamento de Elfos Negros estava ativo, os guerreiros conversando em voz baixa, suas armaduras refletindo a luz das chamas das fogueiras.
Escondido nos arbustos ao redor, Josan observava com atenção, sua capa negra mesclando-se perfeitamente com a escuridão.
Seu esquadrão estava posicionado estrategicamente, cercando todos os pontos de fuga possíveis. Josan fixou seu olhar em um dos elfos, reconhecendo-o imediatamente.
— É um deles — murmurou ele, lembrando-se da lista de alvos para serem abatidos.
Josan imitou o som de um pássaro comum naquela região, um aviso camuflado para que seus companheiros se preparassem.
Lettini e Eden utilizaram suas habilidades de invisibilidade, desaparecendo na noite enquanto se esgueiravam para posições vantajosas.
Kurth puxou a corda do arco e soltou uma flecha de vácuo que encontrou seu alvo no elfo mais distante, derrubando-o instantaneamente.
Lettini e Eden continuaram sua abordagem silenciosa, cortando as gargantas dos elfos distraídos um por um. A coordenação do esquadrão era impecável, e em pouco tempo, os vinte Elfos do acampamento foram eliminados.
De um galho alto de uma árvore, Yonolondor, coberto por sua capa, observava tudo com olhos atentos.
— Não precisam mesmo de nós, né, garota raposa? — murmurou ele, quando desviou o olhar e percebeu a ausência de Leona ao seu lado. — Onde ela…
— Só resta o alvo principal. É hora de agirmos — disse Josan, mas algo o fez olhar para cima.
Leona apareceu acima deles, seu corpo irradiando mana, um sorriso de orelha a orelha no rosto.
— Nomeei esse golpe de Leona Boom! — gritou ela, descendo com toda sua força. — Leonaaaaaa!
Boooom!
O impacto foi devastador, rachando a terra e enviando uma onda de choque que lançou seus companheiros para longe. A clareira foi tomada pela fumaça e pelo caos, enquanto os corpos dos elfos negros eram jogados em todas as direções.
Yonolondor suspirou, coçando a nuca.
— Aquela pandoriana nunca segue o plano… — murmurou ele.
Josan, esfregando a testa, suspirou.
— É melhor irmos logo para o próximo alvo — disse.
Quando a fumaça se dissipou, Leona estava de pé, segurando a cabeça do alvo principal com uma expressão de triunfo.
— Não precisávamos de toda essa frescura sorrateira. Meu golpe já seria o suficiente!
— Q-quem é o próximo alvo? — Lettini gaguejou.
Josan olhou para ela com seriedade.
— Miogve. O homem que conspirou com os Errantes e o imperador Lumur.
— Isso! — comemorou Leona. — Finalmente alguém forte!
— Não devia comemorar tanto, esse alvo é mesmo difícil.
A pandoriana, orgulhosa, bateu o punho cerrado no peito.
— Eu sou forte! Diz pra eles, Kurth!
O ruivo apenas suspirou, guardando seu arco.
— A gente sabe que é — Josan se agachou, pegando uma espada dos Elfos. — Por enquanto peguem tudo de valor que encontrarem. Partiremos assim que tudo estiver pilhado.

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