Capítulo 457 - Noite Agitada.
A noite era um manto escuro, costurado pelas estrelas e pelas ondas que lambiam as praias. O Wyvern, com asas de sombra, desceu em silêncio, suas garras afundando na areia como raízes famintas.
E dele, como um fantasma do passado, emergiu Linald, um dos nobres de Runyra. O mesmo Linald que Colin havia humilhado meses atrás, quando a espada do rei mestiço lhe arrancou a mão.
A cicatriz daquele encontro ainda ardia em sua carne.
Os soldados, em suas armaduras prateadas, avançaram. Eram altos, seus elmos escondendo cabelos avermelhados e orelhas pontudas.
— Quem é você? — perguntou um dos guardas, a voz firme como aço.
Linald ergueu o que restava de sua mão, os olhos inquietos.
— Linald. — O nome saiu como uma prece. — Escrevi para o rei da Ilha das Brumas Eternas dias atrás. Ele me respondeu, disse para que esperasse por seus guardas nas praias.
Os guardas trocaram olhares, e o Wyvern, paciente como uma estátua, observava. Outros guardas se aproximaram, prometendo vigiar a criatura alada.
— Siga-nos. — A ordem foi dada, e Linald deu de ombros, o medo entrelaçado ao dever e a vontade de se vingar.
Eles deixaram as praias, subindo um morro gramado. Lá, outros guardas montavam enormes leões-dentes-de-sabre, feras majestosas e letais.
As vilas ainda adormeciam, as casas belas e torres altas parecem saídas de contos de fadas. E os habitantes, aos poucos, despertavam. Elfos, em sua maioria, cabelos alaranjados como brasa, olhos azuis como o oceano, orelhas pontudas como folhas de hera.
Os olhares se fixaram em Linald. Afinal, não era comum, humanos desembarcarem na ilha das brumas.
A noite, como um manto de veludo, envolvia Linald enquanto ele cavalgava o leão-dente-de-sabre. Majestosa e silenciosa, a criatura seguia os passos do mensageiro, suas patas afundando na grama orvalhada.
A residência à frente era um casarão grande e ornado, suas paredes de pedra negra.
Os guardas, altos e imponentes em suas armaduras prateadas, indicaram que Linald deveria adentrar. E lá estava o senhor daquela região, sentado à mesa como um rei de contos de fadas.
Seus cabelos ruivos eram como brasas, e suas orelhas pontudas denunciavam sua linhagem élfica. Trajava linho fino, mas seus dedos eram adornados com anéis e colares, joias que brilhavam como estrelas do plano astral.
— Sente-se. — A voz do senhor era grave e arranhada. Linald obedeceu, a curiosidade dançando em seus olhos.
Ele tentou explicar, gaguejando, que estava ali para ver o rei. Mas o senhorio o silenciou, erguendo a mão cheia de anéis.
— Sei por que veio, senhor Linald. — O sorriso do homem era tão assustador quanto enigmático. — A carta que escreveu nunca chegou até o rei. Sou Fubrintor, o senhor da maré e 13° filho do rei.
Linald piscou, sem entender.
Uma linda mulher ruiva adentrou, servindo chá ao visitante.
— Tenho ciência de que o continente de onde veio é caótico, sim, mas também fértil. Deve ter se perguntado como uma ilha do norte não tem neve, certo? Dizem que no passado, milênios atrás, os grandes magos impediam a neve de cobrir a ilha, mudando todo o clima permanentemente. Não sei se é verdade, mas dizem que isso fez nossos cabelos ficarem vermelhos e nossas orelhas pontudas como a dos Elfos, acredita nisso? Eu não. Prefiro acreditar que temos sangue dos Elfos.
O forasteiro engoliu em seco. Aquele homem o deixava inquieto.
— A razão de você vir até mim é que as coisas estão agitadas. — Fubrintor inclinou-se. — O rei está morrendo, e meu irmão mais velho deve assumir. Mas nem todos concordam. Poder externo seria útil. Li sua carta, Linald. Ajudaremos os nobres de Runyra a derrubar seu rei, se vocês nos ajudarem a derrubar o nosso.
— Ouvi dizer que o rei da ilha de Bruma é um mago poderoso…
Fubrintor riu como uma onda quebrando na costa.
— Boatos, meu caro. O rei não é mais o mago que dizem. Seu poder minguou.
Linald franziu a testa.
— Por que me trouxe aqui? — Linald arriscou, olhando para a linda Elfa ruiva que servia mais uma vez seu chá. — O que deseja de um simples mensageiro?
Fubrintor inclinou-se, os anéis em seus dedos cintilando como estrelas.
— Uma guerra civil está prestes a estourar. — Ele falou baixo, como se as palavras fossem conchas frágeis. — Precisamos de homens que possam lutar pelo nosso lado. Assumiremos o trono e o ajudaremos como desejar.
Linald engoliu em seco. Seu rei, Colin, controlava toda força combatente. Como poderia ajudar?
— Colin… ele é poderoso. Impossível — balbuciou.
Mas Fubrintor sorriu.
— Não subestime as marés, Linald. Formarei uma coalizão com alguns dos meus irmãos, não queremos que a casa principal assuma, você deve entender. Todos querem o segredo que meu pai esconde naquelas masmorras. Dizem que com ele é possível dominar o mundo.
— Dominar o mundo?
O chá, como um elixir, deslizava pela garganta de Fubrintor. Ele observava Linald com olhos que pareciam enxergar além das paredes do casarão.
— É o que dizem. Meus irmãos, os da casa principal, não podem colocar as mãos nele. Esse gosto de sal, esse cheiro insuportável de peixe… mereço mais que isso, sou o filho do rei!
Linald engoliu em seco, assustado com a mudança de humor.
— Magos vermelhos. — A voz de Fubrintor acalmou-se. — Uma elite que abriga a grande torre do milênio no coração da capital. Poderosos, sim, mas se Colin for tão formidável quanto dizem, talvez até eles não possam mudar o curso das estrelas, mas podem causar uma grande dor de cabeça ao seu rei. Posso escrever algumas cartas, falar com amigos.
Linald assentiu. Os magos vermelhos poderiam ser a chave para minar a popularidade do rei, enfraquecendo a fé que o povo depositava tanto na Santa quanto na família real.
— Podemos começar pelo Norte — Linald falou baixo. — Atracaremos lá e enfrentaremos os gigantes que apoiam o rei. São a força mais poderosa do Norte. Se eles caírem, o caminho estará livre.
Fubrintor sorriu, revelando caninos afiados como adagas.
— Os gigantes. — Ele acenou. — Sim, uma tarefa árdua. E quanto aos homens para lutar por Runyra? Não são tantos, não é mesmo?
Linald suspirou.
— Não são, mas eles ainda são poderosos. Posso fazer uma lista com os principais nomes de Runyra, se eles caírem, tenho certeza de que a rainha não saberá o que fazer.
— Fique no vilarejo, Linald, falarei com algumas pessoas.
Uma jovem ruiva adentrou o quarto onde seu pai, o velho rei, repousava. Suas orelhas pontudas, um sinal claro de sua linhagem mística, eram parcialmente escondidas por seus cabelos alaranjados que caíam em cachos suaves sobre seus ombros.
Seu corpo curvilíneo movia-se com graça enquanto ela carregava um balde e um pano, determinada a cuidar do velho monarca.
Aproximando-se da cama, ela começou a limpar o rosto cansado e marcado do rei. Seus olhos, outrora cheios de fogo e sabedoria, agora estavam opacos e melancólicos.
— Minha hora está chegando ao fim — murmurou o velho rei, sua voz baixa e fraca. — Sei que meus filhos começarão uma guerra pelo trono… Eles são imaturos, não são bons homens… e bons homens nunca se tornariam bons reis.
A jovem hesitou, sua timidez aparente enquanto fitava o pai.
— Pai, por favor, guarde suas forças — pediu ela suavemente.
O rei suspirou, um som pesado de arrependimento.
— Errei. Devia ter criado melhor os meus filhos… Onde está sua mãe?
— Está trabalhando na cozinha — respondeu a jovem.
Com esforço, o velho pediu ajuda para se sentar. A jovem o ajudou, seu toque leve, mas firme.
O rei conjurou uma bengala e, com um estalo suave, começou a caminhar, o som da bengala batendo no chão ecoando pelo quarto. A jovem o apoiava, seu olhar preocupado.
— Não temos tempo… Vou entregar uma coisa a você — disse o rei. Ele ergueu o braço e uma passagem se formou na parede. Com um estalar de dedos, milhares de orbes surgiram em fila, iluminando o corredor escuro.
O corredor era frio, as paredes de pedra irradiando um ar gelado que fazia a jovem arrepiar-se. Eles avançaram lentamente, até alcançarem uma sala de troféus. O rei parou diante de um baú antigo, decorado com runas ancestrais.
— Isto está na nossa família há séculos — disse ele, sua voz reverberando na sala. — Foi do meu pai e do pai dele antes. As estrelas me contaram haver um perigo maior se aproximando, mas meus filhos não me escutarão.
Ele abriu o baú, revelando um tomo grosso e pesado, suas páginas amareladas pelo tempo. Esforçando-se, o velho rei o ergueu com reverência.
— Isso vai ajudá-la — disse ele, entregando o tomo à jovem.
— Ajudar quem? — perguntou ela, confusa. — A mim?
— Ajudará a Santa de Valéria — respondeu o rei. A jovem franziu a testa, sem entender.
— Quem?
— A esposa do rei que seus irmãos querem destruir — explicou o rei. — Você precisa levar sua mãe com você. Não é seguro aqui no palácio.
A confusão da jovem aumentava.
— Esse é o seu destino, minha filha, fazer parte de algo maior. Mas não será fácil. Os espíritos me contaram que, se o cosmos quiser ser salvo, vocês devem ajudar o homem conhecido como o Rei de Runyra. Os espíritos dizem que ele tem um temperamento difícil e é astuto como uma serpente, mas é um bom homem, protegerá você e sua mãe. Se ele morrer, será o fim de tudo que conhecemos, não podemos deixar isso acontecer.
O velho começou a caminhar de volta, a jovem ao seu lado, ainda tentando processar tudo o que ouvira.
— Pai… eu não…
— Confio essa missão a você — disse o rei, sua voz firme apesar da fraqueza. — Meus filhos usariam esse conhecimento para benefício próprio, e há traidores por todo lado.
O velho rei olhou para sua filha com olhos cansados, mas determinados.
— É melhor partirem logo. Seu irmão, Haldor, as acompanhará. Ele é um homem confiável, o mais honrado dos meus quarenta e seis filhos e filhas. Mas lembre-se, só você pode carregar o tomo até ser entregue à Santa de Valéria.
Ele tocou o tomo e, com um gesto mágico, o grande livro se transformou em um anel, que ele cuidadosamente colocou no indicador da jovem.
— Por que só eu posso carregar isso? — perguntou ela, olhando o anel com curiosidade e um pouco de medo.
O velho suspirou, reunindo suas forças para uma última explicação.
— Nossos ancestrais vieram para esta ilha após a queda do véu. Eles eram os primeiros Elfos, conhecidos como Altmers. Este livro foi escrito por eles, magos que conseguiam conversar com as estrelas. Você tem o sangue deles. As estrelas me disseram isso. É um legado que corre em suas veias. Agora, você deve se apressar. Tenho, no máximo, mais algumas horas de vida.
Com um esforço visível, o rei conjurou uma carta, entregando-a nas mãos da filha.
— Entregue isto nas mãos do rei, e apenas nas mãos dele.
O velho rei se desculpou, sua voz embargada pela emoção.
— Sinto muito por colocar um fardo tão pesado nas costas de alguém tão jovem. Mas é o que tem que ser feito.
A jovem, sentindo a gravidade do momento, deu um abraço apertado no pai.
— Eu te amo — disse o velho rei, a voz fraquejando. — Agora, vá. Precisa ir.
Ela se afastou, os olhos marejados, mas determinada. Com o anel no dedo e a carta firmemente segurada, a jovem ruiva partiu, sabendo que estava a ponto de embarcar em uma jornada que poderia mudar o destino de todo o reino.

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