Capítulo 451 - Detalhes resolvidos.
Na câmara de audiências da rainha, as sombras dançavam nas paredes e o aroma de incenso se misturava ao murmúrio das vozes.
No centro da sala, uma mesa de carvalho maciço estava cuidadosamente arrumada com uma variedade de chás finos e petiscos, prontos para servir os convidados.
Poltronas estofadas circundavam a mesa.
Colin estava sentado à cabeceira da mesa, o semblante marcado pelo cansaço. À sua direita, Ayla, astuta como uma coruja, percebia os olhares furtivos de Morwyna em direção ao seu marido, e estreitava os olhos, como se visse além das aparências.
Cykna, a tia do rei, estava sentada próxima a ele, avaliando a situação com um olhar crítico e preocupado.
— Sobrinho, você parece cansado — comentou Cykna, sua voz suave e maternal.
— Faz alguns dias que não durmo — respondeu Colin, esfregando os olhos, tentando suprimir um bocejo.
Cykna então voltou-se para o rei dos Elfos do Mar, sentado em frente a ela.
— Não sabia que ainda existiam mais Elfos do Mar — comentou, a curiosidade evidente em seu tom.
— Colin deveria ter mencionado que tem o sangue dos Altos Elfos — respondeu o rei dos Elfos do Mar com um sorriso leve. — E a jovem Morwyna deveria ter dito que é a filha do rei dos Elfos Negros…
Morwyna coçou a bochecha, visivelmente desconcertada.
A porta rangeu em suas dobradiças, e todos os olhares convergiram para Ghindrion, cuja figura surgiu na entrada.
Vestido com uma túnica de veludo negro, a espada que Ayla lhe confiara pendia à sua cintura.
Seus olhos, vermelhos como sangue, encontraram os de Morwyna, e o mundo pareceu congelar por um instante.
Os lábios de Morwyna tremeram, e ela correu para os braços do irmão, como se tivesse passado séculos desde a última vez que se viram.
O abraço foi forte, tenro, profundo.
— Ghindrion, o vovô… — A voz dela mal passava de um sussurro
— Já sei de tudo. — Ele acariciou os cabelos de Morwyna, como se quisesse apagar todas as dores que ela enfrentara na sua ausência.
Colin observou a cena por um momento. A reunião, com sua urgência e intrigas, foi momentaneamente eclipsada pela reunião familiar.
— Vamos nos sentar. Depois da reunião terão tempo de sobra. — A autoridade em sua voz trouxe todos de volta à realidade.
Os outros tomaram seus lugares ao redor da mesa e Ayla foi a primeira a falar.
— As coisas dentro de Runyra estão relativamente bem. —Começou a rainha consorte, sua expressão séria. — Tivemos ataques isolados, mas nossos homens já estão agindo. O Sul é nosso, mas os rebeldes persistem como ervas daninhas. Dasken e Falone foram enviados para podá-los, mas houve contratempos.
O olhar de Ayla escureceu, como nuvens carregadas de tempestade.
— Colin… Lina está morta… — A confirmação foi dura, e o eco da perda reverberou nas paredes de pedra. — E o grupo de Yuki foi desfeito. Nossa Ordem dos Caçadores de Espectros agora é apenas cinzas e memórias. Mas não nos curvaremos a esse obstáculo. Erguemos uma nova guarda, mais implacável, mais poderosa. Recursos não nos faltam.
Brighid, a Santa, tomou a palavra. Seus olhos, tão antigos quanto as raízes da grande árvore, sondaram os presentes.
— Ayla e eu traçamos um plano de contenção. — Sua voz, suave como o murmúrio de um riacho. — Ainda incompleto, mas acreditamos que em breve teremos a solução em mãos.
Colin, sorriu de canto. Era reconfortante saber que suas esposas conseguiam se virar tão bem sem seu auxílio.
— O pai de vocês é o único obstáculo para a unificação do continente — disse ele, um sorriso de canto surgindo em seus lábios. — O que o príncipe Ghindrion pode fazer para provar sua lealdade?
Ghindrion, olhos semelhantes a rubis, estreitou-os. A tensão no salão cresceu de repente. Mesmo que todos tecessem comentários grandiosos ao rei, para o Elfo, ele ainda era extremamente suspeito.
Morwyna, que conhecia a alma do irmão, tocou-lhe as mãos em um gesto doce.
— Confie nele, irmão — sussurrou. — O vovô acreditava nele também… assim como eu acredito…
Mas Ghindrion, que estava dividido entre confiar na família ou confiar nos seus instintos, respondeu com a cautela de quem conhece homens como Colin.
— Tentarei convencer os Elfos, mas saiba, senhor Colin, que mesmo se Milveg for derrotado, o orgulho deles é como uma muralha intransponível. Prefeririam a morte a curvar-se diante de um estrangeiro, um… mestiço…
As chamas dançavam nas paredes, projetando sombras inquietas sobre os rostos tensos dos presentes.
— Você pode se tornar rei — disse Colin, a voz poderosa como sua presença. — Mas não um rei como os Elfos Negros que vieram antes de você. Seria um vassalo de Runyra, um peão.
Ghindrion cerrou os punhos.
— E se eu me recusar a me curvar perante Runyra? — A pergunta brotou como uma espada desembainhada.
Colin relaxou, os lábios se curvando em um sorriso enigmático.
— Nesse caso — disse ele. — Tornaria Morwyna minha consorte. Ela governaria os Elfos Negros em meu nome.
Morwyna corou violentamente e Ayla franziu o cenho, mas permaneceu em silêncio, como uma coruja observando o crepúsculo.
Colin voltou-se para Morwyna.
— A princesa e eu fizemos um pacto — declarou ele. — Explique a ele.
Ela pigarreou.
— Vovô confiava em Colin — disse ela. — Eu estava lá quando ele enfrentou o falso Errante e defendeu os habitantes de Rontes. Eu vi quando ele liderou todos os encarcerados injustamente pelos sacerdotes, e lutei ao seu lado contra os príncipes do abismo…
Ela fez uma pausa dramática, garantindo que todos eles estivessem prestando atenção.
— Ghindrion… o próprio deus morto apareceu, reencarnado no corpo do príncipe mais poderoso do abismo, e senhor Colin o enfrentou, sozinho!
Um burburinho percorreu a assembleia.
Brighid ergueu as sobrancelhas, preocupada.
— Drez’gan estava aqui, nesse plano?
— Estava — Colin respondeu, sua expressão imperturbável. — Mas o corpo dele não resistiu ao próprio poder. Ele disse que voltaria.
Cykna, a rainha interina, interveio.
— Há outra questão importante. Runyra cresceu, e nossos homens minguaram. — Ela apontou para o mapa desgastado sobre a mesa. — Gigantes, Orcs e humanos tombaram na batalha do norte, a mesma batalha que derrotou o príncipe Ghindrion. E agora, com a igreja da deusa da neve reduzida a cinzas, alguns nortenhos exigem que você cumpra sua parte do acordo, majestade.
Ayla inclinou-se para a frente.
— Que acordo?
— Não é nada. — Colin deu de ombros. — Mas eles devem acreditar que foram prejudicados porque estão afastados da família real. Talvez seja hora de uma conversa franca.
O silêncio desabou sobre a sala, pesado como o manto de um rei morto. Todos os olhares se voltaram para Ghindrion, o herdeiro de Milveg.
— Eu estava seguindo ordens…
— Por isso precisa provar sua lealdade, garoto. — Colin o perfurou com seu olhar. — Você foi libertado porque sua irmã me pediu. Deixo você em meu castelo, te alimento, te protejo dos filhos dos homens que matou, e ainda assim se recusa a me ajudar.
Ghindrion fez um muxoxo, encarando Morwyna. A ira pulsava em suas veias, como o fogo que consome uma floresta.
— Morwyna, você confiou em um homem que não conheço! — A voz dele ecoou pelas paredes. — Não ouviu os boatos? As histórias que circulam sobre esse homem? Colin de Runyra não é confiável! E se querem me matar, que matem! Prefiro a morte a confiar em um homem que é igual ao meu pai!
O silêncio pousou naquela sala.
Ghindrion encarou Colin por um momento, buscando nas profundezas daqueles olhos a verdade por trás de suas intensões. Então, com um rugido de fúria, saiu da sala, a porta batendo, alta como um trovão.
— Senhor Colin, desculpe o meu irmão… — Morwyna falou, a voz trêmula. — Ele sempre foi…
Colin abanou uma das mãos, permanecendo calmo, igual a um rei que já viu inúmeras birras.
— Deixem-no. — Ele voltou sua atenção para o restante do grupo. — Conversarei com Ghindrion depois.
Ele virou-se para o rei dos Elfos do Mar.
— Precisamos dar um jeito no seu povo. Mandarei avisar a Valagorn que seu povo está aqui.
A reunião continuou por mais meia hora, com todos focados em resolver os assuntos internos que se acumulavam. Colin manteve a liderança firme, ouvindo as preocupações e sugestões de todos à mesa.
A maior preocupação pairava sobre a economia.
— Precisamos garantir que a economia permaneça estável — disse Colin, espaldeando na poltrona. — Se os ataques continuarem, isso poderia causar pânico. E um império em pânico é um império à beira do colapso.
Brighid, sempre prática e objetiva, interveio.
— Estamos tomando medidas para proteger as rotas comerciais e as vilas mais vulneráveis. Mas precisamos de mais tropas e recursos para garantir a segurança em todas as áreas. No entanto, não temos pessoal suficiente…
Cykna sugeriu com olhos perspicazes:
— Devíamos forjar alianças. Nossas criaturas do território hostil são poderosas, mas não bastarão.
Erguendo-se, ela apontou para o mapa estendido sobre a mesa. Primeiro, no extremo sul, próximo a uma ilha. Depois, no extremo norte, e por último, nas ilhas Janesi.
— Essas ilhas, ao norte e ao sul, são famosas. — Cykna traçou linhas imaginárias com o dedo. — A ilha do Norte abriga magos com reservas abundantes de mana. A do Sul, fragmentada pelo monarca do céu mais poderoso da história, viu bestas feras se misturarem aos humanos, gerando uma raça singular, semelhante aos pandorianos. E as ilhas Janesi? São conhecidas por seus espadachins habilidosos e ótimos navegadores. Com suas frotas, poderíamos tomar o mar dos Elfos Negros, invadindo pelas praias sem mobilizar um grande exército por terra.
Ayla ergueu a voz.
— Mas as ilhas Janesi estão em guerra. Duvido que se unam facilmente a nós. E esses magos da ilha do Norte? Soberbos, arrogantes, como se sua mana elevada os colocasse acima de todos.
O rei dos Elfos do Mar, com olhos tão azuis quanto o oceano profundo, ofereceu sua ajuda.
— Posso interceder pela ilha do Sul. — Sua voz, rouca e grave. — Deixe-me contribuir, majestade. Quero honrar o Conquistador pelo que fez e pelo que ainda fará por meu povo.
Todos os olhares se voltaram para Colin, cujo suspiro parecia carregar o peso de reinos inteiros.
— Não planejava envolver estrangeiros nisso. — Ele assentiu, resignado. — Mas como disseram, muitos já se foram, e precisamos de pessoal. Certo, rei dos Elfos Marinhos, deixo o sul sob seus cuidados. Quanto ao Norte… eu mesmo resolvo, mas não agora. Ele alisou o cabelo para trás, espaldeando ainda mais no trono.
— Não podemos interceder pelas ilhas Janesi ainda. Resolver problemas externos como uma guerra está fora de questão.
Todos assentiram.
Colin fixou seu olhar em Ayla, o reflexo da chama bruxuleando em seus olhos dourados.
— Yonolondor chegou a salvo? — A pergunta saiu como um comando, revestida de autoridade e urgência.
Ayla assentiu
— Já alojamos as pessoas que vieram com ele — respondeu. — Yonolondor está em uma missão no momento.
Colin soltou um suspiro, alívio mesclado com a inevitável ausência de surpresa.
— Você não perde tempo mesmo, Ayla — murmurou, um sorriso quase imperceptível curvando seus lábios. — Precisamos nos reorganizar. Não vou deixar Runyra por algum tempo, a questão da ilha no Norte pode ficar de lado por enquanto. Declaro essa reunião encerrada.
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