Capítulo 05: Depois da Tempestade
Colin não conseguiu adormecer, a principal causa disso fora sua fome que fazia sua barriga doer de forma bárbara.
A tempestade havia se esvaído e levado consigo os soldados.
Enfim, era hora de procurar suprimentos.
Apressado e, ao mesmo tempo, lento, ele ergueu a cabeça do feno para avistar em volta do celeiro. A garota de antes continuava parada lá, imóvel com a cabeça entre as pernas.
“Coitada, está provavelmente traumatizada demais para continuar.”
Tirando o resto do feno de suas roupas com pequenos bofetes, Colin já imaginava que dali para frente tudo se tornaria uma questão de sobrevivência.
Com a picareta apoiada em seu ombro, ele se dirigiu para fora do celeiro.
Estava tudo destruído.
Casas e árvores estavam completamente reviradas, mas o celeiro permaneceu de pé por algum milagre.
Caminhou observando tudo ao redor, havia somente cadáveres do pessoal do vilarejo e nada mais.
Uma pessoa ou outra vagava pelo que já foi um vilarejo portando um olhar vazio e senil.
Mesmo Colin tendo sido comparado dezenas de vezes a um Elfo Negro, aquelas pessoas de coração e mente quebradas pareciam não se importar com absolutamente nada.
“Melhor encontrar algo para comer antes que eu acabe desmaiando.”
— Filhos da puta! — sussurrou Colin revirando caixas de dentro de uma choupana aos pedaços.
Os soldados haviam levado toda comida.
Ele deixou a residência em passos lentos enquanto escorava na parede com uma mão, e com a outra mantinha pressionando seu abdômen.
Por sorte, encontrou um pouco de água dentro de um balde ao lado do que restou de outra choupana.
Quando os soldados o arrastavam por aí em jaulas, ele notou haver um rio de água corrente não muito longe dali, mas sua sede não poderia esperar.
Sem pensar duas vezes, ele bebeu.
Foi quando sentiu aquele gosto terrível de urina.
Colin não esperava que fosse tão amargo e azedo, só não vomitou porque não havia nada para botar para fora. Limpou a boca com as costas da mão e continuou procurando por qualquer coisa que o ajudasse a sobreviver.
Havia animais mortos espalhados pelo vilarejo. Já estavam ali há dias, quase completamente podres, mas ele não tinha escolha.
Vasculhou alguns cadáveres e encontrou uma adaga com um velho que teve a garganta cortada junto a um anel que chamou sua atenção.
Era um anel dourado com um risco prateado no meio.
Com cuidado, Colin o retirou do dedo enrugado do velho e o enfiou nos bolsos das calças. O velho estava com uma expressão horrível, como se estivesse suplicando por algo quando teve sua vida ceifada pelos soldados.
Colin encarou o corte na garganta e ponderou tocá-lo, mas logo recolheu sua mão e apenas fechou os olhos do velho.
Além de tomar a adaga e o anel daquele senhor, ele também tomou suas roupas — ele não iria mais precisar delas. — As roupas de Colin estavam aos frangalhos.
Vestiu um casaco de lã surrado e desbotado pelo tempo, com algumas manchas escuras nas mangas. O casaco era grande o suficiente para lhe dar algum conforto, mas ainda assim estava um pouco justo em seus ombros e busto.
Seu novo par de botas era de couro marrom e desgastado, mas bem cuidado. Elas se encaixavam perfeitamente em seus pés.
Dirigiu-se até um chiqueiro e se moveu até um dos porcos já morto.
Cravou a adaga no lombo do animal putrefato e o cortou em alguns pedaços. Apanhou um balde próximo e jogou os pedaços que partiu lá dentro. Apanhou também outro balde vazio para enchê-lo com água.
Ele o lavaria no rio com cuidado e depois o devoraria por inteiro até os ossos. Praticamente sem forças, Colin dava seu máximo para carregar o balde cheio.
“Por que justo eu tive que parar em um lugar como esse? Que merda! Sou realmente um fodido!”
Mais do que nunca, Colin teria que ser forte.
Ele precisaria aprender tudo sobre o mundo em que estava, já que era o básico de um MMO aprender a lore do game.
Chegando ao rio, ele observou aquele mesmo garoto, antes atrelado a uma árvore por correntes, agora nu, se banhando severamente.
Suas unhas quase rasgavam seu corpo conforme ele se esfregava.
Seu olhar estava assustador, então, Colin recuou um pouco.
Seus cabelos longos tapavam seu rosto, e seus braços revelavam várias marcas de arranhões.
“Outro garoto traumatizado.”
Mal conseguindo conter a sede, Colin Sentou-se na margem e enfiou sua cabeça na água, bebendo toda água que sua bexiga conseguia suportar, tirando aquele gosto horrível de urina da boca.
Limpou os lábios com as costas das mãos e começou a lavar a carne do porco com cuidado, tirando toda podridão.
Vermes eram levados lentamente pelo rio de água cristalina.
Encarando seu reflexo na água, notou seu rosto machucado e alguns cortes que havia ganho. Suas olheiras estavam mais agressivas e seu olhar estava mais morto que antes de vir para este novo mundo.
O garoto no rio começou a encarar Colin.
Aquele olhar era intimidador.
“Melhor ele ficar onde está.”
Colin considerou a possibilidade de que talvez conseguisse cravar a adaga no pescoço do garoto antes de ser ferido seriamente, mas era melhor tentar conversar com ele, afinal ele não parecia um inimigo.
Colin ergueu o braço direito e disse:
— Ei! Tudo bem com você, garoto?
“É claro que não está bem.”
Franzindo o sobrolho, o garoto se afastou, deixando a margem ainda nu.
Após lavar a carne do porco, estava na hora de assá-lo.
Retornando ao vilarejo, Colin encontrou algo para usar de espeto. Resolveu testar uma coisa.
Com tijolos, construiu um braseiro improvisado e reuniu um amontoado de lenha e carvão que estava perto de onde os soldados fizeram seu acampamento improvisado.
A maioria da madeira estava molhada, mas ele conseguiu encontrar alguns galhos secos por sorte.
Em cócoras, posicionou o graveto verticalmente sobre o troco cortado que encontrou e com as palmas das mãos, começou a girá-lo. Girou até que o tronco começou a sair fumaça.
Apanhou um chumaço de palha e começou a assoprar, enquanto a palha se incendiava.
Com um pauzinho cutucou a madeira enquanto o fogo do braseiro se intensificava. Espetou a carne com a adaga e permaneceu com ela em cima do fogo por alguns minutos.
Já começava a entardecer.
O lugar não era mais seguro.
Ao alvorecer, ele partiria rumo ao desconhecido que o aguardava.
Os lobos já uivavam ao longe e as estrelas já gozavam de seu lampejo no céu noturno. O brilho mais belo naquele céu que parecia uma pintura era o da lua minguante.
“Pelo menos essa noite, lobisomens não sairão para caçar comida. Se existirem lobisomens aqui, é claro…”
Colin estava concentrado na lâmina de sua adaga, sentado em frente a um pequeno fogo que crepitava em um canto, aquecendo o seu porco.
De repente, Colin escutou passos se aproximando e olhou para ver quem era. Viu a garota do celeiro, coberta por lama e fuligem, parada em frente a ele com um olhar assustador.
Ela parecia ter enfrentado uma tempestade de poeira e lama.
— Oi! — ele apontou com o indicador para o balde ao seu lado. — Está com sede? Tem água aqui, pode pegar se quiser…
Mas antes que pudesse reagir, ela avançou sobre o balde, bebendo toda a água de uma vez só.
Colin ergueu-se de imediato, afastando-se enquanto ela bebia toda água do balde, quase tomando um banho.
Depois de beber a água, a garota parecia um pouco mais calma e Colin ofereceu um pouco de carne para ela, cortada de um pedaço de lombo que estava em sua adaga.
A garota olhou para Colin com um olhar estranho e, depois de soprar a carne algumas vezes, a devorou rapidamente.
Colin não pôde deixar de notar como ela parecia estar faminta e debilitada, e sentiu uma pontada de compaixão.
Ele entregou outro pedaço de carne e disse:
— Coma devagar, não tem muito aqui para duas pessoas.
“Então ela me entende…”
A garota tinha um cabelo extremamente negro, tão escuro que parecia absorver a luz do ambiente.
As mechas lisas e sedosas caiam em cascata sobre seus ombros e quadris, sentada como estava, seus cabelos quase chagavam ao chão.
Seus olhos, de um roxo profundo, brilhavam como pedras preciosas à luz das chamas da fogueira. As sobrancelhas finas e arqueadas davam uma expressão séria e misteriosa ao seu rosto.
Colin notou que suas orelhas eram pontudas, como as de uma Elfa, e ela tinha dois pequenos chifres no topo da testa, quase imperceptíveis debaixo da franja que cobria sua testa.
A pele da garota parecia ser macia como a seda, de uma cor pálida e lisa, sem nenhuma imperfeição. Sua aparência era tão bela quanto enigmática, deixando Colin intrigado com a origem e história daquela garota.
“Uma Tiefling?”
— Qual seu nome? — perguntou Colin encarando-a.
Ela cruzou olhares com ele, abraçou as próprias pernas, tapando as partes rasgadas de seu vestido.
Logo depois, ela se afastou e continuou a comer.
— Sou Colin — ele fez uma pausa para vê-la comer enquanto era completamente ignorado. — Está gostoso?
Ignorado de novo.
Ele não a pressionaria, depois dali cada um seguiria seu caminho, então, ele resolveu deixá-la aproveitar o resto da noite, afinal, ela havia sofrido um grande trauma.
Colin julgou que demoraria para se aproximar dela, e ele não estava a fim de esperar muito tempo.
De todas as coisas que ele desejava no momento, cuidar de uma criança era a última coisa de sua lista.
Com cuidado, ele ajeitou sua cama improvisada feita com suas roupas velhas e pedras. Deitou-se com as mãos detrás da cabeça.
Finalmente ele teria a gloriosa noite de sono tranquila que tanto desejava, tendo como companhia os cadáveres, corvos, vermes e o vasto infinito estrelado sobre sua cabeça.
Ao amanhecer, ele sairia para explorar o mundo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.