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    [Dois dias após o despertar.]

    Acariciando o cavalo, Colin continuava pensativo. Ele ainda não havia digerido tudo que vivenciou nos últimos dias.

    Tanto ele quanto Safira treinaram combate nos dias que faltavam, porém, Colin não sentiu que aquilo foi satisfatório.

    Ele tinha dúvidas, não sobre suas companheiras, mas sobre si mesmo.

    Mesmo afogado em incertezas, Colin sentia haver, sim, evoluído. Talvez ele conseguisse vencer os soldados que encontrou nos seus primeiros dias naquele mundo.

    Aprendeu a manipular melhor sua mana, conseguindo dar forma a ela. Conseguiu ficar mais rápido e desenvolveu uma habilidade que testou em lobos.

    Para ele, era difícil transmitir tudo que aprendeu em palavras, de alguma forma, sentia que só era possível transmiti-las em ação.

    Só desejava que ela funcionasse em momentos cruciais.

    O sol estava acabando de nascer, e ele já estava preparado esperando o resto de seu bando.

    Ouvindo passos, ele se virou, fitando o velho ancião acompanhado de alguns aldeões.

    — Acordou cedo, velho.

    O ancião sorriu e se aproximou de Colin entregando-lhe um pingente que mais parecia um pedaço minúsculo de pedra.

    — Sei que não parece grande coisa, mas isso protegerá você contra o demônio… é o que acredito.

    — Obrigado! — Colin o colocou no pescoço. — Não precisa se preocupar tanto assim comigo, velho.

    — É claro que preciso. Você é nossa última esperança, garoto. Todos os nobres nos negaram ajuda, todos os filhos de cavaleiros, grupos de mercenários. Todos eles nos viraram as costas.

    — Isso não me surpreende, já que o inimigo é um demônio, e sinceramente, o pagamento pela missão não é lá dos melhores… — Colin suspirou. — Acredito que eu devia ter pedido bem mais do que alimento vitalício.

    O velho olhou por cima dos ombros de Colin e viu a fada se jogar no pescoço dele com um grito.

    — Coooooliiin!

    Como o polegar e indicador, Colin segurou as asas dela.

    — Quer acordar todo mundo?

    Ela fez beicinho e desviou o olhar.

    — Desculpa…

    “Tsc”.

    Safira vinha logo atrás, bocejando enquanto espreguiçava. O velho os encarou reunidos, um grupo simples que não parecia ter nada de especial, mas que era incrivelmente harmônico.

    Criaturas do véu de espécies diferentes não costumavam se dar tão bem quanto eles.

    — Elfo! — chamou o ancião. Colin se virou. — Por que aceitou esta missão suicida? Não tem medo da morte?

    Colin fez que não com a cabeça.

    — Não sei, talvez eu seja muito estúpido para fazer algo tão imprudente, ou talvez eu apenas encontre o significado no perigo — Colin encarou o sol que nascia de trás das montanhas. — É hora de irmos…

    Ele subiu no cavalo e estendeu a mão para Safira que subiu logo atrás.

    — Se não retornarmos em dois dias, então nos considere mortos — disse Colin sem cerimônia.

    O ancião fez que sim.

    — Que os 12 divinos os guiem.

    Mesmo com recursos escassos, ferreiros haviam fornecido a Colin e Safira armaduras de Couro.

    Colin tinha uma proteção de ferro no braço esquerdo e vestia uma cota de malha debaixo da armadura de couro que era bem justa a seu corpo.

    Usava calças e botas de couro pretas. Ele também tinha uma cinta de perna e nela levava uma adaga. Colin também carregava uma pequena pochete feita de curo de vaca atrás dele, na altura da cintura.

    Na bolsa havia pães pequenos embrulhados em pano velho e algumas moedas de prata.

    Safira usava cota de malha, camisa de manga longa da cor branca e por cima da blusa ia uma armadura de couro do seu tamanho. Ela também tinha uma ombreira no braço esquerdo e usava uma calça de pano preta. Tinha também caneleiras de prata e botas de couro que cobriam toda sua canela.

    A Fada usava o mesmo vestido, porém, este tinha as pontas bordadas e era branco como a neve.

    Já em cima do cavalo, Colin sacudiu as rédeas e o cavalo iniciou seu trote rumo a saída do vilarejo.

    Eles continuaram em silêncio.

    Em partes estavam tensos com o que lhes aguardava, mas Brighid estava bem tranquila. Ela brincava com um grupo de passarinhos em meio às árvores.


    Safira não era de falar muito, mas Colin sentia haver algo de errado nela. Caso ele não perguntasse o que era, ela dificilmente diria o que estava lhe afligindo.

    Essa era o tipo de situação que Colin daria de ombros, mas ele estava prestes a enfrentar um demônio.

    Ele quase morreu enfrentando um humano dias atrás.

    A mente deles devia estar livre de preocupações, ou isso poderia custar suas vidas. 

    — O que foi? — ele indagou.

    — O quê?

    — Qual o problema?

    Ela franziu os lábios e cruzou olhares.

    Safira estava receosa em dizer o que pensava, principalmente por ter medo de Colin repreendê-la, mas ela resolveu fazer isso mesmo assim.

    — Bem… só acho tudo isso repentino… primeiro minha vila é atacada, depois a gente se mete com nobres, depois treinamos juntos e agora estamos indo caçar um demônio… tudo isso aconteceu rápido demais…

    — Quer desistir?

    Ela fez que não com a cabeça.

    — Eu não quero desistir, eu só… estou um pouco nervosa…

    Colin também estava nervoso, principalmente porque iria enfrentar um demônio.

    Ele não temia pela sua vida, mas pela vida de suas companheiras que ele se esforçava para as enxergar como ferramentas, mas, de algum modo, não estava conseguindo.

    Ele enfrentaria aqueles sentimentos mais tarde.

    — Não precisa ficar nervosa. Você é forte pra caralho e tem Brighid. Ela é uma monarca de duas árvores, com certeza estaremos seguros com ela.

    — Eu sei, mas… mesmo assim…

    — O que falta em você é confiança. Depois de mais algumas experiências ficará mais fácil encarar esse tipo de situação. Pessoas fortes são confiantes, e todos confiam em pessoas fortes.

    — Você diz isso, mas é mentira.

    Colin ergueu uma das sobrancelhas e Safira continuou.

    — Brighid e eu confiamos em você, mas não é porque você é forte… é outra coisa… não sei dizer o que é…

    — É porque sou confiante. Transbordar confiança é um sinal de força, e você deveria tentar, mas não confunda ser confiante com ser imprudente.

    “Suponho que esse conselho serve para mim também.”

    — Hm…

    Safira fez que sim com a cabeça, já que ela acreditava em absolutamente tudo que Colin dizia, mesmo que ele estivesse completamente errado.

    Ela sentiu um pouco de inveja da Fada, que estava ao longe brincando com um bando de pássaros.

    Aquele ser tão pequeno, que poderia ser esmagado facilmente, aparentava estar completamente despreocupado, ignorando completamente a missão perigosa em que estavam indo.

    — Certo, eu consigo! — disse determinada.

    Colin apenas sorriu.

    Brighid deixou seus amigos pássaros e voejou até Colin apontando para o Leste.

    — Sinto uma aura maligna vinda dali. Ela é pegajosa e fria…

    — Supõe que é o tal demônio? — indagou Colin.

    — Isso não é a aura de um demônio, é a aura de um ser que veio direto do abismo, e isso é bem pior — Brighid estava séria, uma expressão que Colin nunca viu antes. — Não pensei que fosse encontrar um ser do abismo fora do abismo.

    Colin parou o cavalo e começou a pensar.

    Pelo jeito que a fada se expressou, seres do abismo eram tão poderosos a ponto de amedrontar uma Monarca de duas árvores.

    — Certo! — disse Colin. — Precisamos de um plano.

    — Pensei que já tivéssemos um — disse Safira.

    E de fato eles tinham. Colin decidiu apostar tudo na Fada, e caso precisasse de Safira, a usaria como um plano B, mas isso iria depender de ela conseguir usar seus poderes com eficiência.

    Pensando mais um pouco, Colin percebeu o quão estúpido foi.

    Seu pequeno grupo havia treinado muito pouco para o combate.

    Tudo que eles tinham era uma garota que havia acabado de aprender usar suas habilidades, um “humano” quase sem poder algum e uma fada que até então tinha ótimas habilidades curativas.

    Em silêncio, Colin continuava a pensar na melhor saída para aquela situação complicada.

    A fada era a suporte, então, era compreensível que ela tivesse mais habilidades de suporte consigo para auxiliá-los durante a batalha, e que diabos a Árvore do Vácuo tinha de especial? Vácuo parecia um nome bem intimidador na opinião de Colin, e o tal monstro do abismo não era um humano.

    A Fada poderia lutar com força total.

    Colin se virou para a Fada.

    — Você tem magias de suporte, certo? — perguntou Colin. — Tem algo que aumente as capacidades tanto minha quanto de Safira?

    Ela tinha, mas era um tabu entre as fadas usar suas habilidades para aumentar a habilidade de outros seres da maneira que Colin desejava, pois isso inconscientemente os conectava de uma forma quase familiar, como se Brighid dividisse fragmentos da alma dela com eles.

    Ponderando por um instante, ela analisou seus dois novos companheiros.

    Um deles era uma menina inocente que carregava um grande trauma e poderia se tornar um dos seres mais destrutivos daquele mundo. O outro era um ser que se parecia com um Elfo Negro, mas nem mesmo ela sabia de fato o que ele era.

    O mais nebuloso de toda aquela situação, era que Colin tinha objetivos que ela não conseguia ler.

    Seus instintos diziam para ela recusar, mas algo dentro dela se recusava a dizer não.

    Brighid nutria outros sentimentos em relação a Colin desde que ele a libertou da gaiola. Sentimentos que nem mesmo ela entendia direito, e esses sentimentos diziam estar tudo bem em ajudar alguém como ele, mesmo que outra parte dentro dela gritasse o oposto.

    No fundo, mesmo sendo poderosa, aqueles dois foram as únicas pessoas que ela conseguiu conviver de forma pacífica em séculos. Ela já estava apegada a eles, e seus novos amigos precisavam de sua força.

    Ela não queria ser vista como inútil.

    De alguma forma, sentia que dali, nasceria algo que pudesse transformar o continente, talvez transformar o mundo da magia como um todo.

    — Tenho a magia de suporte que você quer — disse Brighid. — Mas o corpo de vocês ainda não está completamente preparado para elas, talvez até sejam destruídos se forem encantados por tempo demais.

    Colin notou o pesar na voz da Fada, e notou de imediato que ela estava falando sério. Mesmo para um suicida, Colin se preocupava com a segurança das duas.

    Ele fez que sim com a cabeça e encarou a Fada.

    — Entendi.

    Safira notou Colin pensativo e um pouco mais sério que o normal.

    — No que está pensando? — ela perguntou.

    Suas experiências em games sempre mostraram que enfrentar um monstro nível auto sendo nível baixo era derrota na certa.

    Ele não tinha escolha.

    Primeiro, ele confiaria em Brighid para dar um jeito na criatura, se ela não conseguisse, então ele e Safira entrariam em cena. Caso a situação fosse ainda mais complicada, então só restava a opção de fugir.

    O que mais o incomodava, era o fato de a fada dizer que aquele ser era bem pior que um demônio.

    Colin se encontrava em um dilema moral, ir ou não atrás de sua presa?

    Sacrificar a si e suas companheiras ou sacrificar somente a si próprio?

    Enfrentar esse inimigo era mesmo necessário?

    Enfim ele havia decidido.

    — Vamos continuar! — disse ele. — Caso Brighid não consiga cuidar do problema, então iremos fugir, entenderam?

    Elas fizeram que sim.

    — Brighid, mostre o caminho.

    — Certo!

    Apesar de ele ter escolhido seguir, algo lhe dizia que aquela não era uma boa ideia, e decisões ruins neste mundo significavam sérias consequências.

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