Índice de Capítulo

    O vento sussurrava pelos corredores do castelo de pedra, e Colin, com a sobriedade de quem carrega o peso de um reino, deixou para trás a sala de reuniões.

    A madeira das escadas rangia sob seus passos, e ele desceu, alcançando o jardim.

    O jardim aguardava lá embaixo, um oásis tranquilo e verde, onde Ghindrion estava sentado à beira de um banco de pedra. O banco, gasto pelo tempo e pelas histórias que ali se desenrolaram, dava vista para um lago sereno, espelhando o céu.

    Colin se aproximou e o olhar de Ghindrion se ergueu para encontrá-lo. O jovem Elfo era uma chama inquieta, cabelos escuros e olhos que pareciam conter tempestades. Colin, por sua vez, era o próprio inverno: um rosto que parecia esculpido pela experiência das batalhas que travara e seus olhos gélidos como o gelo que cobria os picos das montanhas além do castelo.

    — Morwyna — disse Colin, sentando-se. O nome da Elfa pairou no ar como uma maldição. — Deixei passar aquela falta de respeito por causa dela. Mas não acontecerá novamente, não na frente de minhas esposas e da corte.

    Ghindrion franziu o cenho, desconfiado. — Por que fez um pacto com ela? Que feitiços sussurrou nos ouvidos da minha irmã?

    Colin sorriu de canto. — A achei bonita. Sempre é bom manter mulheres que lambam nossos pés por perto.

    A fúria incendiou os olhos de Ghindrion. A mão do rapaz pousou na empunhadura da espada, mas Colin não se abalou. Ele desviou o olhar, observando os patos que deslizavam pelo lago.

    — Não me importo com sua desconfiança — disse Colin. — Mas saiba que eu não estava brincando lá dentro. Sua vida, príncipe Ghindrion, é tão descartável para mim quanto uma folha levada pelo vento. Eu poderia governar por meio de Morwyna, se assim desejasse. Ela faria tudo que eu pedisse e não diria nada.

    Ghindrion se levantou, o rosto pálido. Colin o encarou, e algo nos olhos do rei fez o rapaz hesitar.

    Era um olhar que sugeria uma maldade profunda, um terror que Ghindrion não queria experienciar.

    O príncipe sentou-se novamente, suando frio.

    — Mas — continuou Colin — quero fazer as pazes. Você pode viver uma boa vida quando tudo isso terminar… Casar, ter filhos… essas coisas que todo mundo faz.

    Ghindrion, confuso, perguntou: — Me diga… Qual é o seu objetivo, Colin?

    O sorriso do rei se alargou.

    — Não importa. Você, Ghindrion, é apenas um peão. E os peões não precisam saber de tudo.

    O vento, agora mais frio, parecia carregar consigo as palavras do rei. O jovem, com a mandíbula tensa, engoliu em seco e assentiu. Era um acordo perigoso, mas ele sabia que não tinha escolha.

    — Eu ajudarei — disse Ghindrion, tentando soar firme. — Mas você precisa cumprir suas palavras, Colin. Assim que meu pai cair, eu assumirei como rei e farei parte de Runyra. Consolidarei o seu poder por todo o continente. Mas não quero receber ordens despretensiosas de Runyra. Servirei, mas não serei seu capacho.

    Colin sorriu, como se estivesse admirando uma peça bem jogada no tabuleiro. — Tudo bem, príncipe. Quando eu comandar o continente, não haverá mais guerras. A paz… será nossa aliada.

    Era difícil não pensar no próprio pai, o homem que havia levado os Elfos Negros a um destino sangrento. Ghindrion se perguntou se o rei na sua frente era apenas uma variação da mesma essência.

    Ambos usavam as pessoas como peças em um jogo maior, mas Colin, pelo menos, não escondia sua ambição.

    — Você é parecido com ele… — murmurou Ghindrion, mais para si do que para o rei. — Usa todos ao seu redor, e o pior é que minha irmã parece ter caído na sua conversa…

    Colin se levantou, o manto escuro esvoaçando.

    — Entre mim e seu pai, eu sou o mal menor. Acredite, já vi as diferentes formas de mal neste mundo. Existe uma regra, príncipe, a regra que não só seu pai joga, mas todos os desgraçados poderosos desse plano. Se eu não me moldar a regra deles, serei derrotado. Pense, como acha que seria o continente sem mim? Acha que ele estaria mais feliz, mais próspero…?

    — … Eu não sei…

    — É claro que não sabe. Você ainda age como um egoísta que olha para o próprio umbigo. Acha que eu gostaria de tomar todas as decisões que tomei…? Fiz por um bem maior e não me arrependo. No fim, os deuses julgarão se tomei boas decisões. Passar bem, príncipe. 

    Ghindrion ficou sozinho no banco de pedra, observando o lago.

    Naquele momento, o príncipe soube que estava dançando com sombras, e a música era traiçoeira.

    “Me perdoe, Morwyna, mas não dá para confiar nesse homem e muito menos em nosso pai… Esse continente, não, esse plano, precisa de uma terceira alternativa que não seja esses dois… certo… farei as coisas do meu jeito!”


    A cidade estava em festa. As ruas de Runyra estavam decoradas com bandeiras e guirlandas, e o som de risadas e música enchiam as ruas.

    Crianças corriam alegremente, adultos brindavam com canecas de cerveja, e as barracas de comida ofereciam delícias de todos os cantos do reino.

    A volta do Rei Colin havia transformado o lugar em um refúgio de felicidade e celebração.

    Em uma taverna movimentada, a Orc Yllastina estava ao lado de Samantha, com Kodogog ao seu lado. Yllastina batia os pés no ritmo animado da balada que tocava, os chifres de cerveja de um lado para o outro, acompanhando a música.

    Samantha, mais calma e introspectiva, observava a felicidade da amiga com um sorriso discreto.

    Os orcs ao redor brindavam vigorosamente, suas canecas de cerveja colidindo com força e espalhando espuma. Kodogog levantou sua caneca em um brinde entusiasmado.

    — Irmão Colin é mesmo habilidoso — A voz de Kodogog ecoou pelas vigas de madeira.

    — É, ele é um bom amigo também. Kodogog escolheu bem — completou Yllastina, sorrindo.

    Samantha olhou para os dois, surpresa.

    — Nunca passaria pela minha cabeça que seu marido era Kodogog — comentou ela, a surpresa em sua voz.

    Yllastina riu, lembrando-se dos velhos tempos.

    — Eu me perdi no norte, indo atrás de um troll de gelo. Fiquei meses atrás dele e fui capturada por sacerdotes, acabei na prisão. Nunca pensei que o norte fosse unificado e que os orcs partiriam — disse ela, com um toque de nostalgia.

    Kodogog olhou para ela com ternura.

    — Kodogog sabia que voltaria, amor. Kodogog nunca duvidou de você, esposa minha.

    Eles se beijaram rapidamente, um selinho que mostrava seu afeto. Samantha sorriu, mas logo se levantou.

    — Acho que está na hora de eu ir — disse ela, tentando parecer casual.

    Yllastina franziu a testa.

    — Aonde você vai?

    — Vou para casa, rever meus pais. Voltarei em alguns dias, eu juro, portanto, se cuidem, os dois!

    — Tenha uma viagem segura, irmã Samantha!

    Samantha abaixou o capuz até a altura dos olhos, e deixou a taverna, evitando os bêbados e as espumas das canecas.

    Ainda na taverna repleta de risos e canecas erguidas, nos cantos mais sombrios, onde a luz das velas mal alcançava, dois Elfos Negros se escondiam.

    Seus capuzes sombreavam seus rostos, ocultando suas feições como máscaras.

    — O rei voltou. — A voz de um deles era baixo, sussurrante como o vento que se insinua pelas frestas das muralhas. — Será mais difícil agora.

    O outro assentiu, os olhos brilhando com cautela.

    — Precisamos seguir as ordens. — Ele falou com a firmeza de quem conhece o peso das consequências.

    Enquanto isso, um terceiro Elfo Negro se sentou à mesa, saboreando o vinho como se cada gota fosse a última.

    — Achar apoiadores está cada vez mais difícil — ele murmurou, os lábios tocando a borda da caneca. — A rainha não poupou os nobres que se opuseram a ela. Todos caíram sob sua lâmina. Esses covardes estão com medo de ser os próximos.

    O primeiro Elfo Negro franziu o cenho, os olhos inquietos.

    — Se falharmos, estaremos condenados — ele disse, ainda mais baixo. — Viram o rei? Sua aura é pegajosa, cruel. Ele é como um demônio…

    O segundo Elfo Negro concordou, a expressão sombria.

    — Deveríamos ter agido antes de seu retorno — ele murmurou. — Agora, estamos encurralados.

    Mas o terceiro Elfo Negro, o mais astuto deles, sorriu com malícia.

    — Eu me encontrarei com um homem — revelou. — Um homem que talvez possa nos ajudar.


    A cidade ainda pulsava com a ressaca da festa, mas os Elfos Negros sabiam que era hora de partir. Dois deles decidiram seguir adiante, enquanto um terceiro optou por permanecer.

    Cruzaram a cidade sob o manto da madrugada, quando os últimos ecos das canções ainda reverberavam nas vielas. As ruas, que há pouco estavam repletas de risos e celebração, agora se estendiam vazias e silenciosas.

    A cidade, como um amante cansado, havia se entregado ao sono.

    Os Elfos deixaram para trás as muralhas, afastando-se dos portões ornamentados e das bandeiras coloridas. Cinco quilômetros ao norte, encontraram uma clareira envolta em escuridão. Ali, uma única tocha ardia, lançando sombras dançantes sobre as árvores.

    O homem que esperavam estava lá, sentado sobre uma pedra, coberto por uma capa que mal revelava seus contornos. Quando jogou o capuz para trás, revelou-se Aoth, irmão de Anton, com olhos que pareciam conter sórdidos segredos.

    — Você vai mesmo nos ajudar, humano? — Um dos Elfos perguntou.

    Aoth assentiu, a expressão mais séria do que pretendia.

    — Represento a maioria dos nobres que vieram de Valéria e Brambéria — ele falou com amargura. — A rainha nos roubou, tirou nossas riquezas e nos mandou recomeçar do zero. Viver como e entre plebeus é uma tortura.

    O segundo Elfo Negro franziu o cenho.

    — Precisamos de um plano elaborado — ele disse, olhando para as sombras densas. — A rainha é astuta, e com o rei de volta, as coisas ficarão ainda mais difíceis.

    Aoth entregou um papel dobrado ao primeiro Elfo.

    — Aqui estão as partes mais importantes da reunião do Rei — ele revelou. — Tenho um informante na corte, alguém próximo à rainha.

    O Elfo leu o papel com atenção, os olhos percorrendo as palavras como se fossem runas antigas. Quando o abaixou, encarou Aoth, o rosto obscurecido pela penumbra.

    — O que faremos com essas informações? — sussurrou como quem carregava a urgência de quem sabe que o tempo é um inimigo implacável.

    Aoth, impaciente, o chamou de idiota.

    — Temos que agir antes da família real — ele falou com a aspereza de quem já viu demais. — O rei parece não querer agir no norte por enquanto, então alguns de nós já estamos organizando uma viagem às ilhas do norte. Faremos um trato com os magos. Se tivermos sorte, poderemos invadir pelo norte enquanto Runyra se fragiliza de dentro.

    O nobre ergueu-se, os olhos ardendo de malícia.

    — Precisamos minar a fé do povo na família real. — Aoth enfatizou cada palavra. — Fazê-los duvidar da Santa, da rainha, do rei. Eles não são invulneráveis.

    Aoth retirou dois frascos do bolso, colocando-os nas mãos do Elfo.

    — Um dos nobres mortos pela rainha estava estudando uma forma de espalhar uma praga — ele revelou. — Seus parentes nos procuraram, mostrando seus estudos. Há gente capacitada entre os nobres. Potencializamos a praga e criamos também o antídoto.

    O Elfo olhou para os frascos, perplexo.

    — Todos os nobres da nossa aliança têm o antídoto — Aoth afirmou. — Não precisam se preocupar.

    O Elfo, agora comprometido com a causa, assentiu.

    — Você está mesmo empenhado em acabar com a família real… — ele disse.

    — Espero que Milveg cumpra sua palavra e nos deixe no controle de Runyra, e não essa família cheia de mestiços e órfãos, vocês entendem, não é?

    Aoth estendeu a mão, e o Elfo apertou-a.

    — Milveg é um rei que nunca faria falsas promessas. — O Elfo concluiu. — Agora, vamos agir.

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