Capítulo 154 – Começou
O dracolich ainda se encontrava lá em baixo, mas algumas guildas próximas à cratera ficaram assustadas ao ver aquele rastro de chamas roxo transpassar até mesmo as nuvens.
Samantha e os outros se aproximaram da beirada e ouviram o barulho de asas batendo e o rugido agressivo de uma fera colossal.
— Que diabos é isso? — indagou Sashri.
Atrás delas, uma bolha escura e pequena cresceu exponencialmente, até que estourou, revelando Stedd com Alunys nos braços, Safira ao lado e o corpo do Lich estirado no chão.
— Que porcaria é essa, Stedd? — Sashri se aproximou furiosa — O que você fez?
O Ubiytsy colocou Alunys gentilmente na grama esponjosa e ergueu a cabeça encarando Sashri.
— Não precisa gritar, é só um dracolich.
Ela arregalou os olhos.
— Um dracolich? Aqui?
Stedd se ergueu.
— É! A chifruda e eu resolveremos isso.
Liena se aproximou às pressas e se acalmou ao ver que Alunys ainda estava bem, apesar das roupas ensanguentadas.
Samantha, Lei Song, Liena e Sashri eram as únicas que portavam uma expressão de espanto, ainda mais após ouvir a palavra dracolich.
Os únicos que pareceram não se importar muito eram Leona e Wiben. A pandoriana permanecia sentada como um cão, encarando toda aquela comoção com bastante tédio.
Já Wiben estava sentado debaixo de uma árvore ao longe com os dedos atrás da cabeça encarando todos eles com os olhos marejados de tanto sono.
Apesar do perigo, ele confiava em seus companheiros a ponto de relaxar após ver algo como um fogo destrutivo atravessar as nuvens e mesmo assim continuar completamente inexpressível.
Sashri continuava furiosa. Ela não pensou que Stedd conseguiria atrair problemas tão sérios quanto o próprio líder da guilda.
— Você e Safira vão enfrentar um dracolich? Ficou louco?
— Sim! E não se meta nisso!
— Não me meter? Tem ideia do que está pedindo?
Stedd olhou para Safira.
— Pode ir à frente, preciso respirar um pouco.
Safira assentiu e caminhou até Leona, estendendo a mão.
— Me empreste a adaga ante magia?
Leona bocejou e sacou a adaga, entregando na mão de Safira.
— É melhor me devolver.
Após dar uma encarada para trás observando os amigos, Safira desembainhou sua espada e a segurou na mão esquerda enquanto a adaga ia à direita.
— Safira! — chamou Samantha preocupada — Não está pensando em fazer isso, está?
— Estou!
Impulsionada pela adrenalina, Safira correu até a beirada da cratera e saltou.
Enquanto caía, seus chifres cresciam, a espada em sua mão esquerda ficava avermelhada de tão quente e ondas de calor deixavam seu corpo.
“É só destruir o cristal, não é tão difícil. Alunys nem Stedd estão aqui, então não preciso me segurar!”
Ela mordeu o cabo da adaga e segurou a espada com as duas mãos, mirando a ponta para baixo.
Um círculo mágico apareceu na ponta da espada e uma rajada incandescente azulada foi disparada, iluminando toda cratera escura até atingir o dracolich que subia ligeiro batendo as enormes asas.
Vendo aquilo se aproximar, o dracolich abriu a enorme boca de dentes pontiagudos para lançar outra tormenta poderosa, mas o poder de Safira o alcançou antes, bloqueando sua visão.
Boom!
Desorientado, o dracolich balançou a cabeça para apagar as chamas azuis que queimavam seus olhos, e isso o fez bater nas paredes da cratera, fazendo tudo estremecer.
Bam! Bam! Bam!
Safira estava chegando perto da criatura.
Ela posicionou a espada da maneira mais fácil para se apunhalar um alvo.
“Agora!”
Crash!
Com a maestria de um açougueiro, Safira cravou a espada nas costas do dracolich e rasgou aquela carne apodrecida até a ponta da cauda que ela mesma havia cortado, ficando pendurada enquanto o dracolich balançava de um lado para o outro.
Ela deixou sua lâmina cravada na que restou da ponta da cauda e retirou a adaga da boca, cravando nas escamas do dracolich e rastejando vagarosamente até alcançar a base do pescoço da criatura.
Woosh!
O dracolich deixou a cratera, subindo cada vez mais alto. A criatura foi em direção das florestas e Safira pôde vislumbrar do alto todo o quarto nível.
Era enorme, com vales e montanhas cercando uma vasta extensão de terra. Se não estivesse correndo ricos de vida, ela teria tempo para apreciar a paisagem.
Rooar!
Após o rugido ensurdecedor, o dracolich cuspiu sua tormenta em direção aos bosques, incinerando tudo pelo caminho e iluminando a noite com sua chama púrpura fulgurante.
A criatura sabia que Safira estava em suas costas, então recolheu as asas caindo em um mergulho enquanto girava sem parar, mas Safira se manteve firme.
Antes de se chocar com as árvores dos bosques, o dracolich abriu as asas e alçou voo novamente, desta vez visando um lago enorme que ficava na borda do quarto nível.
Safira estava ficando cansada de tentar se manter nas costas do dracolich, e após a investida anterior da criatura, ela apenas estava recuperando as energias e se preparando para o mergulho do dragão.
Ela estava perto demais de vencê-lo e não pretendia desprender-se dele por nada.
Splash!
O gigantesco dracolich mergulhou no lago e nadou até o fundo, usando sua enorme cauda como barbatana caudal.
Safira sentia a mudança repentina de pressão. Seus ouvidos começaram a sangrar e bolhas deixaram seus lábios junto ao sangue, mas aquilo não foi o suficiente para pará-la.
Splash!
Foi como se uma montanha tivesse deixado o lago girando sem parar. O dracolich abriu as asas e as bateu com um pouco mais de esforço. A criatura estava se cansando de fazer tanto e não ser o suficiente para derrubar aquela criaturinha em suas costas.
Safira percebeu que a criatura parecia mais pesada e seu bater de asas estava mais lento. Ela olhou para os dois lados e percebeu estar na altura exata.
Usando toda força que lhe restava, ela aproveitou a fadiga da criatura e ficou ajoelhada um pouco abaixo da base do pescoço do dracolich. Ergueu a adaga ante magia e cravou naquelas escamas.
A criatura nem sequer sentiu aquilo.
“Falta pouco!”
Swosh!
O dracolich tombou para o lado, e era isso que Safira estava esperado. Agarrou a adaga com a mão direita e rasgou o dracolich conforme deslizava.
Ela conseguiu rasgar a asa direita da criatura que começou a despencar enquanto tentava permanecer no ar, balançando as asas de maneira desengonçada. Safira se mantinha agarrada a ponta da asa direita, sendo sacudida de cima para baixo repetidas vezes.
Assim que a criatura ficou a dez metros de se chocar nas árvores, Safira soltou a adaga, bateu em alguns galhos e com algum esforço conseguiu cair em cima de um enorme galho de árvore.
Usando o que lhe restava de mana, ela saltou de galho em galho, alcançando o topo de uma árvore e chegando a tempo de vislumbrar o dracolich desabar, engolindo o bosque como um rolo compressor.
Crack! Boom! Boom!
Após destruir quase um quilômetro e meio de bosque, o dracolich tentou se erguer, mas a queda e os obstáculos em seu caminho rasgaram toda sua carne já apodrecida.
Ele estava completamente destroçado.
A sorte, era que o dracolich conseguia se regenerar, mas era um processo lento e levaria tempo até que conseguisse alçar voo novamente.
Erguendo a cabeça, a criatura a silhueta de Safira em meio a poeira que dissipava lentamente.
Roar!
Como último recurso, o dracolich havia tentado lançar sua tormenta flamejante, mas não funcionou, seu corpo estava focado em curá-lo, deixando todas suas habilidades inúteis.
A passos lentos, Safira caminhou até a cauda da criatura e recuperou sua espada que ainda estava cravada ali. Após isto, caminhou até a ponta da asa direita e recuperou a adaga de Leona. Por último, caminhou até o dracolich que estava com sua gema de alma exposta.
Ela vislumbrou o quão imponente aquele monstro era, mas a caída se sentiu mais imponente que aquela criatura, afinal, ela havia o deixado naquele estado, um ser mitológico que ninguém avista a séculos.
— Você não parece tão assustador agora — Ela fitou os olhos sem brilho da criatura — Obrigada! Graças a você fiquei mais forte. Senhor Colin nem vai acreditar quando eu disser que matei um dragão, mesmo que seja um morto-vivo.
A criatura grunhiu e Safira partiu a gema ao meio com sua lâmina.
Vush!
Exausta, Safira se sentou no chão.
Ela não se recordava da última vez que ficou tão cansada.
A gema, agora destruída, começou a ser consumida por uma névoa roxa que consumiu o corpo do dracolich deixando somente os ossos. Após isso, a névoa avançou em direção a Safira.
— Merda!
Ela somente conseguiu erguer os braços frente ao rosto antes daquela névoa entrar em sua pele, seus ouvidos, sua boca.
— Alma de dragão? — Ela olhou para as duas mãos — O que faço com isso?
Crack!
Olhando para trás, ela viu um rosto familiar.
— Mestre Elhad? — Ele estava coberto de sangue, mas isso não era o mais assustador. Elhad arrastava um corpo de armadura e segurava uma foice apoiada em seu ombro.
Elhad soltou o corpo e encarou Safira de cima a baixo, cheia de feridas e encharcada de suor. Olhou para trás de Safira e viu ossos de dragão que começavam a se desfazer como areia.
— Você matou um dragão?
Ela se ergueu apoiando a mão no abdômen.
— Era um dracolich…
— Mesmo assim, é um feito impressionante. Não pensei que veria ossos de um dragão em vida.
Aquela criatura havia colocado fogo em boa parte do quarto nível, vários bosques estavam em chamas e quase 30% da fauna havia sido incinerada.
O quarto nível inteiro estava um caos.
— O que é isso que o senhor trouxe?
Elhad olhou para o corpo.
— É uma armadura revestindo o corpo de um Elfo Negro. Seria complicado levar todas as peças separadas, então trouxe o corpo — Ele jogou a foice na direção de Safira e ela a pegou — Vamos voltar, os outros devem estar preocupados. Aliás, Stedd deixou você enfrentar uma criatura dessa sozinha?
Safira abriu um sorriso sem graça e desviou o olhar.
— Sim…
— Típico.
Foi quando retornaram que tiveram a verdadeira noção de toda destruição causada pelo dracolich. Carcaças de animais e carvão enfeitaram todo caminho de volta.
Ao retornar, viram todos os companheiros da guilda os aguardando enquanto jogavam conversa fora. Até Colin e Brighid estavam ali. O mais estranho, era que quase ninguém se preocupou o bastante para ir atrás dela, e Safira se perguntou se foi porque confiavam nela ou se foi pura negligência daquele bando de malucos.
— Eu não disse? — Stedd estava sentado em cima do corpo do Lich — A chifruda conseguiu e ainda trouxe Elhad junto!
Sashri assoviou em comemoração e Wiben, que havia despertado, bateu palmas.
“Bando de esquisitos” Safira deixou um sorriso escapar.
Aquela guilda era bem estranha, começando pelo líder que raramente tinha a postura de um. Alguns outros membros, que antes pareciam mais sãos quando entraram, começaram a ficar insanos como o seu líder, mas a maioria era anormal em algum nível.
Era uma guilda bastante desorganizada, porém, talvez fosse isso que a fazia tão especial no final das contas. Eles pareciam mais um grupo de amigos aproveitando as férias.
— Stedd disse que passaram por mal bocados lá em baixo — disse Colin ao se aproximar de Safira — Eu queria ter visto esse dragão…
— Não era bem um dragão, mas o senhor ia querer enfrentá-lo, tenho certeza!
Colin encarou a foice na mão de Safira.
— Onde encontrou?
— Não é meu, pertence ao senhor Elhad.
Elhad jogou o corpo na frente de Samantha e agachou em cócoras, despindo o corpo do Elfo peça por peça.
— Ainda tem espaço para guardar esse equipamento em sua bolsa? — ele indagou segurando a manopla
— Sim! — Samantha pegou a manopla e jogou na bolsa, repetindo o processo até ter guardado toda armadura.
Elhad deu a foice a Safira como presente por matar o dracolich. Ele sabia da qualidade daquele material, mas não se importou. Somente a armadura já lhe renderia um bom dinheiro se fosse vendida no poço.
Brighid aproveitou para curar os membros feridos e acenderam uma fogueira para cozinharem e recuperarem suas forças antes de seguir para o terceiro nível.
Colin contou-lhes como conseguiu sair vivo contra o homem que havia feito aquela cratera ao lado deles, e todos ficaram impressionados com a história épica do embate entre os dois.
Porém, todos queriam mesmo era saber como Brighid venceu três evocações especiais, sozinha, já que ninguém conseguia imaginar Brighid brigando contra alguém, mas ela era péssima para descrever combates épicos como Colin, então ela deu a entender que as evocações não eram tão fortes assim.
Stedd e as garotas também contaram suas experiências e Safira contou como a tímida Alunys salvou sua vida. Ela era tão boa quanto Colin para contar histórias, tornando o feito de Alunys bem mais glorioso do que realmente foi.
Já Elhad, resumiu sua luta contra centenas de Elfos negros em apenas duas frases, tornando a história mais entediante que a história contada por Brighid.
Após algumas horas jogando conversa fora, o grupo se sentiu apto a passarem para o terceiro nível. Todos estavam descansados, curados e com força total.
— Bom, está todo mundo pronto? — indagou Colin se levantando.
Todos assentiram.
Stedd estava com o pingente que pegou do líder da guilda que salvou dos ogros. Caminhou até o Lich e ergueu o pingente, fazendo um portal abrir.
— Caso a gente se separe, basta seguirem a lua e nós nos encontraremos, os talismãs de comunicação ficarão com Stedd, Brighid e Elhad. Vocês são melhores para sentir mana, então vocês serão responsáveis por juntar o pessoal.
— Entendido.
Colin foi o primeiro a entrar no portal. Caminhou por um corredor infinito que não parava de girar. Sem pressa, cruzou o portal no final do corredor. Assim que passou por ele, seu pingente brilhou intensamente e ele se viu sozinho bem no meio de uma floresta densa.
— Então nos separamos…
Não era só Colin que estava sozinho.
Toda sua equipe fora jogada randomicamente no terceiro nível assim que o adentraram.
Brighid também se viu sozinha em meio a ruínas antigas.
Diferente do quarto nível, ela sentia muitas manas poderosas se aproximando em uma velocidade impressionante.
“Isso é incomum” Pensou ela erguendo a mão direita e conjurando uma espada “Tanta gente está vindo diretamente em minha direção… Será coincidência? Não, não é isso, eles estão ignorando outras manas próximas, parece que o alvo sou eu!”
Com a outra mão, ela pegou o talismã comunicador.
— Stedd, Elhad, estão me ouvindo?
Não houve respostas.
Os espectadores acharam aquilo estranho, já que outras equipes haviam ido para o terceiro nível e nenhuma delas havia se separado até então.
— Tem algo errado… — murmurou Hodrixey, mas antes que pudesse pensar sobre o assunto, Millie, sua secretária, sussurrou algo em seu ouvido que o deixou preocupado.
— Tem certeza, Millie?
— Absoluta, senhor.
Hodrixey se levantou de seu lugar privilegiado e passou por outros membros da elite, deixando a arquibancada imperial.
Ao longe, bem no canto da arquibancada, Walorin e Ehocne observavam Hodrixey se retirar as pressas.
— Vai começar finalmente! — Walorin mal podia se conter de empolgação — Vá avisar Bledha, pode deixar que começo a festinha!
— Não se empolgue demais, Ultan é oponente de Bledha, não o seu.
— Sai logo daqui!
Ehocne desceu o capuz do sobretudo até os olhos e se retirou para os fundos.
Empolgado, Walorin concentrou mana por todo corpo de tal maneira que fez todo usuário de magia esquecer o torneio e se concentrar nele.
Até mesmo Ultan ficou atento naquele homem musculoso no canto da arena concentrando uma quantidade colossal de mana, algo que nem o próprio Ultan havia presenciado, nem em campos de batalha.
Sentado no topo de uma torre de sino, Var’on observava a imponente capital de Ultan de seu ponto mais alto, enquanto o vento frio da noite sacudia o seu sobretudo surrado.
— Esse imbecil do Walorin, sempre fazendo as coisas antes da hora.
— Então vai começar! — Elnan, o irmão de Safira, estava bastante contente — Vou visitar um bando de pirralhos agora, me juntarei a batalha após terminar o serviço — Ele também desceu o capuz até os olhos e saltou da torre.
Var’on balançou a cabeça, suspirou e ficou de pé.
Vislumbrou o qual majestosa e bela era a capital a noite.
— Ao amanhecer tudo isso será uma pilha de escombros, as calçadas estarão enfeitadas com corpos, e o cheiro de sangue será tão forte que sentirei na língua — Ele jogou o capuz para trás — Vamos começar!
Var’on abriu os braços e o tempo começou a fechar em uma velocidade assombrosa. O céu, antes limpo, começou a ser preenchido por nuvens carregadas.
Cabrum! Cabrum!
Os relâmpagos cruzavam todo céu da capital e um vendaval se iniciou de repente.
O golpe decisivo contra o coração do maior império do continente estava começando.
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