Capítulo 450 - Herdeiros do conquistador.
O som metálico das espadas colidindo ecoava pela sala de treino, um ritmo de combate que soava quase como uma música.
Tobi e Hamald, irmãos, não de sangue, mas rivais, se enfrentavam com uma intensidade feroz. Cada golpe e defesa era uma prova de que suas habilidades estavam evoluindo.
No fundo da sala, Meg permanecia sentada, imersa no primeiro volume que Brighid escreveu ensinando sobre magia.
O livro, com suas páginas amareladas e letras entrelaçadas, era como um professor particular. Com suas explicações detalhadas e detalhes minuciosos, conseguia fazer até mesmo uma criança que foi recém alfabetizada a aprender.
— Você está melhorando, Tobi — disse Hamald entre golpes, o suor escorrendo por seu rosto.
— Estou próximo de me igualar a você, irmão — respondeu Tobi, desviando habilmente e contra-atacando em um movimento fluido. Os músculos de seus braços tremiam sob a tensão.
O duelo continuou, os dois irmãos concentrados em cada movimento, até que um som diferente se fez ouvir.
Blém! Blém! Blém!
Os sinos da torre começaram a tocar, um lembrete insistente de que era hora de juntar suas coisas e seguir para a aula. A rivalidade entre eles teria que esperar.
E então, como se o destino tivesse um senso de humor cruel, um grupo de meninos entrou na sala. Benit, o líder do grupo, tinha um sorriso sarcástico nos lábios.
— Olha só quem está aqui — provocou Benit, seus olhos cheios de desdém. — O herdeiro que não tem sangue real. Um bastardo, dizem alguns.
Hamald deu um passo à frente, seus olhos brilhando de raiva. Tobi, por sua vez, manteve-se firme, mas a tensão no ar era sentida por todos.
— Fique longe de nós, Benit — rosnou Hamald, os dedos roçando o cabo da espada.
Mas Benit não recuou. Ele riu, como se estivesse se divertindo com a situação.
— Talvez você devesse voltar para o deserto junto com o calor e as outras aberrações — provocou.
Meg, que até então permanecera em silêncio, levantou-se abruptamente. Ela fechou o livro com um estalo, os olhos faiscando de indignação.
— Tobi, Hamald, precisamos ir para a aula — declarou ela, sua voz firme. — Deixemos esses idiotas para trás.
Benit riu novamente, sem se abalar.
— Vocês não são especiais só por viver no palácio — proclama um dos garotos, sua voz carregada de veneno. — Todo mundo sabe disso. Vocês não são os herdeiros do rei.
Outro garoto, ainda mais cruel, acrescentou com uma risada: — As vagabundas que o rei leva para a cama devem gerar herdeiros mais legítimos que vocês três. Pelo menos eles têm o sangue dele.
Meg, a mais calma dos três, cerrou o punho, seus olhos estreitando-se de raiva. No entanto, ela manteve a calma, como se tivesse aprendido a controlar o fogo que arde dentro dela.
— Vamos, não vale a pena — diz Meg, tentando apaziguar a situação. — Temos coisas mais importantes para fazer.
Benit, o provocador, lançou um último insulto, sua voz cheia de desdém.
— É melhor darem o fora logo, bastardos sem sangue real.
Os três deixam a sala, os olhares dos outros estudantes pesando sobre eles como um manto de desprezo. Tobi, com raiva evidente, murmurou:
— Devíamos ter feito igual ao papai e quebrado os dentes dele.
Meg olhou para seus irmãos, tentando manter a calma e a sensatez que lhe restava.
— Não levem problemas para casa. Nossas mães estão bem ocupadas.
Hamald suspirou, seu desânimo evidente.
— Talvez devêssemos ficar em casa estudando sozinhos. Pelo menos não precisaríamos sofrer esse tipo de coisa. Mas Tobi balançou a cabeça.
— Isso não é nada de mais. Nossos pais estão lutando para salvar o mundo, enquanto sofremos assédio de meia dúzia de imbecis. Podemos aguentar. Da próxima vez, devemos reagir. Papai nunca deixaria falar assim com ele.
Meg para e encara Tobi, sua expressão séria.
— Você não é o papai, Tobi.
Mas ele não recuou, firme em sua posição.
— Cuide da sua própria vida, Meg. Se Benit ou qualquer outro idiota falar assim de novo, eu vou garantir que seja a última vez — retrucou Tobi, sua fala firme como uma adaga de aço.
No Salão da Sabedoria, Tobi, Hamald e Meg se acomodavam em suas cadeiras de carvalho, os olhos semicerrados enquanto o mestre discorria sobre as raízes ancestrais das árvores mágicas.
O ar estava impregnado com o aroma de pergaminhos antigos e o murmúrio constante das folhas que dançavam lá fora. O professor, um homem de cabelos grisalhos e olhos profundos, continuava sua preleção:
— As árvores elementares, meus jovens, são mais do que meros vegetais. São os pilares que sustentam nossa magia, os elos entre o mundo tangível e o etéreo. Cada uma delas possui uma essência única, uma canção ancestral que ecoa através das eras. E vocês, como herdeiros dessa tradição, devem aprender a afinar-se com essa sinfonia.
Tobi coçou a bochecha e lançou um olhar entediado para seus irmãos.
Eles compartilhavam o mesmo tédio. Afinal, já haviam memorizado os segredos das árvores faziam meses.
O sino da torre da universidade soou, e os alunos se levantaram com alívio.
— Finalmente, liberdade! — sussurrou Meg, esticando os braços.
E assim, os três deixaram o Salão da Sabedoria e adentraram a cidade.
As ruas estavam vivas, pulsando com a energia de mercadores, artesãos e aventureiros. Os soldados de Runyra, com suas armaduras polidas e espadas afiadas, patrulhavam as vielas, e os garotos, mais novos que aqueles três, os observavam com olhos sonhadores.
Hamald apontou para um alquimista segurando uma poção vermelha e espessa.
— Aquilo é sangue?
Antes que Meg pudesse responder, o sino da cidade começou a tocar, e a multidão se agitou. Todos corriam em direção à rua principal, que levava ao palácio.
O trio se juntou à corrente humana, seus corações batendo em uníssono. Nos telhados de uma estalagem, eles se equilibraram, olhando para o horizonte.
— Olhem! — Apontou Hamald. — Aqueles orelhudos se parecem com o tio Valagorn.
E lá, emergindo da poeira dourada do entardecer, vinha seu pai, Colin, emergindo da multidão, sua capa negra esvoaçando como as asas de um corvo. Ele avistou os filhos e sorriu, acenando com a mão calejada.
Orgulho e saudade se misturaram nos olhos dos irmãos. A cidade estava em festa, pois o rei havia retornado.
Tobi virou-se para os outros, a urgência estampada em seu rosto.
— Precisamos ir rápido, antes do papai chegar!
E assim, os três irmãos se lançaram pelos telhados, suas botas de couro encontrando apoio nas telhas gastas, correndo entre elas.
Com agilidade e graça, usaram suas adagas para escalar a torre do palácio, como corvos negros em busca de um tesouro escondido. Hamald, sempre um pouco mais lento, chegou logo depois dos outros dois, os músculos tensos.
Adentraram o palácio por uma janela entreaberta, deslizando silenciosamente pelos corredores de pedra. Empregadas e servos se afastavam, olhos arregalados, enquanto os três passavam como sombras.
No andar principal, encontraram Ayla agachada junto às irmãs mais novas, Nailah e Brey. As meninas reclamavam, os vestidos apertados como corseletes de ferro.
— Mamãe, não consigo respirar! — protestou Brey, puxando a saia do vestido.
— Está muito apertado! — concordou Nailah, fazendo uma careta digna de uma rainha.
— A mamãe já vai arrumar, não fiquem se mexendo!
Mais adiante, empregadas seguravam os irmãos bebês, alimentando-os com mamadeiras de prata. A movimentação no palácio era intensa, como formigas em um formigueiro perturbado. Brighid, a Santa, surgiu de repente, os olhos brilhando.
— Rápido, vocês precisam se trocar. Seu pai chegou, e os deuses sabem que ele não gosta de esperar.
Os irmãos correram para seus aposentos, mal conseguindo conter a excitação.
Tobi e Hamald vestiram suas roupas reais com destreza, enquanto Meg, com um sorriso travesso, escolheu um elegante vestido vermelho.
Mal haviam terminado de se arrumar e uma das empregadas os chamou, segurando escovas nas mãos.
Com um suspiro resignado, os dois irmãos sentaram-se, e a empregada começou a pentear seus cabelos para trás, como se esculpisse as cristas de dragões em suas cabeças.
Ambos reclamaram, fazendo caretas enquanto seus cabelos eram cuidadosamente ajeitados.
— Isso é desnecessário — murmurou Hamald, tentando se esquivar das garras da mulher.
— Não aguento ficar com o cabelo assim — concordou Tobi, franzindo a testa como um lobo encurralado.
Finalmente, os três emergiram dos aposentos, vestidos com roupas que pareciam mais pesadas do que armaduras de batalha.
O salão principal os aguardava, repleto de expectativa e ansiedade. Os irmãos se juntaram aos demais, todos de pé, como estátuas de antigos deuses, esperando a chegada do pai.
A voz grave de Colin ecoou pelo corredor, saudando cada criado, cada cortesão, como se ele próprio fosse um rei das lendas.
Os corações dos irmãos batiam em uníssono, como tambores de guerra antes da batalha.
E então, Colin entrou na sala.
Ele parecia maior e mais forte do que nunca, os músculos sob a indumentária tensos como cordas de arco. Os mais novos não se contiveram: correram para abraçar o pai, suas vozes se entrelaçando como as raízes de uma árvore.
— Papai, eu consegui aprender uma nova magia! — exclamou um, os olhos brilhando.
— E eu consegui ler um livro sozinho! — gabou-se outro, o peito inflado como o de um pavão.
Colin ouviu atentamente, sorrindo com a paciência de um homem que já enfrentara dragões, feiticeiros e os piores demônios do abismo.
Quando se levantou, seus olhos se voltaram para Tobi, Hamald e Meg, que permaneciam quietos, mas seus corações batiam acelerados.
— Soube que vocês passaram pela prova de seleção — disse Colin, com orgulho na voz. Para os garotos, suas palavras soavam como se fossem um martelo forjando uma espada lendária. — Vocês ficaram mais fortes.
Os três coraram, sentindo um calor no peito que palavras não poderiam descrever.
Colin sorriu e bagunçou o cabelo dos três, um gesto que, para eles, valia mais do que qualquer tesouro escondido nas masmorras do reino.
— Continuem assim — disse Colin, antes de se afastar para brincar com seus filhos menores nos braços das empregadas e conversar com suas esposas.
Seu olhar, porém, permaneceu fixo nos filhos mais velhos, como se visse além das aparências.
Hamald olhou para seus irmãos, seus olhos brilhando de excitação, brasas prestes a incendiar o mundo.
— Vocês sentiram isso? Ele está muito mais forte do que da última vez. Dá pra sentir…
Tobi e Meg engoliram em seco, ambos sabiam que Hamald estava certo, mas sua determinação crescia como uma tempestade.
— Precisamos continuar treinando! — exclamou Tobi. — Precisamos alcançar o papai! Não somos o papai, mas queremos que as pessoas se sintam tão seguras quanto nos sentimos quando ele está por perto.
Meg sorriu, concordando com o irmão.
— Não concordamos em muita coisa, mas nisso você está certo, Tobi.
Empolgado, Hamald deu um passo à frente, igual a um cavaleiro prestes a avançar contra o inimigo.
— Então vamos treinar agora! É como tio Valagorn sempre diz “O aço se forja na fornalha, e nossos músculos também.”
Eles correram em direção à saída, a empolgação evidente em cada movimento. Meg segurou a borda do vestido, determinada a não ficar para trás.
Colin, observando-os de soslaio, deu um sorriso de canto. Ver seus filhos tão determinados e motivados enchia seu coração de orgulho.
No entanto, ele sabia que sua tarefa não terminava ali.
Chegar a Runyra foi o menor dos problemas; agora ele precisava se inteirar de tudo o que havia acontecido em sua ausência e preparar-se para os desafios que viriam.
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