Índice de Capítulo

    Na câmara de audiências da rainha, as sombras dançavam nas paredes e o aroma de incenso se misturava ao murmúrio das vozes.

    No centro da sala, uma mesa de carvalho maciço estava cuidadosamente arrumada com uma variedade de chás finos e petiscos, prontos para servir os convidados.

    Poltronas estofadas circundavam a mesa.

    Colin estava sentado à cabeceira da mesa, o semblante marcado pelo cansaço. À sua direita, Ayla, astuta como uma coruja, percebia os olhares furtivos de Morwyna em direção ao seu marido, e estreitava os olhos, como se visse além das aparências.

    Cykna, a tia do rei, estava sentada próxima a ele, avaliando a situação com um olhar crítico e preocupado.

    — Sobrinho, você parece cansado — comentou Cykna, sua voz suave e maternal.

    — Faz alguns dias que não durmo — respondeu Colin, esfregando os olhos, tentando suprimir um bocejo.

    Cykna então voltou-se para o rei dos Elfos do Mar, sentado em frente a ela.

    — Não sabia que ainda existiam mais Elfos do Mar — comentou, a curiosidade evidente em seu tom.

    — Colin deveria ter mencionado que tem o sangue dos Altos Elfos — respondeu o rei dos Elfos do Mar com um sorriso leve. — E a jovem Morwyna deveria ter dito que é a filha do rei dos Elfos Negros…

    Morwyna coçou a bochecha, visivelmente desconcertada.

    A porta rangeu em suas dobradiças, e todos os olhares convergiram para Ghindrion, cuja figura surgiu na entrada.

    Vestido com uma túnica de veludo negro, a espada que Ayla lhe confiara pendia à sua cintura.

    Seus olhos, vermelhos como sangue, encontraram os de Morwyna, e o mundo pareceu congelar por um instante.

    Os lábios de Morwyna tremeram, e ela correu para os braços do irmão, como se tivesse passado séculos desde a última vez que se viram.

    O abraço foi forte, tenro, profundo.

    — Ghindrion, o vovô… — A voz dela mal passava de um sussurro

    — Já sei de tudo. — Ele acariciou os cabelos de Morwyna, como se quisesse apagar todas as dores que ela enfrentara na sua ausência.

    Colin observou a cena por um momento. A reunião, com sua urgência e intrigas, foi momentaneamente eclipsada pela reunião familiar.

    — Vamos nos sentar. Depois da reunião terão tempo de sobra. — A autoridade em sua voz trouxe todos de volta à realidade.

    Os outros tomaram seus lugares ao redor da mesa e Ayla foi a primeira a falar.

    — As coisas dentro de Runyra estão relativamente bem. —Começou a rainha consorte, sua expressão séria. — Tivemos ataques isolados, mas nossos homens já estão agindo. O Sul é nosso, mas os rebeldes persistem como ervas daninhas. Dasken e Falone foram enviados para podá-los, mas houve contratempos.

    O olhar de Ayla escureceu, como nuvens carregadas de tempestade.

    — Colin… Lina está morta… — A confirmação foi dura, e o eco da perda reverberou nas paredes de pedra. — E o grupo de Yuki foi desfeito. Nossa Ordem dos Caçadores de Espectros agora é apenas cinzas e memórias. Mas não nos curvaremos a esse obstáculo. Erguemos uma nova guarda, mais implacável, mais poderosa. Recursos não nos faltam.

    Brighid, a Santa, tomou a palavra. Seus olhos, tão antigos quanto as raízes da grande árvore, sondaram os presentes.

    — Ayla e eu traçamos um plano de contenção. — Sua voz, suave como o murmúrio de um riacho. — Ainda incompleto, mas acreditamos que em breve teremos a solução em mãos.

    Colin, sorriu de canto. Era reconfortante saber que suas esposas conseguiam se virar tão bem sem seu auxílio.

    — O pai de vocês é o único obstáculo para a unificação do continente — disse ele, um sorriso de canto surgindo em seus lábios. — O que o príncipe Ghindrion pode fazer para provar sua lealdade?

    Ghindrion, olhos semelhantes a rubis, estreitou-os. A tensão no salão cresceu de repente. Mesmo que todos tecessem comentários grandiosos ao rei, para o Elfo, ele ainda era extremamente suspeito.

    Morwyna, que conhecia a alma do irmão, tocou-lhe as mãos em um gesto doce.

    — Confie nele, irmão — sussurrou. — O vovô acreditava nele também… assim como eu acredito…

    Mas Ghindrion, que estava dividido entre confiar na família ou confiar nos seus instintos, respondeu com a cautela de quem conhece homens como Colin.

    — Tentarei convencer os Elfos, mas saiba, senhor Colin, que mesmo se Milveg for derrotado, o orgulho deles é como uma muralha intransponível. Prefeririam a morte a curvar-se diante de um estrangeiro, um… mestiço…

    As chamas dançavam nas paredes, projetando sombras inquietas sobre os rostos tensos dos presentes.

    — Você pode se tornar rei — disse Colin, a voz poderosa como sua presença. — Mas não um rei como os Elfos Negros que vieram antes de você. Seria um vassalo de Runyra, um peão.

    Ghindrion cerrou os punhos.

    — E se eu me recusar a me curvar perante Runyra? — A pergunta brotou como uma espada desembainhada.

    Colin relaxou, os lábios se curvando em um sorriso enigmático.

    — Nesse caso — disse ele. — Tornaria Morwyna minha consorte. Ela governaria os Elfos Negros em meu nome.

    Morwyna corou violentamente e Ayla franziu o cenho, mas permaneceu em silêncio, como uma coruja observando o crepúsculo.

    Colin voltou-se para Morwyna.

    — A princesa e eu fizemos um pacto — declarou ele. — Explique a ele.

    Ela pigarreou.

    — Vovô confiava em Colin — disse ela. — Eu estava lá quando ele enfrentou o falso Errante e defendeu os habitantes de Rontes. Eu vi quando ele liderou todos os encarcerados injustamente pelos sacerdotes, e lutei ao seu lado contra os príncipes do abismo…

    Ela fez uma pausa dramática, garantindo que todos eles estivessem prestando atenção.

    — Ghindrion… o próprio deus morto apareceu, reencarnado no corpo do príncipe mais poderoso do abismo, e senhor Colin o enfrentou, sozinho!

    Um burburinho percorreu a assembleia.

    Brighid ergueu as sobrancelhas, preocupada.

    — Drez’gan estava aqui, nesse plano?

    — Estava — Colin respondeu, sua expressão imperturbável. — Mas o corpo dele não resistiu ao próprio poder. Ele disse que voltaria.

    Cykna, a rainha interina, interveio.

    — Há outra questão importante. Runyra cresceu, e nossos homens minguaram. — Ela apontou para o mapa desgastado sobre a mesa. — Gigantes, Orcs e humanos tombaram na batalha do norte, a mesma batalha que derrotou o príncipe Ghindrion. E agora, com a igreja da deusa da neve reduzida a cinzas, alguns nortenhos exigem que você cumpra sua parte do acordo, majestade.

    Ayla inclinou-se para a frente.

    — Que acordo?

    — Não é nada. — Colin deu de ombros. — Mas eles devem acreditar que foram prejudicados porque estão afastados da família real. Talvez seja hora de uma conversa franca.

    O silêncio desabou sobre a sala, pesado como o manto de um rei morto. Todos os olhares se voltaram para Ghindrion, o herdeiro de Milveg.

    — Eu estava seguindo ordens…

    — Por isso precisa provar sua lealdade, garoto. — Colin o perfurou com seu olhar. — Você foi libertado porque sua irmã me pediu. Deixo você em meu castelo, te alimento, te protejo dos filhos dos homens que matou, e ainda assim se recusa a me ajudar.

    Ghindrion fez um muxoxo, encarando Morwyna. A ira pulsava em suas veias, como o fogo que consome uma floresta.

    — Morwyna, você confiou em um homem que não conheço! — A voz dele ecoou pelas paredes. — Não ouviu os boatos? As histórias que circulam sobre esse homem? Colin de Runyra não é confiável! E se querem me matar, que matem! Prefiro a morte a confiar em um homem que é igual ao meu pai!

    O silêncio pousou naquela sala.

    Ghindrion encarou Colin por um momento, buscando nas profundezas daqueles olhos a verdade por trás de suas intensões. Então, com um rugido de fúria, saiu da sala, a porta batendo, alta como um trovão.

    — Senhor Colin, desculpe o meu irmão… — Morwyna falou, a voz trêmula. — Ele sempre foi…

    Colin abanou uma das mãos, permanecendo calmo, igual a um rei que já viu inúmeras birras.

    — Deixem-no. — Ele voltou sua atenção para o restante do grupo. — Conversarei com Ghindrion depois.

    Ele virou-se para o rei dos Elfos do Mar.

    — Precisamos dar um jeito no seu povo. Mandarei avisar a Valagorn que seu povo está aqui.


    A reunião continuou por mais meia hora, com todos focados em resolver os assuntos internos que se acumulavam. Colin manteve a liderança firme, ouvindo as preocupações e sugestões de todos à mesa.

    A maior preocupação pairava sobre a economia.

    — Precisamos garantir que a economia permaneça estável — disse Colin, espaldeando na poltrona. — Se os ataques continuarem, isso poderia causar pânico. E um império em pânico é um império à beira do colapso.

    Brighid, sempre prática e objetiva, interveio.

    — Estamos tomando medidas para proteger as rotas comerciais e as vilas mais vulneráveis. Mas precisamos de mais tropas e recursos para garantir a segurança em todas as áreas. No entanto, não temos pessoal suficiente…

    Cykna sugeriu com olhos perspicazes:

    — Devíamos forjar alianças. Nossas criaturas do território hostil são poderosas, mas não bastarão.

    Erguendo-se, ela apontou para o mapa estendido sobre a mesa. Primeiro, no extremo sul, próximo a uma ilha. Depois, no extremo norte, e por último, nas ilhas Janesi.

    — Essas ilhas, ao norte e ao sul, são famosas. — Cykna traçou linhas imaginárias com o dedo. — A ilha do Norte abriga magos com reservas abundantes de mana. A do Sul, fragmentada pelo monarca do céu mais poderoso da história, viu bestas feras se misturarem aos humanos, gerando uma raça singular, semelhante aos pandorianos. E as ilhas Janesi? São conhecidas por seus espadachins habilidosos e ótimos navegadores. Com suas frotas, poderíamos tomar o mar dos Elfos Negros, invadindo pelas praias sem mobilizar um grande exército por terra.

    Ayla ergueu a voz.

    — Mas as ilhas Janesi estão em guerra. Duvido que se unam facilmente a nós. E esses magos da ilha do Norte? Soberbos, arrogantes, como se sua mana elevada os colocasse acima de todos.

    O rei dos Elfos do Mar, com olhos tão azuis quanto o oceano profundo, ofereceu sua ajuda.

    — Posso interceder pela ilha do Sul. — Sua voz, rouca e grave. — Deixe-me contribuir, majestade. Quero honrar o Conquistador pelo que fez e pelo que ainda fará por meu povo.

    Todos os olhares se voltaram para Colin, cujo suspiro parecia carregar o peso de reinos inteiros.

    — Não planejava envolver estrangeiros nisso. — Ele assentiu, resignado. — Mas como disseram, muitos já se foram, e precisamos de pessoal. Certo, rei dos Elfos Marinhos, deixo o sul sob seus cuidados. Quanto ao Norte… eu mesmo resolvo, mas não agora. Ele alisou o cabelo para trás, espaldeando ainda mais no trono.

    — Não podemos interceder pelas ilhas Janesi ainda. Resolver problemas externos como uma guerra está fora de questão.

    Todos assentiram.

    Colin fixou seu olhar em Ayla, o reflexo da chama bruxuleando em seus olhos dourados.

    — Yonolondor chegou a salvo? — A pergunta saiu como um comando, revestida de autoridade e urgência.

    Ayla assentiu

    — Já alojamos as pessoas que vieram com ele — respondeu. — Yonolondor está em uma missão no momento.

    Colin soltou um suspiro, alívio mesclado com a inevitável ausência de surpresa.

    — Você não perde tempo mesmo, Ayla — murmurou, um sorriso quase imperceptível curvando seus lábios. — Precisamos nos reorganizar. Não vou deixar Runyra por algum tempo, a questão da ilha no Norte pode ficar de lado por enquanto. Declaro essa reunião encerrada.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota