Capítulo 155 – A Invasão
As pessoas na plateia seguravam seus chapeis e vestidos para não voarem aos céus.
Os trovões eram tão ensurdecedores que fazia os ouvidos doerem.
Apavorada, a multidão começou a correr para fora do Coliseu, ignorando Walorin, que estava parado esboçando um sorriso de canto.
— O que significa isso, Ultan? — Esbravejou um dos nobres segurando a peruca para que o vento não levasse — Faça algo!
— Senhor! — disse Leerstrom no ouvido de vossa majestade — Aquele Calimaniano lá em baixo é Walorin, criminoso procurado em três continentes por roubo, assassinato e terrorismo. Não sei como ele chegou até aqui, mas deveríamos mobilizar as tropas para prendê-lo e levá-lo a justiça!
Não era o homem lá em baixo que preocupava Ultan.
— Tire os nobres daqui e reúna o lótus com todos os seus batalhões, agora! Os soldados darão um jeito no homem lá em baixo!
— Sim, senhor! — Leerstrom se virou para os nobres — Me sigam, rápido!
Ultan seguiu para um lado e Comandante Leerstrom para outro, adentrando os corredores às pressas, liderando os nobres.
Os corredores estavam uma bagunça.
Várias pessoas totalmente apavoradas faziam o caminho contrário, causando um grande tumulto.
— Me deem espaço para passar, saiam! Saiam! — berravam os nobres em meio ao empurra-empurra.
O pânico havia sido instaurado.
Algumas daquelas pessoas estavam cobertas de sangue, e isso deixou os nobres em pânico, principalmente aqueles que não sabiam se defender sozinhos.
Furioso, Leerstrom agarrou um homem pelo braço e indagou o que estava acontecendo.
— Monstros! — berrou o homem desesperado — Há monstros no final do corredor!
Trunyson encarava aquilo com olhos esbugalhados.
Ele havia gasto uma quantidade gorda de moedas com os caçadores de monarcas. Com sua vida em risco, ele temia não aproveitar os louros de seus investimentos. Ele mal conseguia se conter com a possibilidade de torturar Brighid enquanto ela implorava para parar.
“Eu é que não fico com esses desgraçados!”
Alguns dos nobres dispersaram do grupo e fugiram desesperados, enquanto a maioria se manteve ali, unida, contando com a proteção de Leerstrom.
Levou mais alguns segundos até o corredor esvaziar e ficar em um silêncio mórbido.
Rontes afastou sua filha com o braço e sacou sua espada.
— O-O que significa isso? — indagou um dos nobres borrando de medo.
— Aqueles que conseguirem lutar, se preparem! — berrou Rontes — Os inimigos a frente não são normais!
— Inimigos? — murmurou outro nobre.
— “Inimigos” no plural?
Molkar, o irmão mais novo do imperador do Sul, sacou sua espada.
— Rei Rontes! Levarei aqueles que não puderem lutar para um lugar seguro!
Rontes assentiu.
— Certo! Cuide deles, garoto! — ele encarou sua filha, Selly — Vá com ele!
Selly engoliu o seco e fez que sim.
Metade dos nobres se dispersou, enquanto a outra metade ficou para lutar contra os possíveis monstros.
Os homens que permaneceram eram experientes em combate. Seu orgulho não permitia que corressem de algum perigo, mas eles sentiam o forte odor da morte no final daquele corredor.
Tap! Tap! Tap!
Ouviram botas se aproximarem da penumbra. Alguns ficaram bem tensos aguardando aquela pessoa ou coisa despontar do breu.
Alguns engoliram o seco ao verem quem era, outros, começaram a tremer.
Aquele homem ainda estava com uma garotinha no colo.
— Jack Ubiytsy?!
— Não! — Rontes estava furioso — É o primogênito dele! Sabia que vocês estariam envolvidos nisso, malditos assassinos! Solte a menina, seu covarde!
Wilster Ubiytsy abriu um sorriso largo, revelando seus dentes pontiagudos. Dentre os irmãos, ele era o que mais se parecia com um vampiro puro-sangue.
— Não precisa de tamanha hostilidade — Ele afastou uma mecha do cabelo da menina e a encarou nos olhos — Acredita que em meio a todo esse caos, essa pirralha veio até mim, pedindo para ajudar a encontrar seus pais?
A garota, de olhar inocente, estava com as bochechas vermelhas de tanto chorar. Ela ainda estava com o bico na boca, e Wilster limpou as lágrimas dela com o dedão.
— Senhores, ainda estão apontando a espada para uma criança? — Wilster ficou em cócoras e colocou a menina no chão — Sua mãe está no final desse corredor, ela ainda está procurando você, então pode ir.
Ela olhou para os nobres e depois olhou para Wilster. Segurou as bordas do macacão e ameaçou começar a chorar. Seus olhos encheram de lágrimas e Wilster afagou os cabelos dela.
— Confia em mim!
— Leyna! Leyna! — uma mulher berrou dos fundos.
A mulher saiu de trás de Rontes e passou pelos nobres, indo em direção a sua filha.
— Graças aos Doze você está bem! — Ela se ajoelhou e a abraçou forte. Ambas começaram a chorar.
Wilster e os nobres ficaram olhando aquela cena hipnotizados.
Ela se tocou, olhou para Wilster e pegou Leyna no colo, se afastando alguns passos antes de começar a correr. Enquanto se afastava, Leyna deu um tchau para Wilster, e ele retribuiu.
— Agora podemos continuar de onde estávamos, senhores.
Bam! Bam! Bam!
Ouviram botas pesadas atrás de Wilster.
Um enorme brutamontes segurando um machado tão grande quanto ele próprio apareceu.
Gishhh!
Ouviram também uma espada se arrastando no concreto, e for a vez de Veny dar as caras. Ele estava curvado, segurando uma espada de aço enorme.
— Eles são assassinos profissionais — disse Leerstrom dando um passo à frente — Se vacilarem por um segundo, vocês morrem!
— Ótimo! — Wilster lambeu o dedo indicador — O sangue de homens corajosos é sempre delicioso.
Rontes apertou o cabo da espada com as duas mãos e começou a concentrar toda sua magia.
— Comigo, homens!
Rontes cingiu a espada acima da cabeça e raios celestes luminosos deixaram sua espada em um corte poderoso.
Cabrum!
O enorme Megath deu um passo à frente e rebateu aquele golpe avassalador em direção ao chão.
Boom!
Não suportando o golpe, o chão rachou e se quebrou, levando todo corredor junto.
Megath tinha o corpo grande e lento, enquanto seus outros irmãos eram magros e ágeis. Ubiytsys estavam acostumados a lutarem em cenários irregulares, já que seu trabalho envolvia assassinato sob qualquer circunstância.
Enquanto caiam em queda livre, Wilster e Veny saltaram pelos destroços e avançaram contra os outros nobres menos perigosos. Muitos nem sequer os viu chegando.
Crash! Crash! Crash!
Veny degolou uma parte, enquanto Wilster quebrou o pescoço de vários deles.
Boom!
Os destroços chegaram no andar inferior do coliseu.
De quase trinta homens, apenas meia dúzia havia sobrado.
— Não se deem por vencido! — Rontes se recuperou, girou a espada e avançou na direção de Megath, que conseguiu se defender com o machado.
Ting!
O golpe foi tão forte que Megath foi jogado para o final do corredor.
Wilster e Veny ficaram impressionados com toda aquela força de Rontes. Eram raros os que conseguiam lançar alguém como Megath tão longe.
Aproveitando a distração de Wilster, Leerstrom avançou contra o ponto cego do assassino.
Ting!
Wilster rebateu a lâmina de Leerstrom com as unhas e investiu em uma estocada, mas Leerstrom se recuperou rapidamente, defendendo o ataque do Ubiytsy.
Ting!
“Como esperado do braço direito do grande imperador!” Wilster saltou para trás. Foi a vez de Veny avançar.
Ting! Crack!
Aquele foi um golpe previsível que visava decapitar Leerstrom, mas ele defendeu com sua espada, só não esperava que sua lâmina fosse rachar.
“Minha espada!”
Wosh! Wosh! Wosh!
O enorme machado de Megath veio voando dos fundos e Veny se abaixou, fazendo o machado ir em direção a Leerstrom, que estava distraído pensando em sua espada.
Ting! Crash!
Agindo rápido, Leerstrom rebateu o machado para baixo, na direção de Veny que estava agachado, fazendo o machado cravar fundo nas costas do Ubiytsy, o empalando.
Por precaução, Leerstrom saltou para trás e os nobres que restaram ficaram impressionados com aquela técnica de esgrima.
— Matamos! — comemorou um dos nobres — Matamos um Ubiytsy!
Eles comemoraram eufóricos enquanto Rontes e Leerstrom continuavam atentos.
— Isso foi surpreendente! — Wilster se aproximou do corpo de Veny, pegou o machado pelo cabo e o jogou para trás, direto nas mãos de Megath que continuava no fim do corredor — Não irei mentir, pensei que seria uma missão entediante quando Bledha me procurou, mas até que está divertido!
“Bledha” pensou Leerstrom “A mulher por trás dos caídos?”
— Nenhum de nós está sério ainda — Continuou Wilster — então, por que não elevamos o nível dessa luta?
Cof! Cof!
Veny se levantou e os nobres arregalaram os olhos.
— O-Oque? E-Ele não morreu?
“Ele é imortal?” pensou Rontes “Só tem um jeito de descobrir!”
— Arrancaremos a cabeça dele!
Boom!
Rontes flexionou os joelhos e avançou na direção de Veny como um raio.
Ting!
Mesmo com aquela velocidade absurda, Wilster rebateu a espada carregada de Rontes e crispou os dedos, avançando em uma rajada de golpes.
Ting! Ting! Ting!
Usando quase toda sua velocidade, Rontes trocou uma sessão de golpes com o primogênito de Jack. Estavam tão rápidos que só Leerstrom conseguiu acompanhar a chuva de faíscas junto ao tilintar incessante de lâminas.
“Esse moleque!” Rontes sentia ter algo errado “Não era para ele conseguir me acompanhar, então como?”
Crash!
Por um instante, Wilster ultrapassou a velocidade de Rontes e isso foi tempo o suficiente para ele abrir um corte profundo no tórax de seu oponente, fazendo sangue jorrar.
Sentindo aquele corte, Rontes saltou para trás apoiando uma das mãos no peito.
“Merda! Como ele…”
— Você não fugirá! — Wilster já estava na frente de Rontes, se preparando para empalá-lo.
Ting!
Leerstrom rebateu as garras de Wilster e seus olhares se cruzaram por um instante. O Ubiytsy já esperava que aquilo fosse acontecer.
Crash!
Veny empalou as costas de Wilster, e consequentemente empalou Leerstrom e Rontes que estavam em linha reta.
Foi algo horrível de se presenciar, principalmente para os nobres que viam suas esperanças de continuarem vivos ser destruída bem na sua frente.
Rontes encarava aquilo incrédulo, e Leerstrom se sentiu um completo amador. Após ver um dos Ubiytsy se levantar após um golpe mortal, ele deveria ficar atento a possibilidade de seus inimigos usarem seus próprios corpos como isca.
Com um solavanco, Veny puxou sua enorme espada, fazendo os empalados golfarem sangue, inclusive Wilster.
Apesar disso, Leerstrom conseguia continuar, ao contrário de Rontes, que já estava bastante debilitado. Ele mal conseguia se manter de pé.
— Impressionante, senhor Leerstrom! — Wilster abriu um sorriso borrado de sangue — Você lutou bem, mas não me leve a mal, isso são apenas negócios — Ele olhou para Rontes — Já você, sinto muito pelo fim precoce da grande linhagem de Rontes.
— Bastardos malditos! — urrou Rontes, lutando para se manter consciente — Irei mata-
Crash!
O gigante machado de Megath veio dos fundos girando na vertical, partindo não só Rontes ao meio, mas o restante dos nobres.
Bam!
O machado cravou na parede de concreto no fim do corredor.
— Esses nobres… — O enorme Megath se aproximava a passos largos — Orgulhosos até o fim.
Wilster abriu os braços.
— Me diga, comandante, vale a pena morrer por esse império? O senhor tem esposa e três filhas, certo? Uma filha que é da mesma guilda que meu irmão. Por isso vou te dar a chance de abandonar seu orgulho e fugir para viver com sua família, o que me diz, comandante?
Leerstrom abriu um sorriso e cuspiu sangue. Ajeitou sua postura e apertou o cabo de sua espada.
— Fugir? Viver com a família? Sou um soldado, garoto. Fui forjado no sangue e combate! Acha mesmo que eu fugiria de medo de um bando de pirralhos que não conhecem a honra? Estamos apenas começando!
“Minha mana não deve durar muito depois disso, mas não posso deixar esses assassinos impunes!”
A ferida de Leerstrom se fechou e seu corpo emitiu ondas de calor. Ele girou a espada e lançou um corte flamejante na direção dos três.
— Deixa comigo! — Megath se colocou na frente daquele corte como se o próprio fosse uma barreira.
Crash!
Nenhum dos Ubiytsy esperava que aquele golpe fosse cortar tão fundo a pele de um monarca da pujança.
— Para onde está olhando? — Leerstrom estava atrás dos Ubiytsys, preparando outro corte.
— Merda!
Swoosh!
Wilster conseguiu desviar do golpe saltando em direção ao teto, já Veny e Megath não tiveram a mesma sorte.
Veny saltou para o lado, mas parte do golpe o alcançou, decepando seu braço direito. Megath foi cortado profundamente nas costas e bateu um dos joelhos no chão.
“Eles não estão se curando?” Wilster continuava no teto como uma aranha, observando seus irmãos morrerem de dor “Não me diga que…”
Wilster foi para o chão, caindo graciosamente.
— Um monarca arcano da flama… — Wilster se preparou para avançar — Um usuário de luz hehe, não pensei que enfrentaria um de vocês algum dia! Veny! Megath! Deixem que assumo a partir daqui, ajudem Yebella a concluir a missão!
Eles assentiram e desapareceram na escuridão.
O sangue entorno começou a vibrar e Wilster esticou a mão. Todo sangue do corredor se moveu em direção a ele, assumindo a forma de uma foice carmesim enorme.
— Tem algum tempo que não uso magia para lutar contra alguém!
— Um usuário de sangue? — Leerstrom abriu um sorriso — Nunca enfrentei um de vocês antes.
Wilster flexionou os joelhos.
— É seu dia de sorte, comandante. Hoje é noite de lua cheia, então você verá o meu máximo!
Observando a capital do topo de uma torre, Ehocne estava ao lado de Var’on observando soldados tentarem parar Walorin sem sucesso.
— Onde está Elnan? — ela indagou.
— Foi resolver algumas questões, mas logo estará aqui. Já está tudo pronto?
Cabrum! Cabrum!
A tempestade trazida por Var’on ficava mais forte a cada segundo. O vendaval começou a levar algumas estruturas mais fracas, e as pessoas festejando na rua mal sabiam o que estava acontecendo no coliseu.
Muitos correram para casa, outros, adentraram em estalagens para ficarem seguros até a tempestade passar.
— Abrirei os portais agora. O alto declarado rei do Norte já está com seu exército preparado para avançar.
— Entendi, e os lótus, já os levou para longe?
— Ainda não.
Depois de um suspiro, Ehocne abriu os braços e se concentrou. Ela juntou as palmas das mãos e de cima da torre eles viram vários pontos ao redor da capital brilharem em amarelo.
Eram centenas.
Cada pontinho daquele era um portal de pequeno porte sendo aberto. Por ele, nortenhos portando armas e armaduras ante magia avançaram.
Ela juntou as mãos, suspirou, e apontou as mãos em direção ao céu.
Cinco enormes portais cobriram parte do céu noturno, e deles, enormes galeões de madeira flutuavam entre as nuvens com a ajuda de cristais atrelados a todo seu casco, navios que carregavam a bandeira do autodeclarado rei do Norte.
A bandeira era a cabeça de um urso rugindo dentro de um escudo. Aqueles galeões não eram navios comuns, eram enormes, com capacidade para embarcar centenas de pessoas.
Nas laterais, haviam canhões carregados com balas potentes.
Tum! Tum! Tum!
Tambores de guerra começaram a ser tocados, junto ao ressoar de trombetas que anunciavam a invasão.
Boom!
Um dos canhões disparou, arrasando meio quarteirão. Mesmo com a tempestade, as pessoas saíram de suas casas após ouvir explosões, e se depararam com Nortenhos, bárbaros usando peles de animais como armaduras e vários adereços e itens ante magia.
Os bárbaros avançaram contra os civis, os matando com demasiada brutalidade.
O caos estava instaurado.
— Cuidarei dos lótus — Ehocne abriu um portal — Continue aqui, se aquela mulher de cabelo verde sair do espelho, você e Walorin são responsáveis por cuidar dela.
— Entendido.
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