Índice de Capítulo

    A rainha dormiu bem, mesmo que seu colchão fosse feito de pedras e seu alforje cheirasse a suor de cavalo. Acordou antes do sol nascer e usou água do cantil para lavar o rosto. Assim que o fez, vestiu sua armadura. Aquelas florestas eram geladas, e com a chegada do inverno as coisas estavam se intensificando.

    Colin estava próximo à entrada da caverna, preparando o cavalo, conferindo a sela.

    — Dormiu bem? — Indagou Colin sem a encarar.

    A primeira coisa que Ayla se lembrou foi da conversa que tiveram na noite passada. Ela suspirou, coçou a nuca e desviou o olhar.

    — Sim… E você, não está cansado?

    — Nem um pouco.

    Ela caminhou até ele.

    — Notou algo de estranho noite passada?

    — Nada concreto, mas tive a impressão de estar sendo observado. Deve ser só a sensação de estar a noite de frente para a mata fechada.

    Ayla olhou para os dois lados, concentrando sua análise.

    — Talvez não seja impressão sua. Tem alguns rastos de mana entorno, e não são rastros de simples animais silvestres. Devem ser Kobolds ou Gnolls, eles são comuns nessa região.

    Colin subiu no cavalo e estendeu a mão para Ayla.

    — Você vem?

    — Dessa vez as rédeas são minhas.

    Colin arrastou para trás e deu dois tapinhas na sela.

    — Só esperando você, majestade.

    Ayla amarou o alforje que usou como travesseiro na sela, ajeitou sua bainha e subiu no cavalo com a ajuda de Colin. Apesar de estarem com pressa, seguiram com cautela pelo território desconhecido. Não sabiam o que os esperava pela frente.

    Deixaram a mata fechada e foram em direção uma área aberta, com pequenos morros e grama esponjosa. O canto dos pássaros era mais intenso naquele lugar, mesmo que não houvesse muitas árvores.

    Era um lugar bem calmo e a temperatura não era tão baixa. O sol, mesmo que fraco, deixava tudo perfeito. Alguns animais silvestres como cervos e veados saíram correndo ao avistarem os forasteiros.

    Ayla nunca havia ido tão longe, e olhar aquilo a deixou com os olhos brilhando. Olhou para trás e viu Colin com a mesma expressão de desinteresse de sempre.

    — Não está impressionado?

    Ele deu de ombros.

    — Andei seis meses por parte do continente, essa vista é bem comum — Colin abriu um sorriso de canto — Ficou esse tempo sem sair do quintal de casa? Seu pai ensinou você somente a brigar e mandar?

    Ela fez beicinho.

    — Sempre tive responsabilidades, não tive tempo para esse tipo de aventura como você teve.

    — Tadinha de você. — Ele debochou.

    Ayla franziu o cenho e sacudiu as rédeas do cavalo abruptamente, iniciando um trote, quase derrubando Colin do cavalo. Ele se segurou na cintura dela para não cair.

    — Faltou nas aulas de equitação, carniceiro? — Foi a vez dela de debochar — Devia ficar mais esperto!

    O cavalo parou devagar e Ayla continuava com um sorriso no rosto.

    — Apesar do nosso objetivo, está sendo uma missão divertida, você não é tão chato quanto achei que fosse.

    — Cuidei de um punhado de órfãos antes da queda de Ultan, sou bom com crianças.

    Ayla deu uma cotovelada para trás, atingindo o abdômen dele, mas foi fraquinho. O sorriso dela não se desfazia. Aquele momento estava aconchegante, e a sensação de liberdade percorria todo seu corpo. Se sentia uma criança brincando no parquinho.

    — Colin… essa sensação de liberdade… é sempre assim?

    — Na maioria do tempo, mas essa paz é anormal. Já era para termos encontrado algum monstro ou criatura, então acredite se quiser, até eu estou surpreso.

    O sorriso de Ayla desapareceu, e ela estava desconfiada de que algo pudesse estar sendo tramado. Caminharam por quilômetros e não viram nenhum Gnoll ou Kobold.

    [Rugido!]

    Ouviram uma criatura, um som alto o bastante para assustar o cavalo. O som pareceu ter vindo de trás, então eles olharam, não encontrando nada.

    Boom!

    Um morro que estava há alguns metros a esquerda foi completamente destruído, revelando um urso enorme. Aquela criatura tinha dez metros de altura e quinze de comprimento. Sua pelagem era parda e seus dentes enormes, grandes o suficiente para partir um cavalo ao meio.

    Assustado, o cavalo iniciou um galope relinchando de medo enquanto aquela criatura estava atrás deles. Tanto Colin quanto Ayla também estavam assustados, eles sequer haviam sentido aquele ser, mas logo o susto de Colin desapareceu.

    Aquele era um monstro grande, e o último ser grande que enfrentou foi o demônio da estrada. Apesar da luta difícil, aquele foi um combate memorável.

    — Faz o cavalo parar, o urso é meu!

    — Esper-

    Colin tirou as mãos da cintura de Ayla e tombou para o lado, girando na grama e se erguendo enquanto derrapava. Ponderou usar Claymore, mas descartou a ideia. Abriu um sorriso largo e esperou o monstro se aproximar.

    A criatura abriu a enorme boca para abocanhá-lo. Colin dobrou os joelhos e saltou para cima da criatura, segurando sua pelagem.

    [Rugido!]

    Após mais um rugido, o urso começou sacudir freneticamente de um lado para o outro, tentando derrubar Colin, e conseguiu. O errante chegou ao chão e saltou para trás, esquivando-se de uma patada brutal que abriu um buraco no chão. O urso rugiu novamente e tentou abocanhá-lo duas vezes seguidas, por não conseguir, tentou acertá-lo com a pata inúmeras vezes.

    A criatura não dava folga, e Ayla conseguiu observar o frenesi após acalmar o cavalo. Mesmo sem usar um pingo de mana, Colin estava se virando, apesar de apenas esquivar-se.

    Bam! Bam! Bam!

    Mais crateras se formavam e outros pequenos morros eram destruídos enquanto Colin se divertia. Ele encarava aquilo como um treino, já que a cada segundo o urso ficava mais furioso, e sua velocidade também aumentava. Ele queria ver até onde seu reflexo podia chegar sem que ele usasse a análise.

    Longe dali, observando o combate por Lunetas, o Gnoll líder da matilha estava acompanhado de seu bando. Eles não paravam de rir.

    — Olhe aquilo, Ergoth! Eu disse que o homem-urso iria resolver nosso problema. Aquele homem morrerá em instantes, o que nos deixa com a fêmea! — Ele lambeu os beiços — Cabelo branco, nunca devorei uma dessas antes — Olhou para seus lacaios — Vamos lá, ela está sozinha com o cavalo, vamos pegá-la!

    Ergoth continuou parado enquanto o líder da matilha e seus homens riram sem parar, chamando a atenção de Ayla, que olhou para o lado vendo um grupo Gnoll se aproximar portando armas.

    O confronto com Colin estava se resolvendo, então ela resolveu redirecionar seus esforços para aquele grupo. Ayla saltou do cavalo desembainhando sua espada e o cavalo correu para longe.

    — Ei, fêmea, melhor que se renda e poupe nosso tempo! — bradou o líder da matilha apontando para ela a cimitarra — Se cooperar, matamos você bem rápido hihihi!

    Os Gnolls começaram a se dispersar, cercando sua presa enquanto riam sem parar. Haviam dois deles com escudos, dois com arcos e dez deles portavam armas brancas de variados tipos.

    — Ainda não se decidiu, fêmea?

    Ayla olhou para Colin e devolveu a espada para bainha.

    “Não preciso de espada parar matar um bando de Gnolls.”

    — Desistiu, fêmea? Hihihi essa foi a melhor escolh-

    Cabrum!

    Como se sua mão direita fosse uma espada, ela atravessou a garganta do líder da matilha em instantes. Retirou a mão e avançou nos seus companheiros ao lado. Com a mão, decapitou um por um até eliminar todos que portavam armas brancas.

    Os quatro Gnolls que sobraram estavam em choque, mas Ayla não deu a chance de correrem. Com os punhos cerrados, avançou contra um Gnoll e quebrou o escudo com um direto, girou sob o calcanhar e golpeou a mandíbula da criatura com um pontapé, a quebrando. Antes que o Gnoll desabasse, ela avançou com o punho cerrado na outra criatura com escudo, atravessando o escudo de madeira e a garganta do Gnoll com o punho e, por fim, cruzou olhares com os arqueiros.

    Em pânico, puxaram as cordas dos arcos e dispararam incessantemente em Ayla que se aproximava até eles lentamente, desviando das flechas sem problema algum. Segurou uma flecha que foi até seu rosto e avançou contra seu oponente, cravando a flecha em seu pescoço e com a mão atravessou o peito do último.

    Limpou a mão com sangue de Gnoll em um movimento abrupto, focando seu olhar no Orc segurando um enorme machado.

    — E então, vai me atacar ou precisarei ir até você?

    — Vocês vieram fazer o que nas terras hostis?

    Desta vez Ayla resolveu usar a espada, a desembainhando e apontando para o Orc.

    — Isso não é da sua conta.

    — Estão atrás de Nag, não estão? Posso ajudá-los.

    Ayla abriu um sorriso de canto.

    — O que te faz achar que eu confiaria em você? Pensa que sou idiota, Orc?

    Ergoth retirou o machado do ombro e o largou no chão.

    — Não quero lutar contra vocês. Posso levá-los até Nag por uma rota segura, posso mostrar seus outros acampamentos e esconderijos, mas temos que chegar a um acordo.

    Bam! Bam! Bam!

    Os golpes do urso estavam mais rápidos, mais violentos, e a cada segundo Colin se divertia mais. Teve até um momento que o Urso lhe arrancou alguns fios de cabelo. Ayla encarou o companheiro ao longe e voltou a se concentrar no Orc.

    — Jogue esse machado para cá e fique de joelhos.

    O orc jogou o machado e Ayla o pegou. Era de ferro maciço e bastante pesado, mas ela conseguia segurá-lo sem problemas. O apoiou no ombro e deu alguns passos para o lado, de modo que pudesse ficar de olho no Orc e em Colin.

    Aquele embate ficava cada vez mais frenético.

    Bam!

    Finalmente Colin foi atingido no flanco, mas ele se defendeu, derrapando para o lado. O urso avançou novamente e ele saltou para trás desviando de outro golpe.

    “Então esse é meu limite sem usar mana. Tem muito o que ser melhorado.”

    Ele transformou Claymore em uma espada, deixou a mana dela se manifestar e lançou um corte arqueado energizado com mana elétrica na direção do enorme urso.

    Cabrum!

    A criatura foi atingida, um corte profundo. Apesar disso, ela não recuou e nem diminuiu a velocidade de seu ataque. Para Colin, aquilo era ótimo. O urso ergueu a pata e Colin esquivou-se para a esquerda, transformando Claymore em uma foice. A girou cortando profundamente a enorme pata do urso.

    [Rugido!]

    O monstro sentiu aquele golpe, mas não desistiu, continuou avançando enquanto Colin se esquivava e desferia mais e mais cortes no animal pardo que era gradualmente pintado de vermelho sangue.

    Ergoth também observava o embate e estava apavorado. O garoto sequer estava usando mana e seus movimentos beiravam a perfeição. Nenhum dos ataques que dava era por sorte, muito menos eram levianos.

    O urso estava se cansando, seus movimentos aos poucos ficavam mais lentos e Colin percebeu isso, saltando para longe segurando a foice em suas costas.

    [Rugido!]

    A criatura rugiu, mas não avançou, continuou parada o encarando.

    “Se eu enfrentasse o demônio da estrada hoje, acho que venceria.”

    Claymore se transformou em uma adaga.

    — Uma criatura como você vai ser uma aquisição e tanto para meu arsenal de invocações.

    Urrando novamente, o urso avançou em uma disparada lenta. A criatura mal se aguentava em pé. Colin também correu até a criatura e esquivou de uma abocanhada, deslizando para debaixo do animal, rasgando a criatura com a espada. Ergueu-se derrapando na grama e transformou Claymore em um anel.

    As entranhas do urso caíram na grama, mas ele continuava de pé, porém, seus movimentos ficavam cada vez mais lentos, até que ele bambeou e caiu.

    Bam!

    Calmamente Colin se aproximou da criatura com a respiração pesada. Ficou ali, olhando a criatura nos olhos, o vendo morrer lentamente.

    O enorme urso havia dado seu último suspiro.

    Erguendo a mão esquerda, ele tocou a testa do animal. Usou Claymore para levar mana para seu corpo, já que seu corpo não conseguia gerar mana. Prana era o princípio onde a mana vinha de fora para dentro, então foi fácil para Colin passar por essa etapa, seguindo direto para Apana, onde purificou rapidamente o seu corpo.

    Tudo estava pronto para a Udana ser usada, e dar forma a Prana em seu interior. O urso lentamente começou a se desfazer em cinzas, mas ele não queria invocá-lo agora. Era mais seguro que Claymore continuasse com sua reserva de mana.

    Caminhou até Ayla e focou seu olhar no Orc que estava espantado, se perguntando quem era aquele.

    — Fazemos prisioneiros agora? — Indagou Colin.

    Ayla deu de ombros.

    — Esse orc disse que sabe um atalho seguro até Nag, mas quer fazer um acordo.

    Colin olhou os Gnolls abatidos e focou seu olhar no Orc de joelhos.

    — E se torturarmos você até nos dizer?

    O coração do Orc encheu-se de desespero.

    — S-Senhor, me ouça, por favor!

    Colin transformou Claymore em uma espada e encostou na garganta de Ergoth enquanto sorria.

    — Ayla, o que acha, devemos ouvir o que esse orc tem a dizer?

    — Por quê? Ele trouxe o urso e esses Gnolls. Acabe com ele e encontraremos Nag sozinhos.

    O Orc começou a ficar sem opções.

    — Senhor, por favor…

    Colin apoiou a espada no ombro.

    — Desembucha.

    — O-Os senhores eram invasores, não tínhamos o que fazer, estávamos nos protegendo. Fariam o mesmo se fosse o oposto, não é?

    Colin deu de ombros e Ayla deu um passo à frente.

    — Se Nag não tivesse invadido Runyra, não estaríamos aqui.

    — S-Sinto muito em ouvir isso, senhora, mas não temos nada a ver com Nag. S-Sou de uma vila orc pacífica, estamos localizados perto daqui. Temos um acordo com os Gnolls, deixamos eles caçarem por nossa região e em troca eles eliminam os invasores. S-Sei que eles não são criaturas confiáveis, mas nosso acordo funciona. Nag manda e desmanda nessas terras, para ele só importa a força, então meu vilarejo é feito de Orcs que Nag rejeitou.

    — Vá direto ao ponto, orc, diz logo o que você quer.

    Ergoth engoliu o seco.

    — Você não conseguira vencer Nag e seu exército, sem passar pelo reino dos Hobgoblins. São eles que constroem as máquinas de guerra que Nag e seus homens usam. Sabe como Hobgoblins procriam, senhor?

    — Já ouvir falar.

    — Eles mataram todos os alfas do bando, são eles mesmos que copulam com nossas mulheres. Humanas morrem depois de parir cerca de dez vezes em um curto período, já que a gestação de um goblin é de dias, mas as mulheres orcs são fortes, elas podem aguentar semanas… Da última vez cedemos cinco das nossas para eles pouparem o vilarejo.

    Colin assentiu.

    — Agora você quer que limpemos sua bagunça?

    Ayla tocou no ombro de Colin e o chamou para o canto.

    — Isso pode ser benéfico para a gente. — Sussurrou — As terras hostis são vastas, e Nag pelo visto controla grande parte dela. Podemos usar isso para expandir para oeste.

    — Estamos ficando sem tempo, devia deixar esses orcs cuidarem dos próprios problemas.

    — É melhor fazer as coisas com calma do que ser apressado e fazer tudo mal feito. As criaturas do território hostil têm acordo entre si, o que faremos é chegar a um acordo com eles. Em vez de enfrentarmos uma miríade de monstros, temos apenas que acabar com Nag e esses Hobgoblins. Essas criaturas sabem que não tem chance contra a gente, por isso pediram nossa ajuda.

    Colin estava relutante em aceitar, mas quanto menos inimigos tivesse que enfrentar, mais fácil seria.

    — Tudo bem, vamos fazer do seu jeito.

    Eles caminharam até o Orc ajoelhado.

    — A gente vai ajudar você — disse Colin — Mas se tentar fazer algo contra mim ou minha companheira, qualquer coisa, mato você, encontro sua tribo e mato todos eles também. Não deixarei nenhum de vocês vivo, nem mesmo as crianças.

    O carniceiro estava falando sério e Ergoth sentiu isso.

    — Vamos, você mostra o caminho.

    O Orc se ergueu e Ayla assoviou, chamando o cavalo que chegou em alguns minutos. Ela subiu no cavalo e Colin subiu atrás segurando o enorme machado de Ergoth.

    — Quando chegarmos, te devolvo isso.

    — C-Como desejar, senhor…

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