Capítulo 118 - Crepúsculo de Sangue – Parte 03
Como prometido, Coen devolveu Celae depois de algumas horas, levando-a direto para o quarto dela no palácio. A princesa ainda estava pensativa no show de luzes que ela presenciou.
Mesmo não sendo uma guerreira, ela conseguia sentir mana muito bem, afinal, era uma Elfa.
— E aqui estamos. — disse Coen devolvendo o pingente nas mãos dela. — Acho que é melhor eu ir agora.
Celae desviou o olhar e assentiu.
O errante notou que ela estava estranha, mas resolveu não fazer perguntas.
Ele abriu um portal esticando o braço direito e adentrou nele, desaparecendo sem dizer mais nada.
A porta do quarto reluzente de Celae se abriu, e Ashel adentrou sem fazer muito barulho.
— Até que foi rápido. — disse a empregada — Ao menos o Elfo é um homem de palavra.
Celae continuou em silêncio e se sentou na cama.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou a empregada sentando ao lado da princesa. — O Elfo te forçou a fazer algo? Ele te machucou? Se ele tiver feito isso, ele me paga!
— Ele não fez nada comigo, só fiquei pensando sobre o que aconteceu na nossa viagem.
— O que aconteceu?
— Bem, eu não vi direito, mas acho que Coen lutou contra alguém muito forte. Acho que ele venceu, mas antes disso ele pediu meu pingente emprestado — Ela olhou Ashel no fundo dos olhos — Você sabe alguma coisa sobre o pingente?
Ashel desviou o olhar.
— A única coisa que sei, é que a rainha havia o encontrado no mesmo dia em que o véu caiu.
A porta rangeu e abriu vagarosamente.
A pequena Cykna estava na porta segurando um duende de pelúcia. Ela se parecia com Celae, loira dos olhos amarelos.
— Não devia estar na cama? — indagou Celae com um sorriso no rosto.
Cykna abraçou o duende e desviou o olhar enquanto mexia os dedos dos pés.
— Tive um pesadelo, então estava pensando se poderia dormir aqui com você…
Celae deu dois tapinhas na cama e sua irmã veio correndo. Pulou na cama da irmã e exibiu um sorriso janelinha.
— Eu já vou indo — Ashel se ergueu — Já está bem tarde e amanhã terei muito trabalho.
— Por que não dorme aqui também? — perguntou a pequena Cykna.
Ashel apoiou as mãos na anca e deu de ombros.
— Quem sabe outro dia. Agora vou indo, boa noite e nada de bagunça!
Depois de Ashel sair, Celae se deitou junto a irmã e os orbes de luz entorno do quarto diminuíram a luminosidade, quase se extinguindo.
— Irmã, você não vai se casar?
Celae ergueu uma das sobrancelhas.
— Uma pergunta dessas a essa hora?
— É que ouvi papai dizendo que encontraria um bom marido para você…
Celae puxou a irmã para perto e a encarou nos olhos.
— Vou te contar um segredo, mas você não pode contar para ninguém, entendeu?
A pequena assentiu com a cabeça duas vezes.
— Eu não vou contar, eu juro!
— Então vou confiar em você. Estou conhecendo um rapaz.
Os olhos de Cykna se arregalaram.
— Sério? Como ele é? É bonito?
Celae fez que sim com a cabeça.
— Ainda estou o conhecendo, mas posso dizer que ele é bem musculoso para um Elfo, e diferente de nós duas, o cabelo dele é bem escuro. Ele dá um pouco de medo, mas é um amor de pessoa.
— Você o ama assim como papai amou a mamãe?
Celae ficou pensativa por um instante.
— Gosto muito dele, mas não acho que ainda não o amo como a mamãe amou papai… Agora tenta dormir, amanhã você tem aula de escrita e idiomas com o velho Legocele. Você sabe que ele detesta atrasos.
A pequena fez beicinho e abraçou mais forte o seu duende de pelúcia.
— Por que tenho que aprender isso? É muito chato…
— Somos princesas e temos deveres. Quando crescer vai entender — Celae beijou a testa da irmã — Agora vá dormir.
— Tá, te amo!
— Também te amo!
Ao longe, sentado na beirada de uma construção élfica a dezenas de metros do chão, Coen observava Celae com sua análise.
A brisa soprava gelada lá de cima, fazendo suas vestes pesadas esvoaçarem com o açoite do vento.
— Essa Elfa tem mesmo um fruto da grande árvore? — perguntou um rapaz loiro com o cabelo partido ao meio. Ele era alto, e seus olhos tinham a cor púrpura.
Atrás do rapaz estava uma garota de no máximo dez anos usando sobretudo e capuz. O cabelo dela era bem escuro, assim como os seus olhos.
— Sim, a árvore deve ter soltado alguns frutos quando o véu caiu. Aparentemente pertencia à mãe dela, mas enfim, a Elfa será útil. E vocês, quais novidades tem para mim?
O rapaz sentou-se do lado de Coen.
— A guerra contra os humanos segue como planejado, mas receio que aqueles como você estão começando a agir.
— Aqueles como eu? Os errantes?
O loiro fez que sim.
— Pelo que eu soube, eles estão formando clãs e crescendo sua comunidade. Você devia fazer o mesmo com a Elfa. Ela descende de uma linhagem real milenar, em contrapartida, você não passa de um andarilho. Quem sabe consiga tirar algum proveito disso no futuro.
— Tá sugerindo que eu engravide a Elfa?
— Por que não? Ela é bonita, tem uma mana alta e é da realeza. Seus filhos com certeza serão bem poderosos, quem sabe seguirão seu legado adiante quando morrer.
Coen sentiu uma vontade enorme de gargalhar, mas se conteve.
— Não pretendo morrer, meu leal amigo, não até concretizar o que planejamos.
O loiro abriu um sorriso de canto e se concentrou nas luzes lá em baixo. A cidadela dos Elfos tinha uma bela vista. Sua arquitetura era impecável e os Elfos pareciam bem felizes levando sua vida calmamente.
A maioria daqueles Elfos nunca havia pego em uma arma, então desconheciam a desgraça e o pânico do campo de batalha.
Coen se virou para trás, encarando a garota.
— Ei, Bledha, por que está aí atrás? Se aproxime!
— E-Eu posso mesmo, metre Coen?
— Claro que pode, você é uma de nós afinal.
Ela abriu um sorriso genuíno e se aproximou, sentando-se ao lado de Coen.
O olhar dele não a assustava. Em vez de causar a ela um pavor latente, aquele olhar dele a acalmava.
Tirando os olhos dele, ela olhou para baixo, vislumbrada com a bela arquitetura élfica e com aquele show de luzes que a hipnotizou por um instante.
— Nossa… é lindo! — exclamou enquanto balançava os pés calçados com sandálias pretas.
Coen afagou o cabelo dela e abriu um sorriso.
— Tudo isso será nosso!
Ela apontou para um prédio alto próximo ao palácio.
— Mestre Coen, posso ficar com aquele prédio?
— Pode ficar com o que quiser, não pode, Volfizz?
Volfizz jogou a franja que estava frente aos seus olhos para trás e deu de ombros.
— Claro que pode, por que não fica com a cidade toda?
Coen abanou uma das mãos e fez uma careta.
— Isso não é demais?
Os dois olharam um para o outro e gargalharam em seguida.
A pequena Bledha sempre ficava feliz quando estavam os três juntos, já que estes eram momentos raros. Isso até mesmo a fazia esquecer do inferno que viveu anos atrás.
5 anos atrás.
A pequena Bledha estava tentando subir em uma árvore, acompanhando o irmão mais velho que ela sempre seguia em qualquer lugar que ele fosse.
Seus braços não eram tão longos, então ela tinha que pular para alcançar o galho.
Ela escorregou antes de pular, mas seu irmão a segurou pelo braço e a ergueu, colocando-a ao seu lado.
Os dois estavam em uma alta árvore, onde conseguiam vislumbrar todo o vilarejo. Viram as lavouras, mulheres pendurando roupas em varais e outras crianças se divertindo enquanto corriam uma atrás das outras. Viram pradarias ao longe e viram o sol, aos poucos se pondo atrás das montanhas.
Os olhos da pequena Bledha brilharam com aquilo que conseguiam alcançar.
— Um dia a gente vai conhecer tudo isso, eu, você, o pai e a mãe. É só questão de tempo. — disse o irmão.
Eles eram camponeses comuns, vivendo uma vida comum, isolados de tudo e todos. Para evitar serem expostos a perigos, o vilarejo não comercializava com nenhuma outra vila próxima.
Viviam e consumiam tudo que a terra os provia.
Suas vestes também eram precárias. Os homens costumavam vestir uma camisa de lã, calças de pano e botas de couro sem muita qualidade. As mulheres usavam vestidos de lã, e às vezes usavam roupas de seus maridos e irmãos.
Bledha se vestia como um menino. Usava uma camisa branca, calças de pano e botas pardas que já pertenceram ao irmão. O cabelo dela também era curto, e por causa disso Bledha se sentia mais à vontade com seu irmão mais velho, já que ela parecia com uma versão mirim dele.
Eles não poderiam se dar ao luxo de jogar roupas fora, já que em uma comunidade fechada os recursos eram bem escassos.
O irmão dela saltou para o chão, caindo na grama esponjosa sem problema.
— Vem! — disse ele erguendo os braços — Eu pego você, pode pular!
Mesmo receosa, ela saltou, confiando totalmente no irmão. Para um adolescente de dezessete anos, seu irmão era bem atlético, essencial para a comunidade nos trabalhos do campo.
Eles retornaram até uma choupana que chamavam de lar e Bledha pulou nos braços da mãe que estava enxugando as mãos depois de lavar verduras em uma bacia de barro.
— Oi, meu amor! Se divertiu?
Com um sorriso janelinha, Bledha fez que sim com a cabeça.
— Vic me levou até aquela árvore alta! — disse a pequena erguendo os dois bracinhos — Dai a gente viu um montão de coisa, por que não vai lá com a gente amanhã? O Vic te ajuda a subir na árvore também!
Sorrindo, a mãe de Bledha apertou suas bochechinhas.
— Melhor deixar isso para meus dois aventureiros favoritos.
O patriarca da família adentrou a residência. Tirou o chapéu de palha da cabeça e limpou com as costas da mão o rosto sujo de terra.
Bledha saiu dos braços da mãe e pulou nos braços do pai. Por ser um vilarejo isolado, as famílias eram muito unidas. Era uma comunidade que vivia se ajudando e cuidando uns dos outros.
Raramente havia briga ou discussões, tornando aquele um ambiente bem saudável, principalmente para crianças. Eles jantaram o ensopado de galinha com legumes que a matriarca da família preparou.
O patriarca contou algumas histórias que ele mesmo inventou de como era o mundo fora do vilarejo. Em vez de contar coisas ruins, ele disse que o mundo lá fora era algo bonito de se visitar.
Disse haverem tantas espécies e lugares fascinantes que nem em 100 anos vagando eles conseguiriam ver a beleza inteira daquele mundo. Até mesmo incentivava Bledha e Vic a explorarem o mundo e conhecer sua beleza infinita.
Eles pararam de rir quando viram um clarão que vinha da janela. Curiosos, todos saíram de casa, vislumbrando algo que se parecia com o sol acima de suas cabeças.
As crianças apontavam para aquela coisa curiosos com o que viam, perguntando a seus pais do que aquilo se tratava, mas ninguém soube responder o que era.
Aquele sol que brilhava a noite parecia ficar maior, então eles perceberam que aquilo estava caindo.
Apavorados, eles começaram a correr.
Vic prontamente pegou Bledha no colo e deu cinco passos até que aquela bola de fogo caiu, destruindo várias residências e danificando outra dezena.
Ainda com Bledha nos braços, Vic se levantou e olhou para trás.
Destroços haviam esmagado seus pais e destruído sua casa.
Ao longe, eles viram outras pessoas portando armaduras prateadas. Enquanto caminhavam, eles assassinavam as pessoas brutalmente, até mesmo as crianças.
Vic se perguntou o porquê daquilo, já que nenhum deles haviam feito mal para ninguém.
Bledha estava em choque, seus olhos estavam concentrados nos seus pais esmagados. Minutos atrás seu pai estava divagando sobre a beleza do mundo lá fora. Ver pessoas que vieram do mundo lá fora causar tamanha desgraça a deixou confusa e, ao mesmo tempo, enjoada.
Uma criança que cresceu em um lar amoroso não sabia o quão cruel o mundo poderia ser.
Abraçando a irmã, Vic se levantou e começou a correr rumo a saída do vilarejo.
Stuck!
Uma flecha varou o joelho dele por trás e Vic caiu rolando no chão, ainda abraçado a irmã.
Ele a colocou de lado e olhou para frente, vendo homens em suas armaduras prateadas se aproximando. Ainda em choque, Bledha não sabia o que fazer ou a quem recorrer para pedir ajuda.
Sua mente infantil ainda estava digerindo o que estava acontecendo, mas seu coração se desesperou ao ver o semblante de agonia do irmão.
— Bledha, corre! — ordenou o irmão, enquanto tentava tirar a flecha do joelho. — Saí daqui a rápido!
As pernas dela não a responderam e ela começou a tremer.
— Corre, Bledha! Corre!
Já era tarde demais, aqueles homens de armadura já haviam se aproximado.
— Que fofo! — zombou um dos homens apoiando a ponta da espada no pescoço de Vic — Ele tá protegendo o irmãozinho. Não se preocupe, ele vai pro mesmo lugar que você, o inferno!
Crash!
O soldado atravessou o pescoço de Vic e os olhos de Bledha se arregalaram. Sua respiração parou por um momento, e ela não queria acreditar no que estava vendo.
— Peguem tudo de valor e vamos embora desse buraco. — disse o homem careca usando a armadura prateada — Foi sorte termos encontrado esse lugar.
Foi então que a ficha de Bledha caiu.
Todo mundo que ela amava estava morto. E o lugar onde ela cresceu estava sendo engolido pelas chamas.
Ela apoiou as duas mãozinhas na cabeça e deu um berro de desespero, mas nem berrar ela podia. Um dos homens a socou no rosto, calando sua boca.
Aquele golpe com uma manopla de ferro era pesado, ainda mais se desferido no rosto de uma criança.
Um corte se abriu na têmpora de Bledha e ela cuspiu alguns dentes.
— Caralho, quase que essa merdinha me deixa surdo.
— Para de brincar — disse o homem careca — Peguem logo as coisas e vamos embora. Deixem as mulheres mais bonitas vivas. Vamos vendê-las como escravas na próxima cidade.
O homem careca retirou a espada do corpo de Vic e se afastou.
Bledha tentou se erguer, mas não conseguiu. Aquele soco a deixou desorientada.
Ela não podia nem chorar, pois todo seu rosto estava doendo. Toda a visão bela do mundo lá fora que seu pai descreveu por anos se desfez como uma montanha de cartas depois de um sopro.
A pequena começou a odiar tudo que vinha de fora, um ódio tão forte que as veias de sua têmpora saltavam de tanta raiva. O homem que nela bateu, se aproximou e cingiu a espada acima da cabeça. As sombras ao redor dela começaram a ondular e ela sentiu poder controlá-las de algum modo. Agindo por instinto, ela se virou e ergueu a mão em direção ao soldado, o empalando.
Bledha nunca havia experimentado ou presenciado a violência antes. Tudo que ela estava fazendo era imitar o que havia visto nos últimos minutos.
— Magia? — disse o homem careca — Uma criança desse tamanho usando algo desse nível… parece que encontrei um talento em meio a tanto lixo.
Stuck! Stuck! Stuck!
Bledha se erguia lentamente, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, uma saraivada de flechas a atingiu, perfurando abdômen, tórax e até mesmo sua cabeça.
Crianças não valiam tanto como escravas, nem mesmo aquelas com dons mágicos. Elas podiam ser encontradas em qualquer lugar, e exigiam cuidados especiais. Até mesmo aquelas com dons mágicos exigiam cuidados e treino que um soldado experiente já possuía. Os únicos que compravam crianças eram nobres que as usavam para um fim peculiar.
Os soldados se surpreenderam ao ver que ela ainda estava de pé e viva. As flechas deixaram seu corpo caindo no chão e as feridas dela cicatrizaram em uma velocidade absurda.
— Impressionante… — disse o careca — Realmente uma usuária de magia promissora.
Cerrando os dentes de ódio, ela ergueu os dois bracinhos e uma saraivada cinco vezes maior de flechas deixaram as sombras em direção aos soldados.
Stuck! Stuck! Stuck!
A maioria deles havia sido eliminada naquele golpe, mas o homem careca se manteve de pé com um sorriso de canto no rosto.
— Fascinante…
Bledha ergueu os braços acima da cabeça aos poucos espadas feitas de sombras estavam miradas em cada soldado restante. Uma espada de quase cinco metros estava mirada acima do homem careca. O nariz de Bledha começou a sangrar, assim como seus olhos e seus ouvidos.
Ela desceu os braços abruptamente, e sua espadas mataram todos os soldados restantes, incluindo o careca que pensou poder rebater aquele golpe, mas acabou partido ao meio.
Depois tudo aquilo, a cabeça de Bledha começou a doer sem parar.
Ela cerrou os olhos e desmaiou.
Na manhã seguinte, ela acordou e viu que seu vilarejo inteiro havia sido massacrado. Ela chorou por quase meio-dia diante os corpos de sua família, isso poque ela não se lembrava do que havia acontecido na noite passada. Sua memória havia sofrido um apagão quase total. Para ela, ela havia ido dormir e acordou com todo mundo morto. Se perguntou quem eram aqueles homens de armadura e quem havia matado-os.
Ao longe, ela viu dois homens de capa negra se aproximarem em cima de cavalos pardos. Assustada, ela se escondeu atrás de um escombro de madeira.
O rapaz de pele morena e cabelo longo escuro desceu do cavalo.
— Eram só camponeses… — disse enquanto olhava ao entorno — Não tiveram chance, mas mesmo assim, os mercenários de prata estão mortos. O que acha disso, Volfizz?
— Não tem erro, a garotinha escondida é uma caída não desperta.
Coen deu dois passos para frente.
— Por que não sai daí? Estamos vendo você.
Assustada, Bledha colocou só metade do corpo para fora de seu esconderijo.
Coen se abaixou para encará-la na altura de seus olhos.
— Eu sou Coen, esse é meu amigo Volfizz. E você, como se chama?
Bledha se sentiu intimidada com Coen, mas mesmo assim respondeu.
— Bledha… — disse quase sussurrando.
Os olhos dela estavam roxos de tanto chorar.
— Sinto muito pelo que aconteceu aqui… está com fome? Tenho um pouco de pão aqui se quiser… — Ele enfiou a mão na bolsa que carregava na cintura e partiu um pedaço de pão, o erguendo na direção de Bledha — Pode pegar, eu não vou te machucar.
Receosa, ela se aproximou e pegou o pedaço de pão. Aquilo tinha um gosto diferente do pão de seu vilarejo. Era crocante, com um gosto doce que ela nunca havia sentido antes.
— Quer mais? — ela assentiu.
Coen entregou um pedaço maior e se ergueu.
— Ei, Volfizz, me ajuda a enterrar os mortos e pilhar os soldados.
— Certo.
Coen e Volfizz enterraram as pessoas do vilarejo próximo à árvore na qual Bledha foi uma última vez com seu irmão. Eles queimaram os corpos dos homens de armadura um pouco longe dali. Com Coen usando portais, não demorou muito para completarem toda tarefa.
— Pronto! — disse Coen guardando o que pilhou de valor no alforje da cela do cavalo — Acho que agora podemos ir. — Coen se abaixou na altura de Bledha — Quer vir com a gente?
Ela não tinha muita escolha, mas mesmo assim Coen resolveu convencê-la de maneira gentil.
— Sei que acabou de perder pessoas, mas acredite em mim, o mundo fora daqui não é só sangue e morte. Uma vez vi um urso vermelho enorme — Coen gesticulou com as mãos, como se as mesmas fossem garras — A garra dele era quase do seu tamanho, acredita nisso?
— …
— E também existem sereias, mulheres com caudas de peixe — Ele se aproximou da orelha dela — Não conta para ninguém, mas Volfizz fica caidinho quando vê uma sereia.
— Eu ouvi isso seu cretino!
Bledha gargalhou de maneira tímida depois de chorar por tanto tempo. Ela viu um pouco de seu pai naquele homem, principalmente sobre a parte das histórias. Seu irmão desejava sair daquele lugar, e ela resolveu abraçar esse sonho e ver o mundo assim como seu irmão desejou um dia. Apesar de ser intimidador, ela não sentiu hostilidade vinda daqueles dois.
— Eu aceito ir com o senhor… — disse baixinho.
— Ótimo! Agora cavalgaremos até o vilarejo mais próximo e comprar roupas novas para você.
Bledha não tinha ideia do que eram roupas novas, mas ficou feliz com a ideia.
Eles a treinaram e a educaram com o mesmo amor e carinho de sua falecida família. Aqueles dois nunca sequer levantaram a voz para ela, e ela sempre os respeitou e obedeceu. Depois de três anos estudando e sendo lapidada, Bledha já conseguia se virar sem dificuldades, fazendo frente até mesmo contra magos poderosos. A pequena era o tipo de gênio que nascia uma vez a cada século.
Para alguém que usava várias máscaras distintas na frente de outras pessoas, Coen nunca escondeu sua natureza frente a ela, e Bledha valorizava isso. Para ela, aquilo significava que Coen tinha nela uma confiança que não tinha em mais ninguém. Ele a ensinou magia, e com o tempo, ela abraçou a mesma ideia de mundo dos homens que cuidaram dela em seu momento de maior fragilidade, punindo de maneira impiedosa qualquer um que ousasse os ameaçar.
Em outras palavras, Coen havia criado a arma perfeita transvestida de uma garotinha de aparência angelical, cujo o verdadeiro potencial ainda estava longe de seu ápice.
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